SXSW Insights: cinco grandes temas do festival

Mais de 200 palestrantes participaram da primeira edição virtual do evento, entre os dias 16 e 20 de março

Depois de ter sido cancelado às vésperas da realização no ano passado, por conta da pandemia de Covid-19, o SXSW promoveu sua primeira edição totalmente virtual entre os dias 16 e 20 de março. Bem diferente da versão física, que prima pelas conversas, exposições e networking presenciais, a plataforma digital entregou com competência bom conteúdo, a partir de uma curadoria afiada de palestrantes. 

Como não poderia deixar de ser, o impacto da pandemia do novo coronavírus na sociedade e na economia foi uma espécie de tema transversal, permeando as sete áreas temáticas que dividiram a programação do festival neste ano.

“Estamos redesenhando o futuro a partir dos sinais do presente. É importante tomarmos decisões que direcionem e criem cenários mais positivos. Precisamos ter humildade para aprender, ser mais conscientes, flexíveis e saber lidar com o imprevisível”, refletiu Amy Webb, futurista e fundadora do Future Today Institute, que contextualizou o atual momento como Nova Desordem Mundial.

A seguir, separamos, de forma objetiva, cinco temas que dominaram a agenda de conteúdo do SXSW 2021:

1 – RESPONSABILIDADE E ÉTICA DAS TECNOLOGIAS – E DAS PESSOAS

Os impactos das tecnologias nos rumos da humanidade estão entre os temas principais do SXSW na última década. Nesta edição, o historiador e filósofo israelense Yuval Noah Harari provocou a audiência a pensar sobre como as lideranças mais autoritárias da contemporaneidade usariam as soluções de tecnologia que estão sendo criadas.

Seguindo a linha narrativa de sua obra best-seller Homo Deus, o pensador disse que, na história, nenhuma tecnologia promoveu apenas efeitos positivos. “A responsabilidade está nas mãos das pessoas, mas não somente das que usam para o bem ou o mal. A responsabilidade também está nas mãos de quem cria e programa”, analisou.

No mesmo sentido, a pesquisadora Rana el Kaliouby, doutora em Inteligência Artificial Emocional pela Universidade de Cambridge e fundadora da Affectiva, defendeu que o futuro saudável da economia digital e da sociedade depende de uma rigorosa conduta ética no uso da AI. Ela disse que é preciso humanizar as relações por meio de interfaces conectadas, mas sem perder o foco da transparência.

“É fundamental que as Big Techs, os investidores e as grandes marcas globais sigam uma linha ética na adoção da Inteligência Artificial. Nosso futuro depende disso”, completou a autora do livro Girl Decoded

Ainda dentro dessa temática, o festival trouxe, também, debates acerca do avanço da desinformação e seu impacto nos regimes democráticos, com movimentos positivos de publishers, pesquisadores, marcas e players de tecnologia.

2 – A ERA DO YOU OF THINGS – UBIQUIDADE E A ENCRUZILHADA DA PRIVACIDADE

Como boa vitrine para lançamento de tendências, novos termos e tecnologias que é, o Southby convoca, anualmente, a futurista Amy Webb para apresentar seu Tech Trends Report, criado no âmbito do Future Today Institute. Entre as tendências destacadas neste ano, a You of Things se firma a partir do avanço dos wearables, que tornam o corpo humano cada vez mais integrado à tecnologia, servindo de base de dados e informações para diversos devices, empresas e serviços.

Esses avanços, segundo Amy, serão propulsores do fim dos smartphones, que já vêm caindo nas vendas ano a ano. Outros acessórios farão parte da rotina de conexão entre humano e tecnologia, substituindo muitas das funções que, hoje, centralizamos nas telas dos telefones celulares.

Para aterrissar o conceito, são muitos os exemplos de funcionalidades que modam a YoT: dispositivos que monitoram onde um funcionário está ou se teve uma queda de produtividade; sensores que medem a respiração das pessoas e emitem alertas caso fiquem estressadas e recompensam emoções mais estáveis; um marca-passo implantável na pele para prevenir que o corpo do usuário possa ser hackeado, ou um adesivo corporal que dialoga com os demais produtos inteligentes em uma casa, emitindo sinais de fome ou sede para a geladeira e o forno micro-ondas preparem bebidas e alimentos.

Nesse cenário, uma grande tendência são os aparelhos que trabalham para melhorar a saúde e o sono. O Ooler, por exemplo, é um lençol que regula a temperatura certa para as pessoas dormirem, e esquenta o tecido para fazer com que elas acordem sem despertador.

Todos esses produtos levantam questões éticas sobre redes seguras para compartilhar dados e nos colocam diante de um dilema que não é novo, porém, se torna cada vez mais latente: esse ecossistema de conectividade ubíqua fará com que cada vez mais dados pessoais e íntimos se integrem aos repositórios das gigantes de tecnologia que fabricam os dispositivos: Google, Amazon, Microsoft, IBM e as grandes empresas chinesas.

Entre a possibilidade de viver mais e melhor e o risco quase inevitável de fornecer seus biodados às Big Techs, onde você fica? Para Amy Webb, não temos mais escolha. “A privacidade, como conhecíamos, já morreu. Mas isso não é necessariamente ruim”, cravou, ao tentar minimizar os efeitos da coleta desenfreada de dados, mostrando benefícios como melhorar os cuidados com a saúde e a prevenção de doenças.

3 – CULTURA DE COMUNIDADES E A POTÊNCIA DO STORYTELLING

Novas formas de conectar marcas e pessoas surgem na mesma velocidade em que interfaces conectadas de relacionamento se firmam como propulsoras de processos culturais. A explosão do TikTok e seu conteúdo líquido impulsionado por vídeos dinâmicos e realidade aumentada, o hype do Clubhouse entre personalidades e investidores e as lives da quarentena são exemplos de como a cultura pode ser moldada por contextos, inovações e possibilidades tecnológicas.

Em torno dessas soluções, orbitam comunidades engajadas a partir de causas, interesses e discursos. A provocação que o Southby faz conecta esse cenário ao poder do storytelling – são as narrativas, criadas por marcas e pelos próprios usuários das redes, que garantem a força ou a fragilidade das conexões que se estabelecem nessas ambiências digitais. “Nenhuma regra é permanente quando falamos das relações com comunidades. Tudo é efêmero, assim como hábitos e comportamentos que integram experiências físicas e digitais”, afirmou David Sandstrom, CMO da Klarna.

Nesse contexto, as empresas ainda encontram dificuldades para entender essa cultura mutante e se posicionar nos ambientes de forma significativa. Entre os movimentos bem-sucedidos, destaque para o social commerce, o livestreaming business e o marketing de influência, que se consolidam na esteira do avanço do comércio eletrônico.

Em janeiro deste ano, as vendas do varejo online na China superaram, pela primeira vez, os números registrados nas lojas físicas, segundo dados do eMarketer. “Essas mudanças no peso dos canais de venda são influenciadas diretamente pelas comunidades que se formam nas mídias digitais”, analisou Marie Kerwin, estrategista de conteúdo da consultoria.

4 – O DEVER DA DIVERSIDADE – E SEU REFLEXO NA INOVAÇÃO

A pauta da diversidade tem seu espectro ampliado, ano após ano, nos festivais de inovação, negócios e criatividade. No entanto, ainda existe uma lacuna enorme entre discurso e prática, especialmente nas organizações. Nesta edição virtual do SXSW, foram muitas as provocações para que o tema deixe de ser “desafio” e passe a ser “solução”. Nas empresas, times diversos refletem uma sociedade que, por natureza, é plural, e esse cenário gera, inclusive, o processo de inovação. 

Em apresentações potentes, vozes importantes ecoaram mensagens que buscam promover transformações reais especialmente no campo das pautas raciais. “Temos de chegar a um ponto em que defender justiça racial, igualdade e liberdade não seja visto como caridade, mas como uma forma de participar da sociedade e agir como cidadão”, disse Baratunde Thurston, ativista, escritor e comediante.

Na superação do desafio de ampliar as vozes marginalizadas, outro ponto destacado foi a criação de mecanismos que gerem visibilidade para esses grupos. “Meu trabalho é colocar no centro as comunidades que precisam ser ouvidas, especialmente aquelas que nunca são parte da narrativa, a não ser que sejam como vilãs ou impedimento para o sucesso dos outros”, contou a inspiradora Stacey Abrams, escritora, líder política, ativista e defensora do direito ao voto.

5 – O FUTURO – AINDA ANUVIADO – DO ENTRETENIMENTO 

Entre as muitas indústrias profundamente afetadas pela pandemia, a do entretenimento se reconstrói com a ajuda das experiências imersivas. Shows, eventos e ativações de marcas deverão contar com recursos tecnológicos que mesclam realidades virtual e aumentada para promover conexões entre ídolos e fãs. Mas o caminho para esse cenário é árduo e passa por infraestrutura e capacidade de investimento.

O SXSW decretou que cinemas e teatros devem reabrir de forma tímida, ao passo que as plataformas de streaming avançam preenchendo a lacuna sob a ótica da audiência. Grandes concertos musicais ainda levarão tempo até serem retomados e, nessa transição, experiências baseadas em realidade mista ganharão força entre empresas e artistas com fôlego financeiro para produzir e distribuir conteúdo nesse campo.

Tais recursos ainda são pouco explorados, mas, de acordo com T.J. Vitolo, head e diretor da área de AR/VR na Verizon Media, esse cenário ganha força a partir da evolução do 5G. “Para o entretenimento, a quinta geração de redes móveis é disruptiva em vários aspectos: diminui a latência na transmissão de informações, permite a criação de redes pontuais de alta velocidade em tempo recorde e, finalmente, torna escalável a produção de conteúdo em realidades mistas”, contou.

Ainda anuviado, o futuro do entretenimento encontra, na angústia do presente, seu maior obstáculo. “Quais são as empresas, artistas e movimentos que vão sobreviver para construir essa nova linha do tempo? Por trás dos grandes nomes, existem milhares de pessoas e famílias que dependem da nossa indústria para sobreviver”, desabafou a atriz e produtora Queen Latifah, conclamando investidores a apostarem na sustentabilidade do setor.

Como escrevemos lá no início desta análise, a partir da reflexão de Amy Webb, são as decisões tomadas hoje que podem garantir – ou não – cenários mais positivos no futuro.