Storytelling digital: linguagens, ferramentas e canais cada vez mais diversificados

Variedade de formatos e adoção de tecnologias marcam reinvenção dos publishers, mostrou a GEN Summit 2018, realizada em Lisboa

Uma das principais características do jornalismo na sociedade em redes digitais é a crescente diversidade e sofisticação de formatos, estratégias, ferramentas e plataformas disponíveis para contar histórias e interagir com a audiência. Algumas das mais recentes experiências neste campo foram registradas pela GoAd Media durante a GEN Summit 2018, realizada em Lisboa, entre os dias 30 de maio e 01 de junho de 2018. Foi a oitava edição do evento, promovido por The Global Editors Network. Cerca de 750 profissionais do universo midiático, de 80 países, participaram do encontro. Confira alguns dos cases apresentados na conferência.

Chatbots: BBC e Quartz levam conteúdo a aplicativos de mensagem

Quartz e BBC News estão entre organizações jornalísticas que vêm fazendo experimentos para levar conteúdo ao Facebook Messenger, utilizando chatbots. Paul Sargeant, jornalista visual na BBC News Labs, explicou que o objetivo é explorar um canal onde boa parte do público naturalmente já passa seu tempo. As histórias tiram proveito da interatividade e são construídas em um tom mais informal, com frases curtas, como se fossem trocas de mensagens entre amigos. Ilustrações, vídeos, gráficos e memes também podem fazer parte. Sargeant reconhece que, dependendo do caso, o investimento é alto, mas ressalta que iniciativas bem sucedidas podem ser usadas como template para projetos semelhantes.

Um dos projetos da BBC neste campo é uma matéria sobre alcoolismo entre a comunidade Punjabi no Reino Unido, com cinco histórias de personagens, que podem ser conferidas no Messenger a partir do perfil da BBC Asian Network no Facebook.

Mais do que ampliar a audiência, trata-se de uma estratégia para aprofundar o relacionamento com o público e aumentar o engajamento. Para que dê certo, uma boa dose de talento humano continua a ser essencial, lembra John Keefe, desenvolvedor de bots na Quartz, destacando a importância dos profissionais envolvidos na criação das histórias. Keefe conta que a dupla Messenger e chatbot é particularmente eficiente para trabalhar projetos em que o tempo é um fator determinante.

Quartz já guiou seu público por uma jornada de 20 horas para fazer pão em tempo real, e várias pessoas foram até o fim, enviando fotos do produto pronto. A partir da expertise que vem adquirindo nas iniciativas autorais, a empresa passou a explorar esse nicho comercialmente e montou um time que cria projetos customizados para clientes – entre eles, a série Westworld, da HBO.

 Vídeo: Mic e NowThis exploram o Snapchat Discover

O consumo de conteúdo em smartphones continua a crescer em vários países, impulsionando a produção de vídeos, bastante populares neste meio. À medida que esse mercado se expande, aumenta a exigência por qualidade e diversificam-se os produtos. Uma das apostas da Mic é a produção de conteúdo para o Snapchat Discover. Durante a GEN Summit 2018, a empresa apresentou seu recém-lançado canal na plataforma, que traz uma pegada daily newse combina várias linguagens, como áudio, vídeo, animação e ilustração, inspirando-se na maneira como os usuários do Snapchat se comunicam. “O Discover é o que a televisão costumava ser”, diz Cory Haik, publisher da Mic.

Kim Bui, consultora em jornalismo digital e ex-editora na NowThis, destaca a importância de se criar material específico para este meio (que tem mais de 60 milhões de usuários ativos). “Várias organizações contam com equipes focadas exclusivamente no Snapchat. Você não pode simplesmente reproduzir conteúdo lá”, afirma. Bui contou que, na NowThis, um time de cerca de 10 pessoas faz dois vídeos diários para o Snap, com base em templates, para simplificar e agilizar a produção.

Realidade aumentada: as apostas de The Wall Street Journal e Empathetic Media

A produção de narrativas imersivas ainda está em fase inicial, mas já deixou claro seu potencial. Dan Archer, fundador da Empathetic Media, listou alguns dos principais usos e oportunidades nesse campo: linkar várias mídias em uma mesma história; fazer determinados elementos “ganharem vida”; inspecionar detalhadamente objetos apresentados na história; projetar conteúdo e compartilhar experiências a partir de triggers como sinais de trânsito.

Entre os exemplos, Archer citou a exposição interativa “A Perilous Journey: Stories of Migration“, projeto sobre a migração de refugiados, realizado em parceria com a Positive Negativese a School of African and Oriental Studies – University of London. A partir das obras expostas, os visitantes utilizavam o aplicativo ARc Stories para assistir a animações e live-action vídeos.

Shazna Nessa, global head of visuals em The Wall Street Journal, destacou, particularmente, os trabalhos em 3D. Em reportagem sobre o mercado de ações norte-americano, o jornal projetou um holograma em tempo real da bolsa, mostrando a movimentação do mercado. Os usuários podiam interagir com o holograma, explorando detalhamente determinadas seções e compartilhando a experiência com outras pessoas.

Nessa aponta, entre os desafios nesse campo, a necessidade de desenvolver a cultura em torno do jornalismo visual e estabelecer processos de criação e produção nessa área. Há, também, limites relacionados à própria tecnologia atualmente disponível, como lembra Archer ao citar a necessidade de tornar os aplicativos de realidade aumentada mais funcionais e os conteúdos, mais leves.

Data Journalism: treinamento e colaboração na mira da HEI-DA,  European Data Journalism Network e Vigilant

No segmento do jornalismo de dados, vem ganhando destaque o trabalho colaborativo, a partir de organizações que tanto produzem suas próprias narrativas como disponibilizam informações para uso coletivo e desenvolvem ferramentas e treinamentos, estimulando a criação de novos projetos na área.

Entre os grupos que mostraram seus trabalhos na GEN Summit 2018 está a HEI-DA, que atua em cinco frentes: produção de narrativas interativas, com foco em temas de impacto social, econômico e ambiental; um blog sobre inovação neste campo, apontando tendências, desafios e referências; eventos e hakcatons; pesquisa e treinamento; suporte para organizações não-governamentais.

Com foco específico na região europeia, a European Data Journalism Network disponibiliza ferramentas gratuitas para jornalistas de dados, incluindo alertas e links para conteúdos de seu interesse; pesquisa de dados específicas para suas reportagens; monitoramento de trending topics. A organização também produz e disponibiliza conteúdo para publicação.

Vencedor da premiação Startups for News 2018, o projeto Vigilant procura facilitar o acesso a dados públicos. A plataforma disponibiliza informações referentes a milhares de databases em todo o mundo – uma contribuição particularmente importante para o trabalho de jornalistas investigativos e agências de fact-checking.

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* Para conhecer outras experiências em jornalismo de dados, conheça os vencedores do Data Journalism Awards 2018.

* Confira aqui os premiados na competição Startups for News 2018.

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* Daniela de Lacerda é jornalista e pesquisadora. Doutoranda em Mídias Digitais no programa UT|Austin Portugal, na Universidade Nova de Lisboa.