Serviços financeiros finalmente entram na era do compartilhamento

Open Banking e formação de ecossistemas entre empresas levam players a trocar informações sobre clientes, estratégias e resultados

O setor de serviços financeiros é um dos que têm evoluído com maior velocidade na última década. Três grandes fatores contribuíram para essa transformação: avanço tecnológico, mudanças no comportamento do consumidor e novo marco regulatório, que incentiva a concorrência. “Hoje a competição é muito mais fluida, muito maior, porque vem de outros setores e players, como big techs, fintechs e novos bancos digitais”, analisa Sergio Biagini, líder de indústria de serviços financeiros da Deloitte.

As principais mudanças virão na esteira do Open Banking, que deve estar completamente implantado no Brasil até dezembro. O sistema permite que o cliente compartilhe suas informações entre diferentes instituições financeiras e movimente suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas. Reino Unido, Canadá, Austrália, Índia e Cingapura são países que já adotaram ou estão em fase de adoção do Open Banking.

“Bancos e fintechs terão que se capacitar para oferecer atendimento de altíssima qualidade, ter foco no cliente e agilidade para construir o que ele precisa. Quem não tiver esses três elementos estará praticamente fora do jogo”, diz Max Gutierrez, head de produtos do C6 Bank. Como um dos líderes globais em tecnologia bancária, o Brasil é precursor do Open Banking e das inovações tecnológicas do setor na América Latina.

Fidelização da clientela

Quando os dados bancários passarem a ser controlados por seus titulares – e não pelas instituições financeiras, como agora –, conquistar a preferência do cliente final, seja ele pessoa física ou jurídica, será o fator-chave na definição de quem vai ser o centro da vida financeira desse cliente.

Quem perder esse jogo corre o risco de se tornar o que, no setor, é conhecido como “produteiro”. “São players que fornecem o produto ou serviço, mas não detêm o cliente. O grande desafio da indústria é realmente conquistar, reter e personalizar o atendimento”, afirma Biagini.

Em Portugal, para facilitar a vida dos clientes, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) lançou o aplicativo Dabox, que funciona como um gestor de finanças pessoais e um agregador de contas de diferentes bancos. Além de ter uma visão completa de todas as suas contas e movimentações, a pessoa recebe informações e notificações relevantes de acordo com seu perfil de investidor e comportamento financeiro. O app foi aberto para clientes de outros bancos, que hoje representam cerca de metade dos usuários.

Velocidade de adoção tecnológica

Um dos pontos mais relevantes é a capacidade de agregar e desagregar dados, desenvolver e construir data lakes e tratar esses dados com velocidade e precisão. Para estar à frente da concorrência, será necessário manter investimento contínuo em novas tecnologias.

A inteligência artificial (AI) ganha destaque nesse quesito, não apenas na questão do atendimento ao cliente, mas também em processos de middle e back office, para dar mais fluidez e agilidade às operações e para entender melhor a necessidade do cliente.

O Novo Banco lançou, no ano passado, a NB Network + (vídeo acima), solução de assessoria digital para clientes empresariais e de negócios. A plataforma conta com agregador de contas de diversos bancos, categorização automática de receitas e despesas, notificações personalizadas e faturação automática, entre outros serviços. Através de modelos de AI e análise avançada, a ferramenta analisa o potencial de transações futuras e mostra como vai ser o calendário financeiro nas próximas semanas ou meses, além de indicar oportunidades de negócios.

Em termos de AI, o Banco do Brasil lançou, em 2020, uma solução automatizada para negociação de dívidas via WhatsApp. O sistema de inteligência artificial identifica as ofertas de renegociação disponíveis para o cliente com pagamentos em atraso (até o limite de R$ 1 milhão). Ao escolher uma das opções, o negócio é fechado automaticamente, e o boleto, enviado pelo próprio WhatsApp.

Consolidação de ecossistemas

No setor financeiro, cada vez mais os negócios serão orientados para plataformas baseadas em ecossistemas, verticais ou horizontais. Com a chegada dos novos bancos digitais e fintechs, começa um movimento de novas tecnologias, sem legado. Em vez de desenvolver todos os produtos e serviços, os entrantes estão formando parcerias com players que já oferecem a solução de que o ciente precisa.

“Acredito que haverá uma consolidação, não necessariamente em termos de fusão e aquisição de empresas. Esse sistema de parcerias, essa conexão, será mais importante. Será um hub, por exemplo, com o C6 conectado a vários players”, prevê Max Gutierrez. O próprio C6 lançou, logo em sua estreia no mercado, uma tag para pagamento de pedágio e estacionamento, em parceria com a Veloi, customizada para os clientes do banco.

O marketplace do C6 (vídeo abaixo) foi lançado em outubro, em parceria com Magalu, Lojas Renner e Tok&Stok. Em novembro, foi fechado acordo com a ViaVarejo. Além de comprar em todas as lojas parceiras sem sair do aplicativo, o consumidor junta pontos no programa de fidelidade do banco e tem descontos exclusivos – no Dia das Mães e no dos Namorados, por exemplo, clientes do C6 tinham até 30% de desconto nos produtos da ViaVarejo.

Expansão dos serviços

Com o Open Banking em operação, o consumidor não precisará mais entrar, necessariamente, no app do banco para realizar transações, pois o serviço financeiro estará onde ele precisar. Por exemplo, para pagar combustível, estacionamento ou pedágio, hoje é preciso ter uma tag, um cartão ou um aplicativo. Com a possibilidade de compartilhamento de dados, o banco pode construir com a montadora um carro que saia da fábrica com essa funcionalidade integrada. Ou seja, os serviços financeiros estarão à disposição do cliente no momento que ele precisar, sem que tenha que entrar no ambiente do banco.

A Hyundai desenvolveu um sistema de pagamento in-car que virá embarcado no Ioniq 5, modelo movido a energia elétrica. O sistema permite localizar os pontos de recarga mais próximos e pagar a conta, bem como comprar comida e pagar estacionamento. A funcionalidade opera por meio do Bluelink, o sistema de carro conectado da montadora, que, para esse lançamento, firmou parcerias com Domino’s (pizzaria), ParkWhiz (app de reserva e pagamento de estacionamento) e Chargehub (comunidade, site e app especializado em veículos elétricos).