Sem medo da mídia programática

Automação da compra de mídia ainda é desafio para anunciantes, mas resultados sinalizam que entendimento é necessário e adoção, irreversível

Há dois anos, a mídia programática era praticamente desconhecida no Brasil. Associada inicialmente à sigla RTB (Real Time Bidding), ela começou a ganhar espaço no mercado nacional por meio desse formato, que baseia-se na compra de inventário em tempo real. Trata-se de um processo automatizado, feito por plataformas tecnológicas, que permitem à agência ou ao anunciante comprar impressões a partir de perfis de audiência.

Já naquele momento, instaurou-se uma série de dúvidas dentro dos departamentos de marketing e mídia, a começar pelo entendimento dos termos da programática. A sopa de letras formada pelas AdExchanges, AdNetworks, DSPs, DMPs, Trading Desks, entre outros, mais confundiu do que solucionou a necessidade de otimização de investimentos. “O mercado ainda é novo, composto por empresas cujos serviços se sobrepõem. Isso gera dúvidas sobre quem oferece o que”, avalia Natacha Volpini, gerente de mídia chocolate & queijo da Mondelez para a América Latina.

Por algum tempo, a falta de conhecimento fez com que grandes anunciantes locais não enxergassem a mudança que, em 2013, já estava em estágio maduro nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Japão. No ano passado, o tema ganhou espaço, bateu à porta das agências e atraiu investimentos especialmente para campanhas de performance.

Hoje, com o mercado brasileiro povoado por empresas globais e nacionais detentoras das tecnologias de automação, a falta de entendimento é o maior desafio. Anunciantes testam diferentes modelos, mas colocam a programática como uma linha do budget digital, dividindo espaço com social e search, por exemplo, enquanto ela deveria ser uma maneira de distribuir recursos para essas plataformas. “A diferença é tênue, mas crucial. Programática não é canal. É uma forma de otimizar investimentos publicitários entre canais”, enfatiza Fernando Juarez, managing director da MediaMath para a América Latina.

Leilão virtual: do conceito à execução

Mídia programática é o processo automatizado de transação de espaços publicitários por meio de plataformas de tecnologia que unem quem compra e quem vende. Há otimização de tempo e recursos. O anunciante escolhe o contexto e o perfil da audiência que será impactada por sua campanha, enquanto o publisher disponibiliza seu inventário.

Na prática, a execução se dá em quatro frentes. A primeira e mais popular é o RTB, formato pelo qual o inventário é transacionado em tempo real em modelo de leilão. É uma espécie de Bolsa de Valores com um vendedor e vários interessados, que ganhou força com as AdExchanges, redes que mostram onde a audiência de interesse está no momento do lance do leilão. Gigantes como Google e Facebook possuem suas próprias AdExchanges. As campanhas de links patrocinados estão entre as mais utilizadas nesse tipo de transação.

Também é possível comprar mídia via RTB utilizando uma DSP (demand-side plataform). Esse tipo de plataforma se conecta com as AdExchanges e mostra onde a audiência de interesse está, independente do veículo. A DSP armazena dados dos anunciantes para que a compra seja cada vez mais otimizada, reduzindo dispersão e melhorando os resultados das conversões, sejam em performance (leads, compras, cadastros) ou branding. Algumas empresas que atuam nesse segmento são as globais Turn e MediaMath, que já possuem operação no Brasil, além da nacional Melt.

Nessa sopa de letras, um personagem importante atende pelo nome de SSP (sell-side plataform). Para os veículos, é o correspondente da DSP. Ou seja, ela vende os espaços publicitários. A plataforma olha para todos os inventários em tempo real, integra as várias praças do mercado e mostra qual é a mais interessante naquele momento. O publisher coloca o seu inventário em diferentes AdNetworks e AdExchanges, e essa tecnologia o auxilia. Onde ele tem mais retorno, a SSP libera mais. Nessa ponta atuam companhias como Rubicon e Pubmatic.

Além do RTB

O segundo formato automatizado de compra de mídia é chamado de programmatic garanteed, premium ou reserved. Por meio dele, é possível transacionar um inventário com custo por impressão fixo, diretamente com um portal. Neste caso, comprador e vendedor acertam as condições de venda e os espaços disponíveis. A partir daí, basta que um comprador entre na DSP, que estará conectada a uma SSP, que por sua vez disponibiliza a negociação. A partir deste momento, a compra já é toda automatizada.

No terceiro modelo de mídia programática, as negociações são preferenciais (chamadas nos Estados Unidos de private deals ou first right of refusal). A diferença em relação ao modelo direto é que o inventário não é garantido, mas o preço se mantém fixo por impressão. Neste caso, a negociação também envolve somente duas partes.

No quarto e último formato de compra automatizada, chamado de private market places, há um único vendedor de inventário que convida apenas alguns de seus compradores para participar das negociações. Trata-se de um leilão fechado não garantido e preço variável, conforme os lances. Um portal pode, por exemplo, disponibilizar parte de seu inventário para agências específicas, que farão o lance conforme o interesse no perfil da audiência.

Tecnologia e publicidade

A automação da compra e venda de mídia é nova. Muitas das grandes empresas detentoras das tecnologias que viabilizam as transações surgiram a partir de 2007, especialmente nos Estados Unidos. No entanto, o modelo já alterou significativamente a dinâmica das transações de mídia, impondo às agências de publicidade novas frentes de atuação, perfis de profissionais cada vez mais matemáticos e esforço dos anunciantes para entender a prática e escolher os fornecedores mais adequados.

No mercado norte-americano, a programática atraiu investimentos na ordem de US$ 10 bilhões em 2014, segundo estimativas do eMarketer, o que equivale a metade de toda mídia digital negociada por lá. As cifras marcam somente o início desse mercado. A prova de sua prosperidade encontra eco nos investimentos feitos por Adobe, Google e Facebook para desenvolvimento de suas próprias tecnologias.

Na América Latina, o Brasil liderou os investimentos em automação no ano passado. Segundo o International Data Corporation (IDC), o País investiu cerca de US$ 600 mil no segmento, enquanto os demais mercados do continente atingiram, juntos, a mesma ordem no período. Até 2018, o IDC estima que o Brasil invista US$ 55,8 milhões na compra programática.

Tal expectativa atraiu grandes empresas do setor para o mercado nacional. A Turn, detentora de tecnologias DSP, DMP e Data Analytics, desembarcou no País com sua DSP em junho de 2013 e diz ter crescido mais de 100% no primeiro ano de operação. “O mercado está começando a tomar corpo. Ainda há bastante espaço para desenvolver o negócio aqui. Na nossa avaliação, 20% do mercado já tem um nível de conhecimento bom, enquanto 80% ainda tem muito a aprender”, analisa Fernando Tassinari, diretor regional de vendas da Turn.

Para a MediaMath, uma das principais concorrentes da Turn globalmente, a chegada ao Brasil foi um pouco mais tarde. Há um ano a empresa é comandada no mercado nacional por Marcelo Sant`Iago e vem crescendo com a oferta de sua plataforma DSP. Educar o mercado tem sido um dos grandes esforços da MediaMath. “O maior desafio no Brasil ainda é o correto entendimento. A programática é muito associada a compra barata ou somente ao RTB”, explica Sant`Iago.

Ele aponta que o modelo comercial ainda não está claro para os anunciantes e ressalta que a única forma de comprar mídia pelas transações automatizadas é por CMP (custo por mil impressões). “Esse é um ponto que sempre gera questionamentos”, pondera.

Empresas nacionais também surgiram no embalo da tendência com modelos adaptados às características do mercado local. Fundada em 2010, quando o então vice-presidente de marketing da Via Varejo, Raphael Klein, enxergou a oportunidade de negócio, a ROIx se apresenta como um veículo de audiência. “Sentia que meus investimentos poderiam ser otimizados se usássemos tecnologia para identificar em que contexto e para quem a publicidade deveria ser entregue”, explica.

Ainda naquele ano, a empresa foi criada para estudar dados disponíveis na rede e identificar as melhores plataformas para integrá-los. Nessa busca, a ROIx optou por desenvolver suas próprias tecnologias. “Desta forma, nos diferenciamos de plataformas globais DSPs ou DMPs, pois unimos branding e performance”, garante Klein.

Anunciantes: destino é certo, mas caminho é tortuoso

Quando a programática começou a ganhar mercado, algumas perguntas se tornaram frequentes entre os profissionais de marketing: o modelo automatizado de compra de mídia serve para qualquer marca e campanha? Quem deve liderar esse movimento? Como minha agência pode ser envolvida? A despeito das divergências que as respostas ainda geram, experiências dentro de grandes anunciantes sinalizam algumas tendências.

Na Heineken, a automação já é aplicada a todas as campanhas digitais realizadas no Brasil. “A proposta de expor os anúncios pela lógica de clusters de pessoas, além de ser mais assertivo, é mais rentável”, avalia Chiara Martini, gerente de mídia e conteúdo da cervejaria no País. Em média, a empresa já investe 10% do budget digital das marcas nos formatos programáticos. “Mas a intenção é aumentar, já ele é ligado não apenas à performance mas também à evolução na organização do processos de mídia e análises de resultados”, explica.

A Unilever encara a mídia programática como um dos grandes ganhos da publicidade digital. “Na essência, é menos invasiva, já que a entrega é contextualizada e, justamente por isso, também se torna mais efetiva e rentável”, avalia Francesca Picchi, gerente de mídia da companhia no Brasil. Testes estão sendo realizados com diferentes marcas, campanhas e plataformas. “A efetividade depende muito dos objetivos de mídia e dos negócios que estamos buscando. Teremos que analisar os resultados caso a caso para definir como seguir adiante”, explica.

A operação latino-americana da Mondelez International também aposta alto na programática, mas ainda vê obstáculos para que o modelo receba mais investimentos, pelo menos por enquanto. “Ainda não tenho uma resposta sobre qual é o melhor modelo. As empresas se sobrepõem e o modelo de comercialização ainda é confuso. Então, estamos fazendo testes desde o último trimestre do ano passado para definir os próximos passos”, diz Natacha Volpini, gerente de mídia chocolate & queijo para a América Latina.

Segundo a executiva, em médio prazo, toda mídia de performance das 29 marcas da Mondelez no Brasil deve ser transacionada via programática. E dá pistas de como deve evoluir essa operação. “Nossa intenção é ter somente um fornecedor operando para todas as marcas e esse trabalho será coordenado internamente, não necessariamente por uma agência”. Ainda de acordo com Natacha, como a entrega de publicidade digital em vídeo é uma das prioridades da Mondelez, a empresa deve optar por uma plataforma que seja mais assertiva para este formato, em termos de distribuição e mensuração de resultados.

As agências digitais das marcas estão sendo envolvidas pela Mondelez nos processos de automação, principalmente para que a empresa conheça as ofertas, mas Natacha afirma que há resistência em relação ao tema. “Não é porque as agências não querem abraçar os projetos, mas porque ainda não conhecem tão bem como a programática funciona”, analisa.

Agências: mídia sem BV

Ponto importante nesse novo cenário é que os modelos de compra de mídia em tempo real assistidos por software, via de regra, não comportam nenhum formato de incentivo à veiculação. Ou seja, o modelo é simples, rápido e sem BV. A remuneração vem, em parte, por performance. Pode envolver também um fee fixo. Nesse contexto, grandes agências brasileiras detentoras de verbas de mídia de canais tradicionais ainda resistem em falar sobre o tema, que mexe diretamente em seus modelos de negócios. Mas há exceções e avanços no mercado nacional. Na Ogilvy, por exemplo, a mídia programática é debatida desde 2012, quando uma equipe da agência foi aos Estados Unidos para conhecer as tecnologias mais avançadas. “Aquele era um momento de aprendizado, mas agora já é realidade”, explica Antônio Ferreira, diretor de mídia digital da agência.

Grandes clientes como Philips, Claro e Citibank automatizaram transações de mídia com a Ogilvy, que hoje mantém profissionais que operam plataformas DSP dentro da equipe de performance. “A receptividade entre nossos clientes tem sido enorme e quando mostramos os resultados, o caminho se torna irreversível”, diz Ferreira.

Em agências digitais focadas em performance, a programática impulsionou os negócios. Na Jüssi, a participação da automação no bolo total de mídia cresceu de 4% para 10%, em 2014, e esse percentual deve triplicar até o fim deste ano. “Os investimentos estão crescendo proporcionalmente ao entendimento que os resultados podem trazer”, comemora o sócio Henrique Russowsky.

Ainda no ecossistema das agências, um novo personagem surgiu com a programática. As tradings desks foram criadas dentro de grupos de comunicação para operar plataformas dependendo do objetivo de mídia e negócio de cada cliente. É uma espécie de inteligência consultiva na área de automação. Um serviço oferecido pelas holdings.

Vinculada à rede Dentsu Aegis, a Amnet desembarcou no Brasil no início do ano passado e avalia como natural as dúvidas que cercam o modelo. “É tudo muito novo. Em 2015, a programática vai ganhar corpo com o amadurecimento dos anunciantes”, afirma Márcio Fernando Jorge, diretor da empresa no Brasil. Para ele, haverá um fortalecimento das DSPs no mercado nacional e as tradings desks vão se posicionar cada vez mais como uma inteligência de auxílio e operação das plataformas.

Impresso e TV: a próxima fronteira

Apesar de ser extremamente nova, a mídia programática já sinaliza um redesenho da compra e venda de mídia em geral. A entrega de publicidade em ambientes contextualmente adequados a uma audiência segmentada é só o primeiros passo. “Entrega multiplataforma em vídeo, mobile e display e acesso a inventário cada vez mais premium são avanços imediatos que deveremos observar ao longo deste ano, mas não são os únicos”, prevê Erich Wasserman, cofundador e chief revenue officer da MediaMath.

A empresa foi pioneira no desenvolvimento de um software capaz de incorporar a mídia programática na mídia impressa. Em fevereiro, uma parceria firmada com o grupo Time Inc. viabilizou a compra automatizada para as revistas Time, People e Sports Illustrated.

O sistema é semelhante ao já utilizado no digital. A plataforma permite selecionar o perfil do público a ser impactado e, ao fazer a filtragem, não se sabe em quais revistas os anúncios irão ser publicados. Podem ser selecionadas as posições ou áreas da publicação em que os anúncios irão aparecer. Os anunciantes também podem selecionar o contexto editorial no qual desejam que seus anúncios sejam associados. Por exemplo, colunas de viagens e gastronomia. “A programática já não é e nem será exclusividade da mídia digital”, endereça o executivo.

Na TV, a programática pega carona na entrega de conteúdo via plataformas digitais e começa a ganhar espaço. No caso dos serviços de streaming como Netflix e Hulu, a entrega de publicidade pode ser feita por perfis de audiência, dentro das plataformas. A mesma mecânica vale para setups boxes como a Apple TV. Os formatos nativos de publicidade despontam como grande tendências nesses casos, uma vez que é possível entregar conteúdo customizado por perfil de audiência.

Já entre os canais fechados, destaque para a experiência da ESPN nos Estados Unidos. A emissora adotou o formato de transação private market places, onde há um único vendedor de inventário que convida apenas alguns de seus compradores para participar das negociações. O leilão é fechado não garantido e o preço variável, conforme os lances. “Esse projeto está sendo feito com alguns clientes do mercado norte-americano e tem gerado resultados significativos, mas ainda não há previsão de chegada no mercado local”, finaliza Marcelo Pacheco, vice-presidente de marketing e vendas da empresa no Brasil.

Matéria publicada no jornal Meio & Mensagem, edição dia 30 de março de 2015