R/GA: como estabelecer relações mais íntegras e justas

Nick Coronges, CTO da agência, avalia o relacionamento entre marcas e pessoas na era dos dados, e prevê mais maturidade e controle por parte dos consumidores

Global Chief Technology Officer da R/GA, Nick Coronges trabalha com clientes como Samsung, Nike, Beats by Dre e Google. Ele também é um dos fundadores do programa de aceleração da agência, que investe no desenvolvimento de startups, para antecipar e integrar estrategicamente avanços em tecnologia. Na lista de prêmios do executivo, figuram Cannes Integrated Titanium, D&AD Black Pencil, International Andy Gold, One Show Awards e Adweek’s Campaign of the Decade.

Em conversa com a GoAd Media, no escritório da R/GA em São Paulo, Coronges falou sobre os novos desafios das agências e marcas; o que esperar de tecnologias emergentes como blockchain e inteligência artificial; e como a relação entre clientes e marcas deve mudar nos próximos anos.

“A experiência digital deixou de ser uma parte do negócio para se tornar o negócio. As empresas da nova economia já nascem nesse contexto. Mas outras marcas precisam se reposicionar”, diz o executivo.  Nesse processo, as agências não apenas fornecem determinados produtos e serviços, mas capacitam seus clientes para a transformação digital, atuando também como consultorias – embora não no formato tradicional.

“Quando nossos clientes nos contratam para ajudá-los a criar algo, a desenvolver uma nova experiência, eles fazem parte de todo o processo. Nós trabalhamos de forma integrada e com muita transparência. Aprendemos sobre seus negócios, e os ajudamos a desenvolver novas competências e habilidades”. 

Engajar os clientes é um grande desafio para as marcas, e a inteligência artificial tem sido muito explorada nesse sentido. Que soluções inovadoras você citaria nessa área? E os maiores desafios?

Dois anos atrás, as pessoas pensaram que a inteligência artificial estava pronta. Nós vimos os filmes. Vimos Scarlett Joahnson in Her [filme de 2013, dirigido por Spike Jonze]. Pensamos que iríamos ter conversas como aquelas com a Siri e a Alexa. Isso não aconteceu, e as pessoas ficaram um tanto frustradas. Mas a inteligência artificial está se desenvolvendo em um ritmo incrível. E nós ainda acreditamos que será tão grande – ou ainda maior – do que imaginamos. Só que vai levar algum tempo, e vai funcionar de outra forma.

Um exemplo de projetos que desenvolvemos nessa área é Rose, experiência de voz interativa criada para o hotel Cosmopolitan, em Las Vegas [o chatbot ajuda os hóspedes a fazer reservas em restaurantes e spas, comprar ingressos para eventos e participar de excursões, além de fornecer uma série de informações sobre os serviços oferecidos no hotel, incluindo itens secretos do menu e ofertas; foram criadas mais de 1.000 conversas para promover a interação do robô com os hóspedes].

Com Rose, usamos a voz para criar uma conexão mais íntima com as pessoas. A marca ganha vida por meio dessa personagem. É uma forma diferente de pensar a forma como a marca se expressa: por meio da voz dela, da forma como fala, das expressões que usa [veja vídeo a seguir].

Esse projeto foi desenvolvido por meio do programa de aceleração de startups da R/GA. Por que a agência investe nesse tipo de parceria?

Não é só a tecnologia que está mudando, mas a forma como pensamos sobre ela e buscamos soluções. Você não pode se fechar e achar que tem todas as respostas dentro da agência. Há tanta inovação acontecendo lá fora. A R/GA não é apenas uma agência de marketing. Temos também um programa de aceleração, que, essencialmente, é uma forma de encontrar e promover inovação em startups. Investimos em cerca de 90 empresas, a partir de programas com foco em esportes, em comércio, em blockchain, em IoT etc. Esse ecossistema que criamos se torna um portfólio de soluções, para diferentes indústrias. É nas startups que P&D (pesquisa e desenvolvimento) está realmente acontecendo agora.

Por que tantos projetos agora envolvem áudio, como no caso de Rose?

Uma outra forma de olhar para essa questão é a seguinte: o computador que você está usando neste momento tem uma tela plana e um formato de teclado que vem da época da máquina de escrever. Parece natural, mas, na verdade, não é tão natural assim. Acho que é hora de dar um passo atrás e nos perguntar como devemos interagir com os softwares. Porque isso cabe a nós. O design do smarthpone se tornou uma interface natural, as telas sensíveis ao toque funcionam bem. Mas estamos fazendo essa entrevista por meio da voz. Essa foi a maneira que escolhemos para nos comunicar. Então, por que não fazer o software vir até nós dessa maneira? Sem que a gente precisa digitar, deslizar etc. Nós criamos os softwares. Eles podem fazer o que quisermos. Então, o que acho que vai acontecer é que eles virão até nós de diferentes formas.

Tudo gira, portanto, em torno de oferecer experiências cada vez agradáveis, simples e eficientes para os clientes – explorando os melhores formatos e tecnologias nesse sentido…

A pessoa não se importa com a tecnologia. Ela quer que o processo flua bem e seja rápido. E promover uma experiência assim, o mais sem atrito possível, envolve muito mais do que o design de uma tela. Recentemente, a R/GA criou um app para a Sonic [rede de fast-food drive-ins nos Estados Unidos]. Quando nós começos a desenvolver esse projeto, nós demos um passo atrás e dissemos: “Nós não estamos apenas criando um app, nós estamos transformando a empresa”. É um processo de educação, de mudança organizacional, em torno de um cultura orientada por dados. A forma de trabalhar muda completamente. O app, aquilo que você vê, é apenas a ponta do iceberg [o serviço permite aos clientes fazer um pedido antecipadamente por meio do aplicativo, e retirar em uma das unidades da rede Sonic; com isso, se evita filas e esperas – veja vídeo a seguir].

A R/GA Ventures também investe no desenvolvimento de startups focadas especificamente em blockchain. Parece que ainda há mais expectativa do que resultados concretos nesse campo. O que esperar do blockchain, na relação entre as marcas e seus clientes?

A tecnologia, no caso do blockchain, é apenas uma database. E databases não transformam os negócios ou as experiências dos consumidores. Blockchain é muito mais do que isso. Esse sistema surge em um contexto político e econômico no qual o controle da informação se torna uma vantagem competitiva crucial para empresas e governos.  E representa uma demanda, uma mobilização, por uma troca de informações mais justa na internet.

Hoje, a maior parte da nossa experiência na internet se dá por meio do Facebook e do Google – ao contrário da experiência descentralizada e democrática que inicialmente se imaginou. Nesse contexto, o que nos interessa, com relação ao blockchain, são as novas dinâmicas em torno dos dados que são compartilhados e as diferentes maneiras de se monetizar essas experiências ­– para além da publicidade.

Porque nós não vamos simplesmente aceitar que o Facebook seja dono de todos os nossos dados. Isso vai mudar – se nós não fizermos isso, nosso filhos vão fazer. E quando isso acontecer, o que virá em seu lugar? O que nos interessa é esse futuro, a forma como os dados serão compartilhados e monetizados, das mais diversas maneiras.

Falando sobre dados, existe uma forte discussão sobre privacidade atualmente. Você acha que o blockchain vai trazer mais integridade para o relacionamento das marcas com seus clientes?

Essa é a palavra certa: integridade. Os dados têm muito valor.  Os consumidores querem compartilhar determinadas informações, mas eles precisam de algo em troca, exigem mais transparência, e querem ter mais controle sobre esse processo.

O mais importante, com relação ao blockchain, é que se trata de uma database que não pertence a apenas uma empresa; pode pertencer a todos que participam desse sistema. E é nisso que estamos trabalhando.

Ainda vai levar algum tempo para que o blockchain mostre a que veio. E ainda não é possível prever exatamente que que forma vai transformar o compartilhamento e a monetização de dados. Mas haverá mudanças significativas.

A partir do que conversamos aqui, o que você apontaria como o maior desafio para a relação das empresas com seus clientes, diante dessas novas tecnologias?

Exatamente o que estávamos discutindo agora. Os dados se tornaram a nova moeda para as empresas. O controle dos dados, a interpretação dos dados, o uso dos dados para guiar o comportamento do consumidor… Esse é o principal fator de sucesso nos negócios.

Neste momento, você tem democratas nos Estados Unidos querendo acabar com o Facebook. Você tem a Europa tentando multar o Google e colocando em prática a GDPR (lei de proteção de dados) e outras formas de regulação. Esse é o cenário em que nos encontramos. E vai haver várias respostas desse tipo – que, ao meu ver, são reações negativas.

Também vai haver reações negativas por parte dos consumidores, do tipo: “Oh, o Facebook está vendendo meus dados”. E então vai vir a resposta da inovação, que é: “Ok, agora que a moeda são os dados, como os consumidores vão assumir o controle sobre isso, e como as marcas vão trazer mais integridade e confiança para a relação com o consumidor?”. Não se pode prever exatamente como isso vai se desenrolar, mas não será por meio da regulação. Não será proibindo as empresas  de monetizar dados. Porque os consumidores querem a conveniência que essa troca proporciona.

Talvez consumidores de gerações mais velhas saiam do Facebook, usem VPN, instalem bloqueadores de anúncios. Mas as novas gerações não vão agir assim. Elas vão pensar: “É claro que vocês precisam dos meus dados. Mas vamos assegurar uma troca de valor justa entre nós”.

Então, esse é o nosso desafio: como criar relações mais íntegras, com mais confiança, entre as marcas e o consumidores, usando esses dados? E, ao mesmo tempo, como podemos, de fato, gerar valor para as pessoas, para ter acesso a seus dados? O que vamos lhes oferecer de útil, de valioso? Acredito que as próximas gerações lidarão com essa questão com mais habilidade.