Novo normal nas agências: o que muda em 2021

Foco em soluções de negócios, expertise em dados, times plurais e formatos de trabalho mais versáteis reconfiguram setor, em sintonia com as novas demandas das marcas e dos consumidores

O ano de 2021 deve consolidar o processo de ressignificação das agências de comunicação, que vem se desenvolvendo há pelo menos uma década e foi largamente acelerado pela pandemia de Covid-19. Diante da crise do novo coronavírus, a transformação digital se impôs, os modelos de gestão foram desafiados a se reestruturar com uma agilidade impensável, e a publicidade foi, definitivamente, convocada a ir além dos formatos de mídia e assumir uma maior participação no desenvolvimento de soluções de negócios.

Esses movimentos devem se intensificar nos próximos 12 meses, em sintonia com as novas expectativas e demandas das marcas e de seus consumidores. Daqui por diante, as agências serão cada vez mais cobradas a entregar competência e tecnologia em gestão de dados; levar inovação para os clientes; oferecer soluções totalmente integradas e serviços consultivos, com agilidade e flexibilidade; e estabelecer parcerias de negócios que gerem crescimento em longo prazo.

Essas são as principais expectativas dos anunciantes com relação a seus parceiros de mídia, de acordo com o estudo CMO Survey 2020, do grupo Dentsu, realizado a partir de entrevistas com 1,3 mil executivos de marketing, de 12 países, incluindo o Brasil. Atentas a esses novos valores e necessidades,  e escaldadas por um ano pra lá de desafiador, agências brasileiras vêm reconfigurando equipes, processos e, principalmente, a forma de encarar o próprio negócio. “Revisitamos todos os contratos com os clientes para que pudéssemos modular nossa equipe, nossa estrutura, na medida em que eles fossem se transformando”, conta Marcia Esteves, CEO da Lew’Lara\TBWA.

Missão: “business as unusual”

Foco em negócios é o atual mantra do mercado. Para Tiago Ritter, sócio-fundador e CEO da W3Haus, o ano de 2020 marca uma virada definitiva nessa direção. “Antes se discutia se publicidade também é arte. Hoje se discute se publicidade também é negócio. Se não for negócio, ela simplesmente não tem por que existir”, argumenta. Ritter sinaliza um futuro com menos players no mercado de comunicação, trabalhando com mais profundidade, e com atuação que vai desde a visão estratégica até a entrega final.

“A agência precisa estar superconectada com o negócio do anunciante, com os números, a parte financeira, os objetivos estratégicos, com o entendimento do cenário competitivo. Tem que ter uma simbiose muito grande entre o trabalho de comunicação e o negócio do cliente”, afirma Marcelo Tripoli, sócio da Zmes. Criada em novembro do ano passado, já no espírito do novo tempo, a empresa é apresentada como “pós-agência” e se apoia em três pilares: consultoria; criação e conteúdo; e tecnologia, com foco em inteligência artificial e análise de dados, a partir de ferramentas proprietárias.

Estrutura: flexibilidade e versatilidade

A organização em times multidisciplinares (ou squads) dedicados ao atendimento integral de marcas deve ser firmar neste ano. A área de business intelligence (BI) ganha protagonismo, e a incorporação de profissionais especializados em dados se torna uma necessidade básica. Campanhas publicitárias passam a ser encaradas como apenas uma parte da solução – podendo até serem descartadas, dependendo do caso.

A Lew’Lara\TBWA começou a trabalhar com squads no ano passado. A W3Haus já vinha desenhando o formato desde 2018 e o implementou ainda em 2019. “Sempre tivemos essa visão colaborativa, está na nossa essência. O modelo de squads tem muito disso: menos departamentos e mais olhar em entrega de resultado”, analisa Tiago Ritter.

“Não há mais departamentos. Temos diferentes especialistas que se unem em função de uma marca, projeto ou demanda específica”
Marcia Esteves, CEO da Lew’Lara\TBWA


A Isobar desenhou um modelo de trabalho centrado na força da criatividade, da tecnologia e do engajamento da equipe. A agência, segundo a managing director, Ana Leão, busca “pessoas que se sintam felizes em ambientes não formatados e altamente colaborativos”. O novo vice-presidente de criação, Danilo Janjacomo, chegou em outubro de 2020 para colocar em prática essa visão. Até os cargos foram ressignificados. O time de criação agora conta com head de design de conversas; creator de visuais conectados; head e creator de contexto e fala; além de arquitetura de ideias e conexões.

Na Soko, a ideia é simplificar os processos, por isso o trabalho é dividido em apenas três áreas: a que cuida de operações; a de creative data (liderada pelo fundador e CCO, Felipe Simi), que junta planejamento, criação, direção de arte, redação, design e inteligência de dados; e broadcasting, que faz os trabalhos ganharem repercussão, pois a Soko não compra mídia. Todos os contatos sobre trabalho são feitos por meio de um aplicativo proprietário, para evitar a mistura de conversas pessoais e profissionais, tão frequente em outros apps de mensagens.

In-house: mais interação com o cliente

Dentro desse esforço para se firmar como fornecedor de soluções de negócios, um formato que ganha força é o da agência dentro do cliente, trabalhando lado a lado com o time de marketing. O modelo de atuação da W3Haus com a Ambev é considerado referência nessa área. Santander e Porto Seguro também são atendidos pela agência dessa forma, e outros clientes devem aderir ao modelo em 2021.

A Zmes já nasceu com a proposta de times dedicados, que trabalham fisicamente dentro do cliente. Segundo Marcelo Tripoli, esse formato foi escolhido por proporcionar mais integração entre os participantes das equipes, maior conexão com o negócio do cliente e trabalho em sprints, com os squads fazendo testes de forma contínua para ir melhorando os resultados das ações. Cada time é composto por profissionais de planejamento, tecnologia, mídia e criação. 

Equipe: pluralidade e descentralização

Diversidade e inclusão  estão no topo da lista de prioridades das agências para este ano, atendendo a uma cobrança cada vez maior da população nesse sentido. Percebe-se um forte sentimento de mudança entre marcas e agências, mas ainda há um longo caminho a ser efetivamente percorrido, uma vez que tanto a composição dos times como a representação na publicidade está longe de contemplar toda a diversidade da população brasileira, no que se refere a questões como gênero, etnia e orientação sexual.

Sob o prisma da formação profissional, o escopo de especialidades e competências vem se ampliando significativamente. “Temos engenheiros de software, cientistas de dados, economistas – perfis que não são usuais em comunicação”, diz Marcelo Tripoli, da Zmes. Antropólogos, engenheiros, administradores e advogados também entraram na mira, e na folha de pagamento, das agências.

Um ponto positivo resultante das medidas de isolamento adotadas durante a pandemia foi a descentralização dos recursos humanos. Muitas empresas passaram incorporar a seus projetos profissionais das mais diversas regiões e países. Com escritórios em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, a W3Haus contratou, no ano passado, gente de Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.

“Profissionais de Exatas ganharem papéis de protagonistas nas agências é uma coisa bem nova no mercado”
Marcelo Tripoli, sócio-fundador da Zmes

Tecnologia: foco em dados e conteúdo

Os dados são a matéria-prima de quase tudo o que se faz em marketing hoje. A Publicis, por exemplo, criou o BrainLab, unidade que reúne toda a pesquisa que antes era feita de forma independente pelos diversos departamentos, unificando a inteligência e os dados da agência. Outra área que cresceu muito no último ano foi a de conteúdo. E entregar o conteúdo certo, para a pessoa certa, na hora e no contexto mais favorável, é uma equação que se resolve com… dados.

A Isobar vem ampliando e sofisticando a personalização da jornada do consumidor, levando a outros clientes o bem-sucedido modelo aplicado na GM ­– que cria uma experiência de compra específica para cada consumidor, de forma automatizada. “A personalização da jornada pode ser aplicada em qualquer categoria que tenha grande presença no digital”, diz Aloisio Pinto, vice-presidente de planejamento e estratégia da agência. No caso da GM, segundo ele, a conversão pelo digital triplicou em relação à média das campanhas tradicionais.

“Hoje, é impossível começar qualquer projeto sem uma visão estruturada de como a marca deve dialogar com o consumidor”
Domenico Massareto, CCO da Publicis Brasil

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, as marcas correram para adequar seus bancos de dados à legislação, mas isso é só o começo. Extrair cada vez mais informação e insights desses dados é um dos grandes desafios das agências em 2021. A Lew’Lara\TBWA investiu na automação total dos dashboards e relatórios, customizados para cada cliente. Isso libera os profissionais de BI para trabalhar com os outros times em todas as etapas, desde o briefing.

“O modelo que vejo hoje é ter várias mãos mexendo com os dados. O papel da agência é ajudar o cliente a ter isso organizado dentro de casa, pois é um legado da própria empresa. E, claro, fornecer a inteligência para rentabilizar os investimentos em mídia e em conversão, a partir dessas informações”, afirma Ritter, da W3Haus. A agência, que trabalha para O Boticário em campanhas de performance, criou índices que permitem calcular previamente o valor do investimento em mídia necessário para atingir determinado resultado de negócio.

Parcerias: o poder da cocriação

As demandas mais complexas dos clientes exigem de seus parceiros de marketing habilidades e competências que nem sempre estão disponíveis dentro de casa, o que se reflete em fusões e aquisições verificadas no setor. A multinacional de soluções digitais Stefanini adquiriu, em julho do ano passado, a holding Haus, ecossistema de comunicação que inclui as empresas W3Haus, Brooke, Caps, Huia, Hopo e Now3. Segundo Ritter, CEO da W3Haus, essa aliança reflete o novo modelo de mercado que vem se desenhando, permitindo atender o cliente de ponta a ponta.

Exemplo de parceria em família, a agência de e-commerce E-Growth nasceu da união de profissionais da Intereger/OutPromo e da Lew’Lara\TBWA, ambas empresas do grupo Omnicom. O objetivo inicial era atender às necessidades dos clientes das duas agências, mas hoje a E-Growth já anda com as próprias pernas. No entanto, as portas não estão fechadas a colaboradores externos: a Lew’Lara promete anunciar, em breve, parceria com uma startup israelense para o lançamento de um novo serviço.

Da mesma forma, a Isobar trabalha em conjunto com outros escritórios da rede no mundo, para se tornar mais competitiva em qualidade e custos. O que não impede acordos com profissionais ou empresas “de fora”. Tanto que, neste ano, a agência vai adotar o que chama de outsider superpowers, reforçando a parceria com colaboradores de outros setores.

Em projetos que necessitam de um outro tipo de vivência, vamos tomar como prática a participação de cientistas sociais, skaters, gamers… Temos um orçamento para trazer pessoas de fora”
Aloisio Pinto, vice-presidente de planejamento e estratégia da Isobar

A Soko já aposta no envolvimento de outsiders em seu processo criativo, incluindo representantes do público-alvo. “Em nosso processo, há um momento chamado ‘três coisas’, em que pessoas da agência ou convidados que podem ter pontos relevantes sobre aquele briefing apresentam três dados, hipóteses, convicções ou ideias. Diversas vezes convidamos consumidores para participar desse momento”, conta Felipe Simi.

Essas transformações em curso não significam que a criatividade perde força, muito pelo contrário. Continua a ser a principal ferramenta para alavancar os negócios, com a expansão da força criativa das agências para outras áreas de atuação. “Nesse último ano, voltamos ao que fazemos melhor: buscar soluções através da criatividade, com todas as áreas do cliente e da agência trabalhando juntos. Colaboração é a chave, e vai continuar sendo”, defende Márcia Esteves, da Lew’Lara\TBWA.