Economia espacial: tema se firma no radar das marcas com desafio de solucionar problemas da Terra

O Future Today Institute cravou o tema como uma das principais tendências para 2022. Junto com inéditas oportunidades e feitos, há desafios éticos, ambientais e sociais que precisam ser considerados

A nova economia espacial é um dos 10 grandes temas para 2022, de acordo com as previsões do Future Today Institute (FTI), uma das principais referências para as marcas quando se trata de inovação e de tendências para o futuro. Segundo o instituto, esse setor deve apresentar um crescimento de mais de US$ 1 trilhão nas próximas duas décadas.

O FTI estima agressivos investimentos na exploração comercial do espaço, incluindo a área de seguros, satélites, defesa, tecnologia aeroespacial, mineração e manufatura no espaço. Este ano é particularmente simbólico para a área, com marcos inéditos nesse campo.

Entre os mais significativos projetos para 2022, o instituto aponta a operação do telescópio James Webb (que deve reconfigurar profundamente nosso conceito de realidade), o lançamento de várias constelações de satélites (incluindo iniciativas da Amazon e da SpaceX) e o crescimento do turismo espacial (pela primeira vez haverá mais turistas do que funcionários governamentais em viagens interplanetárias), além da alavancada das atividades espaciais da China e da Rússia.

Para as marcas, é inegável a necessidade de acompanhar a acelerada expansão comercial nesse campo, sem falar em ter sua imagem ligada à potência criativa e transformadora evocada pela exploração espacial. Mas a responsabilidade que isso representa é igualmente superlativa. Não são poucas as preocupações com a sustentabilidade e o compromisso social de projetos na área, assim como críticas ao perfil excludente e extrativista associado a essa versão contemporânea da corrida espacial.

A era das estações espaciais comerciais

Um ponto emblemático da atual space race e das oportunidades que se abrem para as empresas é o início da era comercial das estações espaciais, que devem estar em operação nos próximos cinco anos. Serão espaços criados e administrados por grupos privados, com infraestrutura para trabalho, pesquisa científica, transporte, atividade industrial, turismo e lazer, entre outros usos.

A NASA já fechou contratos com quatro empresas para o desenvolvimento de estações espaciais comerciais na Low-Earth Orbit: Axiom (em 2020), Blue Origin, Nanoracks e Northrop Grumman (no fim de 2021). O projeto da Axiom (vídeo a seguir), que começou como um módulo da ISS e deve se tornar uma estação totalmente privada quando a ISS for desativada (até 2030), tem projeto de design interior de Philippe Starck.

Inovações no radar do marketing

A exploração comercial do espaço foi um dos temas de fôlego da CES 2022, uma das principais feiras de tecnologia do mundo, neste ano realizada entre os dias 5 e 7 de janeiro.

Durante o evento, a P&G apresentou sua fórmula para a lavagem de roupas em jornadas espaciais – até então, as roupas dos astronautas eram descartadas após o uso. O Tide Infinity é um detergente completamente degradável, indicado para situações em que o uso de água é extremamente peculiar e limitado.

A primeira remessa foi enviada para a Estação Espacial Internacional (ISS) no fim de dezembro. Segundo a marca, após essas experiências no espaço, o objetivo é replicar a solução aqui na Terra, em ambientes onde há escassez de água.

Também no evento, repercutiram bastante duas inovações da Sierra Space (vídeo a seguir): o veículo espacial Dream Chaser, com protótipo em tamanho real, e a LIFE, espécie de casa inflável projetada para exploradores espaciais. A Sierra Space é parceira da Blue Origin no projeto da estação espacial comercial Orbital Reef.

No campo da informação e do entretenimento, uma iniciativa pioneira é a série imersiva Space Explorers: The ISS Experience, que acaba de lançar seu terceiro episódio (vídeo a seguir). Produzido por Time Studios e Felix & Paul Studios, o documentário explora a realidade virtual para mostrar a vivência dos astronautas na ISS. O projeto ganhou um Emmy no ano passado, na categoria Outstanding Interactive Program.

Desafios e responsabilidades

A associação entre experiências espaciais e soluções para problemas da humanidade aqui na Terra tem sido evocada em diversos projetos. E isso é algo que precisa efetivamente ser considerado pelas marcas e cobrado pela sociedade, para muito além do discurso.

A emergência climática e a sustentabilidade ambiental, como no caso da P&G, são temas prioritários. Mas há outras questões em foco, como, por exemplo, o acesso à internet a partir das constelações de satélites e o avanço que isso pode representar para as comunicações – alvo de análises recentes do MIT Technology Review e do FTI.

Por meio das constelações de satélites, a internet de alta velocidade pode ser disponibilizada em áreas aqui da Terra que hoje nem têm conexão de banda larga. Mas, via serviço de assinaturas, o custo ainda fica alto para os consumidores e a abrangência da cobertura, condicionada a operações rentáveis para as empresas, se torna limitada. Para o FTI, o ecossistema das telecomunicações precisa se questionar se já não é hora de as big techs fornecerem space-based internet gratuitamente.

Outro ponto que tem gerado bastante discussão sobre a exploração comercial do espaço é o turismo. O projeto Inspiration4 buscou ressaltar a importância de as viagens espaciais começarem a se tornar possíveis para pessoas fora da órbita governamental.

Resultado de uma parceria entre a SpaceX e a Shift4Payments (que bancou a jornada), o programa realizou a primeira viagem espacial com uma tripulação composta exclusivamente por civis (astronautas não-profissionais), em setembro de 2021. A iniciativa foi associada a uma campanha para arrecadar doações para o hospital infantil St. Jude, nos Estados Unidos, e a Netflix documentou o processo (vídeo a seguir).

Essas possibilidades representam, de fato, uma virada no setor de transportes e turismo. Mas iniciativas recentes na área têm provocado muito mais indignação do que qualquer outra coisa, considerando que um dos mais baratos tickets para um rápido voo espacial custa pelo menos US$ 200 mil, valor mais alto do que a renda anual de cerca de 90% da população norte-americana, como aponta matéria da Wired sobre o assunto.

As midiáticas incursões espaciais de Jeff Bezos e sua Blue Origin, por exemplo, provocaram reações extremamente negativas pela percepção desse tipo de empreendimento como uma extravagância de bilionários em falta de sintonia com os graves problemas enfrentados atualmente aqui na Terra (nas mais diversas frentes, da pandemia de Covid-19 à escalada da fome e à emergência climática) – e, naturalmente, pelo fato de esse tipo de experiência ser privilégio de um seleto grupo de pessoas endinheiradas e servir a interesses igualmente restritos. Sim, bem como se viu naquele filme que tem gerado tanta conversa por aí.