Tecnologias emergentes e digitalização de serviços reconfiguram indústria da beleza

Setor colhe os frutos de anos de investimento em pesquisa e desenvolvimento, que impulsionam inovações na área e ajudam marcas a acompanhar transformações da jornada de consumo

A indústria de beleza e bem-estar é um negócio de aproximadamente US$ 4,5 trilhões, que representa 5,3% da economia global, segundo dados do Global Wellness Research Institute. O Brasil é o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão, como mostra estudo do Euromonitor International. O setor vem sendo impulsionado pela digitalização da experiência do consumidor, adoção de novas tecnologias e evolução do brand purpose para o brand action – movimentos que reconfiguram os investimentos em marketing e mídia.

A COVID-19 impactou essa indústria de maneira muito particular, com crescimento em algumas áreas (como o aumento de 57% nas compras de produtos de higiene pessoal) e queda em outras (como a redução de 33% em cosméticos e artigos de beleza). As informações são da Kantar, a partir de pesquisa realizada no primeiro e no segundo quarters de 2020, no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra.

A expectativa para o futuro próximo é positiva. A consultoria Brand Finance estima que, diante da pandemia, as principais marcas do setor não vão perder tanto valor de mercado quanto outros segmentos. Isso se deve à demanda crescente por determinadas categorias de produtos, como citado acima, e ao sólido desempenho financeiro em 2018 e 2019. Além disso, o setor de beleza e bem-estar vem colhendo os frutos de anos de investimento em pesquisa e desenvolvimento.

O e-commerce ganha cada vez mais força nesse mercado, como revelam dados da Assential. A participação on-line nas vendas globais da indústria de beleza e bem-estar deve chegar a 16,5% até o final de 2020 e atingir 23,3% em 2025. Segundo a consultoria, esse setor terá a segunda maior taxa de crescimento do comércio eletrônico (atrás, apenas, de Household & Petcare).

Em sintonia com o crescimento do consumo on-line, os investimentos do setor em marketing e mídia têm se concentrado, prioritamente, no ambiente digital – como mostra análise do Global Wellness Research Institute, a partir de projeções do eMarketer e da Zenith Media nos Estados Unidos e na Inglaterra. O estudo revela que 41% do investimento vai para digital, seguido por TV (29%), mídia exterior (12%), print (10%), rádio (6%) e marketing direto (2%). Confira, a seguir, nossa curadoria de tendências e projetos que sinalizam o futuro dessa indústria.

Autocuidado

Um fenômeno importante capturado na pesquisa Accenture COVID-19 Consumer Pulse, é a dimensão do autocuidado, uma visão mais abrangente sobre a relação da pessoa com seu próprio corpo e imagem. Entre os entrevistados, 72% contaram que estão dedicando mais tempo a cuidados pessoais e bem-estar mental. Metade deles pretendem continuar fazendo isso depois da pandemia.

“As marcas que adotaram um posicionamento e uma narrativa mais ampla sobre beleza vêm apresentando um melhor desempenho, pois estão conseguindo se conectar com um comportamento humano que aflorou, do autocuidado, da autoestima, do empoderamento”, afirma Giovani Rivetti, diretor da Accenture Interactive.

Glossier: crowdsourcing content
Marca de cosméticos explora narrativas em vídeo nos formatos “do it yourself”  e “no filter beauty”.

Faça você mesmo

A pandemia também impulsionou o “faça você mesmo”. Nesse contexto, a comunicação do setor de beleza e bem-estar prioriza conteúdo utilitário, na forma, por exemplo, de tutoriais de maquiagem, cuidado com os cabelos e visagismo. Estudo da We Are Social, com base em entrevistas com 8 mil jovens de 18 a 30 anos, dos Estados Unidos e da França, revelou que 71% assistem a vídeos tutoriais de beleza e 52% compram o que influenciadores usam e indicam.

L’Oréal: At Home with Eva Longoria
Durante a pandemia, a atriz Eva Longoria gravou um vídeo em casa, mostrando como você mesma pode cobrir as raízes brancas

Beauty Devices

Os dispositivos de beleza vão ficando cada vez mais inteligentes. As marcas exploram tecnologias como inteligência artificial (AI), realidade aumentada (AR), realidade virtual (VR) e Internet das Coisas (IoT) para personalizar e otimizar os tratamentos. Nesse contexto, se observa uma maior proximidade entre o time de marketing e o setor de desenvolvimento de produtos, com foco em inovação. Entre iniciativas na área está o Optune, da Shiseido, que analisa as condições da pele e envia fórmulas personalizadas; as máscaras faciais da Johnson&Johnson, impressas em 3D por meio da tecnologia Neutrogena MaskiD; e o dispositivo Luna Fofo, que monitora os níveis de hidratação da pele e customiza a rotina de limpeza.

Lululab: IoT
Dispositivo sul-coreano analisa a pele em sete segundos e recomenda o melhor tratamento, a partir de objetivos pré-definidos.

Pesquisa & Desenvolvimento

Cada vez mais, a área de consumer & marketing insights incorpora análise de dados, social listening e outras ferramentas que permitem ouvir a voz do público. A L’Oréal Brasil, por exemplo, tem como meta responder a 100% dos consumidores que entram em contato com a empresa. São quase 100 mil interações por mês, com dúvidas sobre cabelos, maquiagem, pele, saúde, entre outros temas. Assim, a empresa espera aumentar a geração de insights, além da quantidade e da qualidade de informações relevantes para inspirar novos projetos.

L’Oréal: Perso
Dispositivo munido de inteligência artificial cria a fórmula perfeita para cada tipo de pele a partir de integração com aplicativo de realidade aumentada.

Social selling

Elo fundamental na cadeia de negócios do segmento, as consultoras ou representantes das marcas têm sua atuação fortalecida na medida em que são devidamente orientadas a usar a tecnologia para fazer melhor aquilo que já fazem – conhecer a fundo a clientela e oferecer atendimento personalizado. Na Natura, mais de 90% das consultoras utilizam ativos digitais. O crescimento de 150% no e-commerce, no primeiro trimestre de 2020 (somando-se os resultados de Natura e Avon), foi impulsionado, em grande parte, pelo crescimento dos compartilhamentos feitos por consultoras sobre suas lojas virtuais. O compartilhamento de conteúdo subiu 64%, e o número de pedidos duplicou nas mais de 700 mil lojas virtuais de consultoras.

Eyes Lips Face: Tik Tok
A partir de uma música criada exclusivamente para a plataforma de vídeos, a marca de cosméticos e.l.f. engajou celebridades e influenciadores.

Naturalismo e sustentabilidade

A beleza com foco em ingredientes de origem natural é o caminho para atrair clientes que buscam produtos ecofriendly. Em 2019, a Natura lançou uma linha de esmaltes “9-free” (livres de nove ingredientes que têm grande potencial tóxico, mas são comuns em fórmulas de esmaltes). A Unilever lançou no Brasil sua marca de beleza vegana Love Beauty and Planet, que, além da ausência de componentes de origem animal, tem 95% de ingredientes de origem natural e sustentável e conta com embalagens de PET reciclado e 100% recicláveis.

Wild Cosmetics: Ecofriendly
Além de ter uma embalagem reutilizável em forma de refil, o desodorante naturalista da empresa Wild vem livre de alumínio e parabenos.

Pós-propósito

A indústria de beleza e bem-Estar é uma das que mais abraça a chamada era do pós-propósito, amplamente debatida no LIONS Live, realizando no final de junho. Nessa agenda, há menos intenção em comunicar a razão de existir de uma marca, e muito mais ações com impactos reais, que melhorem concretamente a condição de vida das pessoas.

Esse movimento se torna ainda mais importante diante do novo coronavírus. “Historicamente, vemos que, em tempos de pandemias e desastres, as pessoas mais discriminadas sofrem desproporcionalmente. Crises como a da COVID-19 revelam as fraturas da nossa sociedade. É hora de acelerar os esforços em prol da igualdade”, defendeu Marc Pritchard, Chief Brand Officer da Procter&Gamble durante o evento.

Representatividade e inclusão são fatores prioritários nesse contexto. Há um crescente movimento na indústria de beleza e bem-estar no sentido de quebrar estereótipos e preconceitos alimentados durante décadas, a partir de abordagens mais amplas e diversificadas sobre as imagens e mensagens associadas à beleza. Também cresce a cobrança por programas de recrutamento que ampliem a diversidade dentro das empresas da área.

P&G: The Pause
Sensível campanha digital destaca o receio da comunidade LGBTQ+ em se assumir publicamente, posicionando a marca junto à causa da diversidade.