As novas interfaces da internet

Quinta geração de redes móveis (5G) impulsiona IoT, VR, AR e Inteligência Artificial

Esqueça aquela conversa de segunda ou primeira tela. Mobile é plataforma. Uma fabricante de carros, muito em breve, não será somente uma montadora de automóveis. Será uma plataforma sobre mobilidade urbana com prestação de serviços e habilidade para conectar pessoas com interesses comuns. Assim como uma indústria de cosméticos não venderá apenas produtos de maquiagem, mas promoverá conversas sobre saúde e bem-estar por meio de plataformas digitais conectadas. Isso porque mobile não é somente um dispositivo, seja ele o smartphone, seja o relógio. É o comportamento das pessoas  sob  a  luz  da hiperconectividade.

O movimento deu a tônica a diversos festivais nos quais nossa rede de curadores mapeou tendências e insights ao longo deste ano. Estrela dos debates e das estratégias do Mobile World Congress 2018, realizado em fevereiro, em Barcelona, o 5G será uma realidade palpável nos lançamentos de produtos que acontecerão de agora em diante. Em um contexto de mercado onde há cinco bilhões de usuários mobile únicos  e 45% da  população mundial está conectada em redes 3G e 4G, operadoras se lançaram em uma corrida para que a próxima geração de telefonia chegue o mais rápido possível aos consumidores – antes mesmo do prazo inicialmente previsto, que era 2020. De acordo com a GSMA, organizadora do MWC, há atualmente 77 operadores testando o 5G em 49 países.

“É um momento ‘big bang’”, afirma Cheng Zhu, presidente da Huawei IoT, diante dos números impressionantes: as conexões de IoT devem crescer de 10 milhões para 150 milhões em apenas um ano, enquanto o número de players nesse ecossistema deve triplicar. Esse cenário traz um desafio para players do setor, de gigantes a startups: não há competidores claros, pois qualquer negócio pode trazer a próxima novidade disruptiva. O MWC demonstrou essa tendência de forma clara – apesar do número de visitantes se manter na casa das 107 mil pessoas, o 4YFN, evento paralelo voltado às startups e empreendedores cresceu em público, investidores e empresas participantes.

Para o marketing, o protagonismo do 5G trouxe consigo debates inevitáveis sobre como inserir tecnologias como Realidade Virtual e Aumentada, Internet das Coisas e Inteligência Artificial na comunicação com o cliente. Afinal, trata-se principalmente de como nos relacionamos, seja com outras pessoas, seja com as máquinas. O MWC reforçou continuamente a ideia de que o elemento humano é o protagonista nas estratégias de marketing, e de que é preciso integrá-lo na experiência da marca. “O consumidor deve ser visto mais como um membro do que alguém para quem estamos anunciando. Precisamos pensar em como providenciar uma experiência engajadora, utilizando transparência e novos formatos”, afirma Tim Mahlman, presidente de Advertising e Publisher Strategy da Oath.

E que formatos serão esses?

Talvez não mais tão dependentes do retângulo que levamos em nossos bolsos, afirma Cher Wang, presidente da HTC. “O 5G reduz a necessidade de que o poder computacional esteja nos dispositivos. Nossos smartphones podem ser bem diferentes em um futuro próximo”, diz Wang. A profusão de wearables, softwares comandados pelo olhar, análises preditivas baseadas em redes neurais e visão computacional abre um mundo de inovações que levarão as estratégias de comunicação a um nível jamais alcançado.

A mensagem foi recebida e está sendo amplamente aplicada em setores tão diversos como financeiro, serviços de saúde, entretenimento, agrotecnologia e automotivo. A abrangência do MWC reflete a amplitude do conceito de mobile e a abertura de diálogos com cada vez mais públicos. Este ano, o evento distribuiu suas conferências em oito temas, que circundaram desde discussões extremamente técnicas para os provedores de serviços até o dia a dia do consumidor digital e suas preocupações com trabalho, consumo e entretenimento.

Transformação digital sob a ótica do mobile

Elas já fazem parte do cotidiano do consumidor: as tecnologias preditivas, a Inteligência Artificial e o Machine Learning são algumas das ferramentas que dirigem as transformações que o usuário de dispositivos móveis vivencia hoje. O 5G e a IoT prometem potencializar esse universo e ir muito além das experiências pessoais – na agricultura, na indústria e nas grandes cidades, a promessa é de revolução. “Para realmente transformar a nossa vida, a Inteligência Artificial precisa de ultraconectividade e alta velocidade”, afirma Mats Granryd, diretor geral da GSMA. A economia mobile hoje gera 3,6 trilhões de dólares anualmente, o equivalente a 4,5% do PIB mundial – a estimativa é que esse valor cresça exponencialmente nos próximos cinco anos.

“O tempo de planejar já passou. Agora estamos em modo de execução”, afirma Marie Ehrling, presidente do conselho da operadora Telia e da Securitas. “O sucesso ou fracasso de uma empresa será determinado por sua agilidade na digitalização de seus negócios”, complementa.

Apesar das particularidades de cada setor, todos têm algo em comum – a mudança de um comportamento reativo para um preditivo. Os casos de sucesso estão por toda a indústria mobile. A empresa de tecnologia Continental criou um software que prevê quando o sinal de telefonia ou internet irá se deteriorar, oferecendo opções otimizadas para o cliente. A MJN Neuroserveis desenvolveu um dispositivo que avisa ao portador de epilepsia quando ele terá uma convulsão. Ambos são exemplos de antecipação das necessidades reais do consumidor, o que pode garantir a sobrevivência do negócio no mercado.

Com o 5G, a Internet das Coisas finalmente chegará ao seu potencial máximo. As casas inteligentes se tornarão enfim realidade, acessível e palpável para o consumidor médio. Com a IoT, chegam todas as possibilidades de personalização e comunicação direta com um usuário mais exigente e saturado de conteúdo indesejado. As economias emergentes e setores da sociedade que não tinham acesso a redes e dispositivos ganham mais voz e conectividade, no que se revela o início de um processo de democratização digital que vai ganhar escopo e intensidade na era do 5G.

As operadoras de telefonia e a indústria de eletrônicos, junto com organizações internacionais, estão comprometidas em promover acessibilidade e ferramentas para as regiões mais isoladas do planeta – seja aumentando o alcance das redes para que a IoT chegue até zonas rurais, seja implementando wi-fi emergencial em campos de refugiados e áreas afetadas por desastres naturais. A internet se reposiciona como tecnologia e passa a ser ferramenta para necessidades básicas e urgentes dos seres humanos, com papel importante para desenvolvimento econômico e democratização de informações e serviços.  “Aproximadamente um terço da população mundial ainda não tem acesso ao 3G ou 4G, e 10% está totalmente desconectada”, afirma Granryd, da GSMA.

Inteligência Artificial

A AI está mudando a forma como os produtos interagem com os consumidores. Através de Machine Learning, eles podem aprender as preferências do usuário, sua rotina e, então, adaptar-se ao seu perfil. Empresas como a startup Biggerpan conseguem prever os interesses dos usuários antes que eles utilizem mecanismos de busca através de um smart browser que usa o histórico de navegação como base para sugerir conteúdos e serviços. A Amazon aposta nos assistentes virtuais como a Alexa e em voicebots como a grande mudança tecnológica para o e-commerce. “É muito mais do que uma nova interface ou um canal adicional. É uma curadoria de serviços e experiência que, de forma inteligente, atende às necessidades do consumidor e traz engajamento emocional”, afirma Giulio Montemagno, presidente da Amazon Pay na Europa. Nos smartphones e outros gadgets, a AI aparece com mecanismos de personalização – é o caso da câmera do novo LG V30S, que analisa objetos, pessoas e paisagens, e recomenda o melhor modo de captura de imagem.

Internet das Coisas

De carros autônomos a climatizadores inteligentes, a Internet das Coisas já chegou aos lares para facilitar a vida cotidiana do usuário e conectar todos os nossos eletrodomésticos aos nossos smartphones. Dentro de nossas casas, a IoT também trabalha com análises preditivas e recomendações – é possível saber se estamos comendo de forma saudável, praticando exercício o suficiente e receber sugestões de compras que se adaptam ao nosso estilo de vida. A interconectividade foi a menina dos olhos de stands como o de Smart Home da Samsung e o da Qualcomm, inteiramente dedicado ao 5G. Mas as possibilidades do IoT não param por aí. Fábricas como a da Nokia já são ‘cyberfísicas’, tendo robôs trabalhando lado a lado com pessoas. No futuro, o campo e as plantas industriais podem ser completamente controladas à distância, sem a necessidade de presença humana. “As fábricas conectadas têm sensores e câmeras que medem todas as informações e verificam tudo o que está acontecendo nas plantas. Aplicações inteligentes na nuvem estão preparadas para gerenciar equipamentos e robôs”, afirma Mounir Ladki, presidente da Mycom OSI.

Realidade Virtual

A ficção está repleta de desejos humanos não satisfeitos – voar, viajar no tempo, ser um super-herói ou um astro do rock. A VR permite que, finalmente, o usuário seja capaz de ‘sair do próprio corpo’ e viver experiências distintas, seja em ambientes fantásticos, seja de realidade extrema. A tendência que começou com os games hoje chegou a outros setores da indústria criativa, como museus e o jornalismo. Por meio do Ryot Studio, a Oath desenvolve projetos robustos baseados em Realidade Virtual e Aumentada para marcas como Apple e Gatorade. Em Los Angeles, o estúdio criou uma experiência baseada em Realidade Aumentada para promover o acervo do Louvre, de Paris, entre estudantes da Califórnia, democratizando o acesso à arte de um dos mais restritos e disputados museus do planeta. Entre os publishers, a tendência avança. O jornal britânico The Guardiancriou uma divisão de VR em 2016 e hoje oferece ao leitor a possibilidade de sentir-se dentro de uma prisão americana, ser um especialista forense na cena de um crime ou viver na pele de um bebê de menos de um ano. Porém, VR vai além do entretenimento e revoluciona áreas como saúde, construção e educação  – médicos podem ganhar experiência em cirurgias complexas a partir de conteúdo imersivo, compradores de imóveis podem “entrar” em suas futuras casas para escolher o tipo de piso e pesquisadores podem se “transportar” para períodos remotos da história. É disruptivo.

Realidade Aumentada

Com o objetivo de otimizar a experiência do cliente e aumentar o seu engajamento e imersão na marca, a Realidade Aumentada vem dando passos largos em alguns setores como o varejo. Marcas como a japonesa Uniqlo utilizam a tecnologia para atrair consumidores para as lojas físicas, onde terão acesso a experiências otimizadas de provas de roupa – em um espelho LCD que muda as opções de cor de uma peça sem que o usuário precise tirá-la. Durante o MWC, a Telefônica anunciou que está fazendo parcerias com empresas como Dufry para criar experiências de compra únicas, unindo as capacidades digitais do e-commerce com a imersão customizada permitida pelas lojas físicas. Na publicidade, a Realidade Aumentada já abre oportunidades de patrocínio em jogos esportivos, por exemplo. A startup GumGum usa visão computacional para projetar logos e campanhas de patrocinadores nos uniformes de jogadores em momentos em que a posição da marca pode ser otimizada. “A publicidade aumentada permite também que os times entendam o valor do seu conteúdo e negociem melhor seus patrocínios”, afirma Ken Weiner, CTO da GumGum. Em Londres, a Pepsico cria campanhas baseadas em VR para mídia exterior, mostrando o potencial da tecnologia para muito além da tela do smartphone.

Personalização

O uso de Big Data é uma das grandes apostas de operadores e indústrias para o 5G. Adotada massivamente pelos algoritmos das redes sociais, que criam ‘bolhas’ de temas para os seus usuários buscando personalizar conteúdo, a estratégia tem seus defensores e detratores. Em setores como o de jornalismo e mídia, Big Data e personalização vêm sendo usados para oferecer homepages diferentes para cada perfil de leitor. “É uma experiência customizada de consumo de notícias, baseada na ideia de parar de forçar conteúdo para adicionar informação aos interesses do leitor”, diz Joy Robins, CRO do site Quartz. A personalização de massa, segundo Ben Maher, diretor da JCDecaux, é um efeito da maneira fragmentada com que os jovens consomem hoje. Diferentemente das gerações anteriores, eles não querem conteúdo divulgado ou com curadoria, mas criado e amplificado por fontes dispersas.

Geolocalização

Drones e softwares para geolocalização foram as estrelas do pavilhão 8 do MWC, dedicado a startups e aplicativos. Desde pequenas empresas como a portuguesa Mapidea, que agrega dados de geolocalização e mapeamento para oferecer serviços para apoiar governos em suas políticas públicas, até multinacionais como a Intel, que desenvolveu uma gama de serviços chamada de Smart City Manager, o setor público se revelou como o nicho principal de mercado para essa tecnologia.

Mobile Payments

Como esperado, a segurança das transações foi a tônica do discurso da indústria financeira e de meios de pagamento durante o MWC. Empresas de carteiras virtuais, meios de pagamentos universais e mecanismos de cyber identificação insistiram na confiabilidade de seus sistemas, algumas reforçando suas técnicas de blockchain. A holandesa DocData Payments criou uma rede internacional de pagamentos que elimina a necessidade de cartões de crédito ou contas como Paypal, em que o usuário pode transferir de conta a conta seu pedido de e-commerce. Em economias em desenvolvimento, o desafio é a bancarização da população e a oferta de meios de pagamento mobile. É o caso da Zain Cash, ferramenta lançada em 2015 no Iraque que permite ao usuário fazer compras, transferências e pagamentos via qualquer dispositivo mobile.

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