Um dos setores profundamente afetados pela pandemia de Covid-19 foi o de alimentos e bebidas. Por um lado, houve uma corrida ao varejo alimentar, que exigiu uma rápida resposta dos supermercados e hipermercados. Por outro, bares e restaurantes fecharam por vários meses e só agora começam a reabrir, ainda com uma série de limitações, diante da gravidade da crise sanitária desencadeada pelo novo coronavírus.
“As empresas tiveram um momento inicial muito duro. Ninguém estava preparado para reagir a uma situação dessas. A indústria de alimentos acabou tendo demanda em alta, pois, com mais gente em casa, aumentou muito a necessidade de produtos. O segmento de bebidas não alcoólicas até cresceu um pouco, mas o de alcoólicos foi muito impactado”, diz Eduardo Dias, líder de consumer goods da Accenture para a América Latina.
Entre os principais desafios (e também oportunidades) das empresas da área nesse momento está o comércio online. Na Nestlé, a demanda no canal de e-commerce cresceu quase 80% nos últimos meses, e a empresa correu para robustecer a operação digital. “Algumas das nossas unidades de negócio tiveram suas atividades alteradas em função do contexto atual, como é o caso das lojas de Nespresso. Nesse caso, o e-commerce teve papel preponderante em continuar abastecendo os consumidores enquanto as lojas estavam fechadas”, conta Frank Pflaumer, vice-presidente de marketing e comunicação da Nestlé Brasil.
O setor também precisou reconfigurar a relação com os clientes. Com os principais canais de venda fechados, muitas empresas perceberam que pouco sabiam sobre o consumidor final – que tiveram que passar a atender diretamente. “Vivemos uma crise sem precedentes. Encontrar uma forma de ser relevante para as pessoas, nesse contexto, é algo muito novo e que exige ir além do escopo tradicional do negócio”, afirma Vanessa Brandão, diretora de marketing de marcas premium do Grupo Heineken no Brasil.
Para ajudar o pequeno varejo na retomada das atividades, oito companhias do setor de alimentos e bebidas lançaram o movimento NÓS. Serão investidos R$ 370 milhões para apoiar essas PMEs em algumas frentes, incluindo reabertura segura, com foco em saúde e higiene, e reabastecimento facilitado dos estoques. A campanha que divulga o movimento é resultado de um trabalho de cocriação de três agências que atuam de forma pro bono: AlmapBBDO, DPZ e WMcCann.
Marketing para novo contexto
A velocidade das mudanças tem feito com que as empresas se renovem, e com o Marketing não foi diferente. De saída, várias organizações abraçaram uma causa para gerar empatia – seja produzindo e distribuindo álcool em gel e máscaras, seja fazendo doações ou investimentos para apoiar parceiros de negócios. “A mensagem do Marketing, num primeiro momento, foi : ‘Somos sensíveis ao que está acontecendo no mundo e queremos ajudar’. Num segundo momento, o objetivo é não perder presença de mercado”, diz Eduardo Dias, da Accenture.
Para Vanessa Brandão, do Grupo Heineken, o papel do Marketing, agora, é o de se reinventar. “O contexto mudou radicalmente, assim como o que é importante e essencial. É preciso entender essa nova realidade e agir rápido, considerando esse novo cenário”, afirma.
Um dos fenômenos que ganhou impulso durante o isolamento social foi a prática do “faça você mesmo”. Atenta a isso, a BRF (que controla as marcas Perdigão e Sadia) passou a publicar o conteúdo produzido por seus 20 chefs internos (gravados em suas casas) nos hubs de suas principais marcas em plataformas digitais e redes sociais. “Muita coisa do ‘do it yourself’ se expandiu na pandemia. Não há como saber se isso vai continuar, mas é uma oportunidade de as empresas se apoderarem desse movimento para criar ocasiões de consumo”, afirma Dias.
Nesse sentido, a questão da inovação é um ponto importante. Muitas empresas suspenderam projetos de inovação para focar em iniciativas que atendam as necessidades mais imediatas do público. No entanto, ao se planejar para a retomada, é importante levar em conta oportunidades de inovação que podem surgir em resposta às mudanças de comportamento no pós-Covid-19.
O Marketing tem revisado suas estratégias a fim de atender o público em uma situação de exceção, com um papel fundamental do digital. Na Nestlé, todas as marcas transformaram sua comunicação e ativação em plataformas de serviço e utilidade. Nutren Senior, por exemplo, passou a compartilhar dicas sobre tecnologia.
Movimentos que vêm pra ficar
Em meio a tantas, e tão intensas, transformações, é impossível cravar projeções para um futuro um pouco mais distante. Mas algumas tendências se impõem ou se aceleram, exigindo atenção das marcas.
E-commerce – A venda online de alimentos e bebidas direto ao consumidor veio para ficar. Provavelmente, não nos patamares observados durante o período de confinamento, mas com certeza em níveis nunca vistos no Brasil antes da pandemia. Ao ganhar força, o e-commerce oferece comodidade ao cliente e ajuda os pequenos negócios a se manter. A evolução dessa forma de relacionamento entre empresas e consumidores é algo que deve permanecer. Também no B2B o comércio eletrônico deve se fortalecer como canal de abastecimento para o pequeno varejo, incentivando o comerciante a fazer suas compras sem depender de um vendedor e contando com ferramentas para gerenciamento de pedidos e estoques.
Omnichannel – O omnichannel vai imperar, o que tornará imprescindível contar com uma boa plataforma tecnológica para entender quem é o cliente e sua jornada de consumo. Isso levará a uma busca maior por serviços em nuvem – um movimento que já vinha acontecendo e se intensifica. Com mais recursos tecnológicos, o ecossistema ficará mais interligado, permitindo operações conjuntas de B2B e D2C (direct to consumer).
Conveniência e controle – São pontos em evidência nas principais tendências globais de consumo de 2020, de acordo com o relatório Tendências de Consumo 2020, da consultoria Euromonitor. O estudo aponta que as empresas, tradicionalmente, posicionavam suas marcas para consumo em determinados momentos do dia. Hoje, ganha espaço quem mostra como seu produto atende uma necessidade específica do consumidor. Cada vez mais, as decisões de compra serão baseadas em estados de necessidade personalizados. Para atender estas demandas, a funcionalidade vai cruzar categorias, em especial no caso de bebidas alcóolicas e refrigerantes.
Autocuidado – É uma extensão dos movimentos de “saúde holística”, mas também do desejo de alimentos que, além de serem saudáveis, façam a pessoa se sentir bem ao consumi-los. Essa tendência está relacionada a estilo de vida. Por exemplo, a geração Z está sempre em movimento e gosta de bebidas saudáveis. A geração X costuma ser mais autoindulgente, muitas vezes preferindo comprar comida semipronta ou para esquentar no microondas. “Um movimento que assistimos, e acreditamos que deve continuar, é a busca por alimentos que aumentem a imunidade e a saúde geral, com muito foco em nutrição e bem-estar”, afirma Frank Pflaumer, da Nestlé.
Parcerias – As medidas de isolamento social foram o empurrão que faltava para as vendas online de alimentos e bebidas deslancharem. Como consequência, vem crescendo a demanda por serviços em nuvem, tanto para dar conta do tráfego como para a coleta de dados. No âmbito da logística, o fator-chave é agilizar a entrega dos produtos, em especial os perecíveis. Aí entram as parcerias, como a que a Mondelez firmou com o Uber para a entrega de produtos durante a Páscoa.
A promoção de experiências se intensificou durante o isolamento social – que exigiu a criação de ocasiões de consumo no lar. Uma estratégia muito explorada foram as lives de música, patrocinadas por grandes marcas, principalmente de bebidas, como a Heineken – que promoveu o festival online Home Sessions.