Tecnologias emergentes: a responsabilidade de quem cria, usa e programa

Entre as discussões mais potentes do SXSW 2021, destacamos o desafio de lidar de forma ética e positiva com a tecnologia, principalmente diante do avanço da Internet das Pessoas (YoT)

Um dos temas que marcou fortemente a agenda de conferências e debates do SXSW 2021 foi a ética das tecnologias. O festival chamou atenção para o  gigantesco desafio de, em um mundo cada vez mais conectado, promover o impacto positivo das tecnologias emergentes e evitar usos enviesados e perigosos da inteligência artificial.

O SXSW 2021 foi realizado pela primeira vez de forma exclusivamente virtual, entre os dias 16 e 20 de março. A partir da curadoria dos jornalistas e pesquisadores da rede GoAd Media, apontamos tendências e movimentos exponenciados pelo festival, em formato de White Paper e Webinars (que podem ser contratados para apresentações exclusivas).

Na análise a seguir, realizada com oferecimento do UOL AD_LAB e apoio da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), apresentamos os principais insights da trilha temática “Desafiando os caminhos da tecnologia” e, também, das aguardadas apresentações do filósofo e historiador Yuval Noah Harari e da futurista Amy Webb.

Vigilância e preconceito

Ao lançar o aguardado Tech Trends Report 2021, a futurista Amy Webb, fundadora do Future Today Institute, destacou o avanço da You of Things (YoT), ou Internet das Pessoas, que se materializa  no avanço dos wearables e outros devices acoplados ao corpo, integrando humano e tecnologia.

Com mais interfaces conectadas coletando nossos dados, Amy Webb acredita que é latente a necessidade de repensar o papel das nossas instituições e legislações, já que suas balizas não estão se modernizando na mesma velocidade dos avanços tecnológicos. “Até agora, são as empresas privadas que estão exercendo esse poder [de regulamentar o uso das tecnologias], e não outras instituições. Os legisladores precisam aparecer”, defendeu.

Entre as muitas questões levantadas pela futurista, estão dúvidas sobre a segurança da YoT (Quem será o proprietário das informações pessoais e emocionais capturadas? Será que somos donos da imagem dos nossos próprios rostos?) até questões mais complexas, como o que acontece com todos esses dados quando morremos.

“Os legisladores não podem ignorar ideias politicamente impopulares até que exista uma crise. Precisam estar dispostos a investir em longo prazo. São servidores públicos; se não estão dispostos a tomar decisões para o bem do nosso futuro, não deveriam nem se candidatar”
Amy Webb, futurista

A questão também foi abordada pela pesquisadora Rana el Kaliouby, doutora em inteligência artificial emocional e cofundadora da Affectiva, startup pioneira no uso da Emotion AI ­– que envolve tecnologias de reconhecimento de emoções. “O futuro saudável da economia digital depende de uma rigorosa conduta ética no uso da inteligência artificial”, enfatizou.

Ética como disciplina obrigatória

Inventores e desenvolvedores de soluções que exploram a inteligência artificial e o reconhecimento das emoções precisam refletir, entre outras coisas, sobre como lideranças autoritárias podem vir a fazer uso desse tipo de inovação. Um dos cuidados básicos diz respeito à privacidade das informações pessoais e ao consentimento dos usuários em serem monitorados (modelos opt-in no lugar do opt-out).

O filósofo e historiador Yuval Noah Harari fez questão enfatizar a responsabilidade de quem cria e programa novos dispositivos e soluções digitais. Para ele, falta conhecimento sobre ética, e essa disciplina deveria ser obrigatória nas formações de ciência e tecnologia.

“Deveríamos fazer com que todos os programadores do Vale do Silício tivessem cursos obrigatórios de ética. Eles não estão apenas codificando algoritmos, estão codificando sociedades e economias inteiras”
Yuval Noah Harari, filósofo e historiador

Entre os pontos abordados pelo historiador, destaque também para a responsabilidade da ciência em tornar suas descobertas mais compreensíveis e escaláveis: “Precisamos traduzir e aumentar o alcance das pesquisas”. Harari enfatizou que é preciso conquistar as pessoas por meio do storytelling e explorar as tecnologias imersivas nesse sentido.

“A ciência não é suficiente. A ciência nos conta a verdade, ou uma aproximação da verdade sobre mundo, mas a verdade quase nunca une as pessoas. Você não pode concorrer às eleições em uma plataforma que diga que ‘E = mc2’. Quer dizer, você até pode, mas ninguém vai votar em você. Para unir as pessoas, seja politicamente, seja religiosamente, seja socialmente, você precisa contar a elas uma história”, provocou.