SXSW Insights: sobre o poder das histórias – reais, genuínas e transformadoras

Terceiro dia de festival destacou escritora Susan Fowler e Roger McNamee, ex-mentor de Mark Zuckerberg

Em 2017, o movimento #MeToo varreu setores como Mídia e Tecnologia contra o assédio sexual. Parte da responsabilidade foi da engenheira Susan Fowler, que, naquele ano, publicou em seu blog um post sobre assédio e discriminação sofridos no período em que trabalhou na Uber. 

Seu relato pressionou a empresa a iniciar uma investigação sobre as alegações, o que levou à renúncia do então CEO Travis Kalanick, bem como a de outros 20 executivos. Também a colocou na capa da revista Time, junto com outras mulheres que se manifestaram em relação ao movimento #MeToo, e a tornou colunista e escritora do The New York Times

Ao se apresentar no SXSW no domingo, 10, Fowler disse acreditar que, nos últimos dois anos, “o mundo mudou completamente e, na maior parte, mudou para melhor”. Ela apresentou uma visão otimista e encorajadora sobre denunciar, descrevendo o Vale do Silício, em 2017, como “Roma no auge de sua decadência”.

Susan Fowler: denúncia contra assédio sexual deflagrou movimento #MeToo e promoveu mudanças estruturais na Uber | Crédito: Andrea Magama


Fowler também tocou no ponto sensível dos casos de assédio moral sofridos por homens de empresas no Vale. “Há uma pressão e uma chantagem exagerada sobre a figura masculina. Isso ainda não mudou”, afirmou.

Em um festival tão importante como o SXSW, que reúne decisores e investidores de todas as principais empresas de tecnologia e inovação do mundo, falar abertamente sobre assédio não é só necessário, como urgente.

A mudança, como ficou claro na palestra da Susan Fowler, pode vir à tona a partir de uma história revelada, mas a solução é muito mais sistêmica e complexa do que um comunicado para a imprensa. Requer mudança de equipes e, acima de tudo, coragem para rever e transformar a cultura organizacional.

FACEBOOK SOB ATAQUE
O ângulo correto sobre privacidade de dados

Nicholas Thompson, editor da Wired, entrevista Roger McNamee no palco do SXSW: privacidade é desafio de toda a indústria | Crédito: iStock


Roger McNamee não odeia o Facebook. Ele só acha que a empresa pode fazer muito, mas muito melhor no que se refere à privacidade dos dados. Como investidor do Vale do Silício e ex-mentor de Mark Zuckerberg, McNamee diz que a plataforma tem trabalhado mais pela sua imagem e reputação do que para sanar seus problemas de privacidade.

Esse é o mote do livro “Zucked”, publicado recentemente por McNamee, e a razão pela qual ele foi entrevistado neste domingo pelo editor da revista Wired, Nicholas Thompson, no palco do SXSW. “Quando conheci Mark Zuckerberg, ele tinha 22 anos. Naquela época, eu já estava convencido de que o Facebook seria the next big thing. Eu nem sequer tinha em mente que a rede social poderia ser algo ruim”.

A falta de proteção dos dados dos usuários do Facebook é munição para ataque dos mais críticos à plataforma. No rescaldo da eleição de 2016 nos EUA, as autoridades de inteligência norte-americanas destacaram de que forma o governo russo usou o acesso aos dados coletados pela rede social para espalhar notícias falsas que teriam beneficiado a eleição de Donald Trump.

No gerenciamento da crise, o Facebook anunciou, quatro dias atrás, que mudará todo o modelo de mensagens com comunicações criptografadas entre grupos de pessoas. Embora a nova estratégia de privacidade pareça audaciosa, ela não resolve o problema subjacente da empresa, afirmou McNamee. A questão, disse ele, não é com o modelo de mídia, mas com seu modelo de negócios principal – o de vender dados das pessoas a empresas terceirizadas.

A crítica de McNamee, no entanto, não recai somente sobre o Facebook. Para ele, Amazon, Google e Microsoft apresentam ameaças ainda maiores, porque “o Facebook tem sido desajeitado o suficiente para ser pego. Mas os outros caras foram muito mais inteligentes” em não expor seus pontos fracos.

O lado bom, disse McNamee, é que profissionais de empresas de tecnologia estão sendo questionados em audiências no Congresso, e as pessoas estão mais atentas sobre o fornecimento de seus dados. “A questão não é se os seus dados estão por aí”, analisou McNamee. “O que precisamos acompanhar é o que as empresas estão fazendo com nossos dados”.

Entre os muitos painéis que debatem o tema sob diferentes óticas neste SXSW, há um ângulo em comum: monitorar, fiscalizar e denunciar deve ser uma responsabilidade cada vez mais compartilhada, entre sociedade civil e governos.

CIDADES INTELIGENTES
Detroit e Dubai dão amostras do futuro

Detroit: sistema elétrico pode ser alternativa de transporte coletivo em grandes centros urbanos | Crédito: iStock


Ao longo de seus mais de 30 anos, o SXSW ganhou a fama – mais do que merecida – de ser uma janela para o futuro. É aqui que novas tendências são lançadas e coisas que parecem inimagináveis até ontem começam a ganhar corpo.

É exatamente isso que o track de Smart Cities, Indústria Auto e Mobilidade Urbana está revelando até agora. Historicamente, a promessa das cidades do futuro não passava disso – de promessa. Em anos anteriores, vimos painéis sobre sistemas de reconhecimento facial que derrubam qualquer tipo de barreira física e planos de colonizar Marte antes que tudo vá pelos ares. Ao que parece, em 2019 o SXSW está mais preocupado em mostrar o que já está sendo feito para melhorar a vida das pessoas num mundo cada vez mais urbanizado. Menos Os Jetsons, mais vida real.

Num painel sobre mobilidade autônoma, por exemplo, representes do governo e startups baseadas em Detroit mostraram um sistema de shuttles elétricos já em funcionamento. A engenhoca tem o objetivo de transportar as pessoas num perímetro bem delimitado da cidade – uma solução de first last mile para quem trabalha em centros congestionados. Olha só como funciona.

Do outro lado do mundo vem o exemplo de uma cidade com planos ambiciosos – acabar com a papelada. Em Dubai, até 2021, ninguém mais vai precisar imprimir coisa alguma para resolver burocracias do dia a dia. Não se trata de mais um formulário online que você preenche e depois tira fotos de documentos para apresentar em alguma repartição pública. A própria ideia de documentos físicos vai para os ares – com blockchain, por exemplo, vai ser possível assegurar que alguém é mesmo dono de alguma coisa com um simples certificado digital.

O projeto começou em 2018. Nos primeiros seis meses, 57% da papelada foi eliminada nas seis primeiras instituições que fizeram parte do piloto. Imagina como seria poder resolver tudo sobre o seu carro – repassar a propriedade, contratar um seguro, pagar impostos e até financiá-lo – em um só lugar? Bem-vindo a Dubai, a cidade 100% Paperless.


MÉTRICAS SENTIMENTAIS
Quanto vale o amor pela marca


As métricas ajudam a medir qual é a popularidade de uma marca e quais redes e plataformas funcionam melhor para determinados produtos. Mas como as pessoas se sentem em relação às marcas?

Kai Wright, professor da Columbia University, explicou o valor que existe quando uma marca desperta bons sentimentos nas pessoas, combinando princípios em comunicação, economia comportamental e psicologia.

Segundo o professor, 95% das decisões humanas são feitas de modo automático, e 70% delas são dirigidas pelo nosso emocional. Partindo desse princípio, Wright explora cinco ferramentas que despertam de forma subjetiva o lado emocional dos humanos. São elas: taxonomia (associação), áudio, estímulo visual, experiência e cultura.

O professor expôs ferramentas para medir o valor emocional de uma marca. “Se vendássemos os olhos das pessoas e elas fossem obrigadas a encontrar sua marca apenas por meio de som, elas saberiam? E se usássemos uma palavra apenas para que elas associassem à sua marca, elas se lembrariam de citá-la?”, questionou.

Nesse sentido, outra ferramenta interessante para ser amigável com os consumidores é o humor. A apropriação da cultura pop e dos assuntos mais quentes do momento tem norteado algumas estratégias de marketing, como é o caso de marcas que utilizam a plataforma Giphy, entre elas, TicTac. “Hoje, dividimos a atenção das pessoas com vídeos fofos de cachorros e crianças. Por isso, muitas vezes usar imagens pode funcionar melhor do que palavras para se aproximar dos usuários”, destaca Brad Zeff, Chief Strategy Officer do Giphy.

Se no dia anterior a posição do Chief Culture Officer foi evocada no SXSW, no domingo a nova figura do time de marketing foi a do Chief Experience Officer.

HEALTH TECH
Tecnologia para uma medicina mais focada no cuidado humano

David Feinberg, vice-presidente de Health Care do Google: tecnologia poderá mudar forma de remuneração dos médicos | Crédito: Google & PR Newswire


Ao se digitalizar e inovar com o uso da tecnologia, o setor médico parece ter ganhado um empurrãozinho para refletir sobre seus processos e métodos. Na maioria dos painéis e debates sobre medtech aqui no SXSW, há uma preocupação de que as novidades permitam que os amigos dediquem mais tempo e atenção aos seus pacientes.

Segundo David Feinberg, médico que lidera os esforços da área de saúde do Google, embora 85% dos diagnósticos ocorram quando se ouve as histórias contadas pelos pacientes, o sistema médico tende a remunerar seus profissionais com base em “performance”. Ou seja, quanto mais atendimentos, melhores os pagamentos. “Seria muito melhor se médicos fossem recompensados pelos resultados obtidos ao manter as pessoas saudáveis e curadas”, provocou Clay Johnson, reitor da Dell Medical School da Universidade do Texas em Austin.

Para permitir que os médicos prestem mais atenção aos seus pacientes, sem que isso signifique necessariamente aumento de custos, as empresas de medtech estão propondo parcerias com hospitais, clínicas e convênios médicos. “Nossos sistemas estão focados nos cuidados que podemos oferecer e na informação que podemos obter dos pacientes sem precisar estar frente a frente com eles”, explicou Star Cunningham, fundadora e CEO da 4D Healthware, empresa especializada no uso de tecnologia para análise de dados da área da saúde.

Star Cunningham, da 4D Healthware: tecnologia e análise de dados são complementares ao atendimento médico presencial | Crédito: Divulgação

Para Cunningham, o uso de sistemas tecnológicos para análises médicas é complementar às consultas presenciais e empáticas dos médicos. “O atendimento ao paciente continua sendo ao vivo, presencial, e cada vez mais voltado ao valor dessa interação, ao invés da pressão por mais eficiência”, afirmou.

Com isso, o que se espera é que a tecnologia seja capaz de liberar tempo e recursos financeiros para que os médicos possam fazer consultas com mais qualidade e ter mais cuidado com seus pacientes. Além disso, algumas análises podem ser muito mais precisas quando realizadas por máquinas – como é o caso do uso de inteligência artificial para a indicação de diagnósticos a partir de exames de imagem.

Trata-se de um ecossistema complexo, que precisa balancear a qualidade do serviço de saúde, o bem-estar das pessoas e os custos associados. Johnson, da Universidade do Texas, resumiu o desafio ao relatar o que busca nos estudantes de medicina do futuro: “Queremos pessoas que se disponham a entender todo o sistema, que compreendam os objetivos das pessoas, que estejam atentas ao ambiente e sejam criativas, para mudar a forma como fazemos medicina”.

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Com insights de Beatriz Lorente, Christian Miguel, Jacqueline Lafloufa e José Saad Neto, de Austin