SXSW Insights: pauta política ganha o evento – e por que tecnologia tem tudo a ver com isso

Pesquisadora Amy Webb (foto), do Future Today Institute, foi um dos destaques do sábado, em Austin

Ao final do segundo dia do SXSW 2019 já é possível apontar que a pauta política permeia boa parte dos debates em Austin. A um ano da eleição presidencial dos EUA, pré-candidatos convidados para se apresentar no festival dão uma amostra do tom do pleito eleitoral de 2020. E não só eles. Mesmo os painéis focados em Tecnologia e Mídia concentram esforços na agenda de Washington e suas ramificações. Entre elas, está o debate sobre privacidade de dados e empresas de tecnologia.

Para Amy Webb, fundadora do Future Today Institute, a privacidade, no sentido literal, já não existe mais.

“É ilusório pensar que nossos dados estão de alguma forma protegidos, uma vez que os fornecemos para uma série de empresas em troca de conveniência. Imaginem que, no futuro próximo, no qual essa coleta de dados será ampliada com interfaces de reconhecimento e biometria, esse controle não será mais nosso. A privacidade está morta”.

A pesquisadora foi um dos destaques do SXSW no sábado, 9, ao apresentar um relatório que reúne 315 tendências de tecnologia e ciências que vão impactar a sociedade e os negócios nos próximos 20 anos.

Foi ela que, em 2018, no mesmo palco, anunciou o fim dos smartphones devido ao crescimento da Internet das Coisas. Para este ano, há uma continuidade coerente de previsões que sinalizam a expansão dos objetos conectados por meio de tecnologias de reconhecimento, das smart houses e da interação entre pessoas e máquinas. 

Embora seja um documento essencialmente de negócios, toca em pontos sensíveis sobre o comportamento humano. Amy Webb traçou um cenário catastrófico no qual estaremos, em 10 anos, completamente reféns das empresas que detêm nossos dados.

Uma garagem conectada decidiria, por exemplo, se devemos sair de casa a pé ou de carro, a partir das informações coletadas sobre nosso peso corporal e frequência de exercícios. Nesse mesmo cenário, o micro-ondas inteligente poderá decidir se fará aquela pipoca para uma noitada de Netflix, ou se você deverá se contentar apenas com uma maçã.

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Para ler com calma – e fôlego –, aqui está o PDF completo do 2019 Tech Trends Report.

CAUSAS NO PALANQUE
Campanhas ganham o palco do SXSW

Senadora democrata Elizabeth Warren: quebra de monopólio das gigantes de tecnologia é uma das bandeiras da pré-candidata à Presidência | Crédito: iStock


Não é novidade para ninguém que as grandes causas da atualidade são problemas complexos de se resolver – e precisam ser enfrentadas com ação coordenada de governos, empresas e sociedade civil. Até aí, tudo certo. Tudo mesmo?

O segundo dia do SXSW começa a deixar claro que, em 2019, isso vai ficar de lado. 

Com uma eleição presidencial ganhando forma, políticos de diferentes espectros ideológicos estão dispostos a tudo para ganhar atenção e visibilidade.

O resultado: muita gente jogando para a plateia e pouca gente disposta a sentar-se à mesa com quem pensa diferente. Assim, fica difícil planejar o que fazer de concreto para diminuir a desigualdade, fazer frente às mudanças climáticas e proteger os grupos vulneráveis que se sentem ameaçados na era Trump.

Até o sábado, já tinham passado pelo SXSW três postulantes à Casa Branca: o bilionário Howard Schultz, ex-presidente executivo da Starbucks e pré-candidato independente à presidência; a senadora Elizabeth Warren, uma das concorrentes à vaga do partido democrata; e o escritor e empreendedor Andrew Yang, também democrata.

O primeiro tem um passado irretocável como homem de negócios – enquanto mudava a forma como o mundo todo toma café, Schultz acumulou uma fortuna superior a 3 bilhões de dólares. Mas quando o assunto é resolver o que importa na vida das pessoas, ele é bem menos assertivo. Sua proposta mais concreta é manter altos os impostos para empresas e criar um pacote de subsídios para as que derem benefícios como auxílio médico e educacional aos empregados.

Qual é o nível adequado dos impostos e como funcionariam os subsídios? Não se sabe. O que fazer com os desempregados ou com os trabalhadores da gig economy? Schultz não explica. 

Já a senadora Warren adotou uma linha mais agressiva: um dia antes de chegar ao SXSW, ela anunciou seu plano de propor a quebra do monopólio de empresas de tecnologia como Amazon, Google e Facebook. Em sua proposta, marketplaces de grande porte seriam proibidos de manter lojas online (para diminuir o risco de concorrência desleal) e o fluxo de dados coletados pelas empresas deveria ser revisto e regulamentado.

Seus planos ecoam numa audiência consciente e preocupada com algumas das principais causas da nossa era: a privacidade e a liberdade de escolha. Falta apenas combinar com as gigantes de tech, que não devem aceitar passivamente o que provavelmente vão chamar de ameaça ao livre mercado.

MARCAS POLÍTICAS
Transparência e comunicação corporativa

Nancy King, do Airbnb: marcas precisam tomar posição sobre questões sociais e políticas | Crédito: Reprodução YouTube Airbnb

Seja pela necessidade de transparência ou para se engajar com desejos e ambições dos seus públicos, o fato é que cada vez mais marcas assumem posições sobre a agenda política e questões ligadas aos direitos humanos. Em painel que discutiu esse novo cenário para as empresas, a conversa girou em torno da necessidade ou não das marcas tomarem partido.

Na opinião de Nancy King, diretora global de insights e estratégias do Airbnb, isso acontece porque a política está cada vez mais explorando ferramentas e espaços nos quais somente marcas transitavam. “Não que tenhamos que tomar um partido, mas uma posição, sim.  Como resultado de um mundo polarizado, os clientes estão questionando a opinião das marcas sobre as discussões que eles acompanham na mídia”, destacou.

Para ela, além da necessidade de ser reconhecida por seus valores, a expectativa das pessoas para que as marcas se expressem sobre os acontecimentos aponta que posições e cargos como como o Chief Culture Officer ganhem mais importância nas corporações: “Uma pessoa que seja capaz de responder rapidamente sobre os valores da empresa e seja bem conectada com os demais times para propagar essa mensagem”. Está aí mais um significado para CCO!

EDIÇÃO GENÉTICA
Os dilemas éticos da tecnologia CRISPR

É passada a época do encantamento com as novas tecnologias sem pensar nos impactos que cada mudança pode trazer. A cautela e o cuidado foram o principal tom do painel sobre CRISPR, técnica de edição genética que permite modificar e substituir trechos do genoma de humanos, plantas e animais.

Apresentado no SXSW de 2017 pela pesquisadora Jeniffer Doudna, o tema voltou nesta edição como um teaser da estreia mundial do documentário Human Nature, no sábado, em Austin.

A preocupação dos produtores do documentário e dos cientistas convidados pareceu ser a de destacar que a CRISPR não é boa ou má em si só, mas que seus usos vão causar questionamentos filosóficos e éticos em diversas instâncias da sociedade: famílias vão precisar decidir se vão ou não selecionar geneticamente seus filhos. E se decidirem que sim, até que ponto o farão? Apenas para evitar doenças incuráveis, ou a ponto de selecionar aparência física e predisposições genéticas?

“A edição de DNA através do método CRISPR não é um sistema perfeito, e por isso tem seus prós e contras. Em um embrião, por exemplo, editar o DNA pode trazer outras consequências severas e bastante incertas”, explicou Rachel Haurwitz, da Caribou Biosciences, pouco antes de frisar que a sua empresa se recusa a realizar alterações no genoma de embriões.

Diante de um cenário de múltiplas possibilidades, Alta Charo, professora de bioética da Universidade de Wisconsin, acredita que hoje as definições são muito associadas ao tamanho do otimismo de quem lida com essas questões, que podem dar maior valor aos prós e subjugar os contras. “Como podemos garantir que as pessoas não vão explorar isso de forma negativa?”, questiona ela.

A resposta veio na forma de uma consideração do jornalista Dan Rather, que também esteve envolvido na produção do documentário Human Nature. “Quando a internet surgiu, não paramos para fazer essas perguntas [sobre prós e contras]. Agora, com o CRISPR, podemos levantar esses questionamentos desde o começo”, pontuou ele. Entre as aplicações em seres humanos, em rebanhos e em fazendas agrícolas, Charo lembrou que é possível fazer com que a edição genética se torne uma arma letal ou uma solução ideal. “Não se trata de ser algo maligno ou benigno, mas de como vamos fazer uso disso”.

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Com insights de Beatriz Lorente, Christian Miguel, Jacqueline Lafloufa e José Saad Neto, de Austin