SXSW Insights: marcas ideológicas e um futuro com alimentos impressos

Quinto dia de festival destaca força das empresas com posições políticas e tecnologias de impressão 4D

O SXSW está longe de ser um evento de marketing ou comunicação. É um encontro de cultura contemporânea e contracultura. Inovação e Tecnologia. Música, filme, games e até comédia. E, justamente por essa convergência de temas e pessoas tão diferentes, é uma lente para o futuro que muito, mas muito mesmo, interessa ao marketing.

Neste ano, o olhar sobre o comportamento humano, a empatia e o impacto das tecnologias na sociedade e no planeta subiram com força ao palco, juntamente com as responsabilidades corporativa e política sobre esses temas.  

Usando o esporte como metáfora, Mike Ray, VP de estratégia da Huge, mostrou na terça-feira, 12, de que forma a política tem se tornado o novo “time” favorito das pessoas e deve ser considerada pelas marcas com a mesma atenção com que elas escolhem, por exemplo, seus patrocínios.

“As pessoas escolhem suas ideologias, que seriam como times, e querem torcer por elas contra os outros times. Mais do que isso, dão preferência aos canais que exibem seus jogos”, destacou. Segundo Ray, pesquisas apontam que 76% dos norte-americanos acreditam que as marcas deveriam estar, se não liderando, ao menos participando das mudanças e conversas políticas.

Entre os exemplos citados, estão marcas como Dick’s Sporting Goods, que se engajou no controle de armas, a Starbucks na causa sobre preconceito racial e a United Airlines contra a política de imigração. 

A empresa de artigos esportivos Patagonia foi citada como exemplo de marca proativa, ao apoiar dois candidatos democratas ao senado norte-americano nas últimas eleições.  “No entanto, há de se considerar que a Patagonia não é uma empresa de capital aberto, como Nike e NFL, que precisam responder aos seus acionistas”, ponderou Ray.

Patagonia: posicionamento de apoio aos candidatos do Partido Democrata nas eleições estaduais norte-americanas, em 2018 | Crédito: Reprodução Patagonia

Mais uma vez, o tema sobre quem deve responder pelas questões políticas dentro das companhias foi evocado no SXSW. Para Ray, a figura do CEO, e não do CMO, é quem deve escolher que lado tomar. Questionado sobre as reais motivações para uma marca se engajar em uma causa política, considerando apenas vendas e aumento das receitas, Ray, disse que realmente não se importa sobre as motivações. “Se uma marca tiver força para resolver algo, que então o faça. As marcas são os novos influenciadores”, cravou.

United: posicionamento contrário ao transporte de crianças filhas de imigrantes sem acompanhamento dos pais | Crédito: Divulgação


CONTRA O ÓDIO
Ativista revela fórmula na luta contra extremistas na internet

Vidhya Ramalingam, da Moonshot CVE: tecnologia contra conteúdo extremista ajuda a combater o ódio digital | Crédito: Divulgação

Vidhya Ramalingam é uma mulher de estômago forte. Antropóloga de formação, ela interagiu por mais de 2 anos com supremacistas brancos na Escandinávia, para entender as raízes do ódio.

Ao longo da pesquisa, o que a surpreendeu foi que, mesmo sendo negra, era possível criar laços com alguns de seus entrevistados. “Muitos ficavam intrigados com a minha presença, mas logo se acostumavam”, contou ela. “Aprendi que o sentimento de ódio frequentemente vinha acompanhado de uma sensação de abandono e de falta total de esperança e conexão humana.”

É assim, superando a barreira de conversar com extremistas, que Vidhya vem moldando sua carreira desde então. No SXSW, ela apresentou como sua empresa, a Moonshot CVE, utiliza a tecnologia para entregar uma espécie de antídoto a quem manifesta ódio na internet.

A proposta é de uma simplicidade primorosa. A Moonshot cria conteúdos que são veiculados como anúncios para quem faz buscas por informações extremistas. Dessa forma, um sujeito que procura “Como integrar a Ku Klux Klan” no Google recebe vídeos de parentes de vítimas ou conteúdos sobre pessoas que deixaram – e advogam contra – o grupo.

Na dinâmica da Moonshot, algoritmos conseguem detectar pesquisas por conteúdo de ódio sem identificar o IP ou a identidade do usuário. Tudo o que o sistema revela é o conteúdo buscado e a localização. O exemplo da Ku Klux Klan é real – e foi detectado uma semana atrás, em Austin.

A tecnologia permite criar um amplo espectro de temas nos territórios onde a empresa atua. Nos EUA, por exemplo, é possível ver mapas de calor por cada condado dos 50 estados. Termos como “Heil Hitler, “How to kill blacks” e “Sieg Heil” são apenas alguns dos mais comuns.

Para levar a ideia adiante, a Moonshot faz parceiras com grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que abrem suas plataformas de publicidade para que os conteúdos anti-extremistas sejam entregues. “Nosso trabalho é baseado na ideia clara de que qualquer pessoa pode se recuperar do ódio”, disse Vidhya.

Ela parece ter razão. Um dos contra-ataques mais usados pela Moonshot é distribuir anúncios oferecendo ajuda psicológica a quem pensa em se tratar das tendências extremistas. Curiosamente, quem busca por conteúdo assim é 115% mais propenso a clicar em banners que oferecem tratamento mental do que a média dos usuários. 

IMPRESSÃO 4D
Futuro das indústrias têxtil e alimentícia 

Lining Yao, da Universidade Carnegie Mellon: benefícios da impressão de comidas e roupas podem solucionar grandes desafios das indústrias | Crédito: Divulgação

Lembra aqueles brinquedos para crianças, que eram vendidos em formatos compactos, e expandiam quando colocados na água? Um sistema parecido com essa “brincadeira de criança” promete impactar as indústrias têxtil e alimentícia.

Conhecida como impressão 4D, a técnica foi apontada por Amy Webb como uma das tendências que vão revolucionar o mercado nos próximos anos, e foi apresentada em detalhes por Lining Yao, professora da Faculdade de Ciência da Computação da Universidade Carnegie Mellon, na terça-feira, no SXSW.

Em linhas bem simples, a impressão 4D trabalha com a possibilidade de transformação de objetos 3D ao serem estimulados pelo ambiente – por exemplo, através do contato com umidade, com fontes de calor ou até mesmo eletricidade. Yao demonstrou quatro tipos de materiais que podem se transformar por meio de técnicas de impressão 4D: plástico, papel, comida e tecidos, sendo que os dois últimos têm apresentado os mais animadores resultados.

Transformar o formato da comida pode impactar toda a cadeia logística da produção de macarrão, por exemplo, que pode conquistar uma economia de até 67% no transporte – já que empacotar massas na forma plana não só evita quebras como utiliza menos espaço na embalagem.

“Além disso, estamos trabalhando com chefs para entender que tipos de formatos exclusivos podemos criar, que tornem as texturas das massas mais saborosas ou interessantes para o paladar”, relata Yao, que firmou parceria com a Barilla para avançar os estudos na área alimentícia, sob o “codinome” Transformative Appetite.

Na indústria têxtil, tecidos “transformers” estão sendo desenvolvidos em conjunto com a New Balance, criando uma nova linha de roupas “dry fit”, que “abrem escamas” para permitir a evaporação do suor. Assim que o corpo dos atletas resfria e seca, as escamas se fecham novamente, protegendo o corpo.

“Isso é possível porque imprimimos sobre o tecido bactérias que reagem à presença de umidade, movendo a fibra do tecido”, detalhou Yao, ao mesmo tempo em que tranquilizava a audiência ao esclarecer que tais bactérias são utilizadas em alimentos no Japão e não são nem um pouco nocivas à saúde humana.

“Estamos muito focados em Realidade Virtual e Inteligência Artificial, mas eu acredito que temos materiais e realidades físicas que já são muito inteligentes”, provocou Yao, destacando os avanços do seu time, que mescla especialistas de diversas disciplinas.

Para ela, desenvolvimentos tecnológicos como a impressão 4D vão avançar ao incorporar cada vez mais talentos multidisciplinares. “Precisamos saber codificar, mas também compreender conceitos de engenharia de materiais, biologia e química, além de interagir com profissionais da área do design gráfico e da gastronomia”.

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Com insights de Beatriz Lorente, Christian Miguel, Jacqueline Lafloufa e José Saad Neto, de Austin