SXSW EDU: Inteligência Artificial e os desafios da educação imersiva e inclusiva

Festival dedicado à inovação no setor educacional destaca impacto de tecnologias como AI, VR, AR e metaverso na área

A edição 2023 do SXSW EDU, que aconteceu entre os dias 6 e 9 de março em Austin (Texas, EUA), foi marcada pela convergência de diferentes temas que apontaram para a mesma direção: o desafio de educadores, gestores educacionais, estudantes e empresários do setor diante da exponencialidade de tecnologias emergentes como a Inteligência Artificial. 

Enquanto muitos palestrantes apontaram soluções para tornar o ambiente educacional mais diverso e inclusivo, outros analisaram oportunidades e desafios de ferramentas como o ChatGPT dentro das escolas e universidades.

Em mais de 500 sessões pensadas por e para educadores e empreendedores, o festival dividiu o conteúdo em 12 diferentes trilhas temáticas: Accessibility & Inclusion, Arts & Storytelling, Climate Change, Community Initiatives, Emerging Tech, Equity & Justice, Global Initiatives, Health & Wellbeing, Policy & Civic Engagement, Pratique & Pedagogy, Startups & Investments e Work Reimagined.

Logo na sessão de abertura, o SXSW EDU deu o tom da edição deste ano na apresentação de Luma Mufleh, CEO da Fugees Family, Inc, organização que promove a inclusão de crianças e adolescentes refugiados nos EUA por meio do esporte e da educação. “Criamos espaços que acolhem estudantes que tiveram seus planos interrompidos por guerras em países como Afeganistão, Iraque, Bósnia, Congo e Somália. Usamos as redes sociais para nos conectarmos com essas pessoas e, a partir daí, elas passam a reconstruir suas vidas enxergando seu valor social mesmo fora de suas terras de origem”, explicou.

Luma Mufleh, CEO da Fugees Family, Inc / Crédito: SXSW EDU

Na área dedicada à exposição, destaque para soluções baseadas em Inteligência Artificial e realidades mistas. Criada em Austin, sede do festival, a plataforma imersiva StudentVerse tem como objetivo melhorar o envolvimento dos estudantes e combater a queda das taxas de retenção verificada com o ensino tradicional. Para isso, usa um ecossistema baseado no metaverso para atrair e incluir estudantes no sistema educacional, independentemente de sua localização geográfica.

StudentVerse: inclusão e engajamento no metaverso educacional


Inteligência Artificial Conversacional
Na era da Gen AI, educação tem desafio de se reorganizar 

Na esteira do sucesso do ChatGPT, ferramenta baseada em Inteligência Artificial generativa criada pela empresa OpenAI, o SXSW EDU deu amplo destaque ao temaApesar da popularização recente, as IAs generativas têm sido desenvolvidas por cientistas já há algum tempo em uma tentativa de “imitar” o funcionamento do cérebro humano. A intenção era permitir que um algoritmo fosse capaz de acionar e combinar diferentes pontos de informação (chamados de “nós”) para gerar um resultado. Foi assim que foram criadas as “redes neurais”, modelos de aprendizagem de máquina que se inspiram na estrutura e função do cérebro humano de modo a interconectar nós de informação, processá-los e compartilhá-los de maneira compreensiva em um resultado que seja útil, como nosso pensamento.

Dado o contexto, muitos palestrantes debateram o impacto da IA generativa na área. Para Jenny Buccos, CEO da EXPLR Media, consultoria voltada à educação multimídia, o avanço de ferramentas como o ChatGPT é inevitável e cabe ao setor se adaptar ao novo momento. “É preciso formar estudantes já considerando a existência e o uso dessas ferramentas conversacionais. Dessa forma, formular as perguntas completas e avaliá-las pode ser mais importante do que a resposta em si”, analisou.

Na mesma linha, Terah Lyons, pesquisadora do Stanford Institute for Human-Centered Artificial Intelligence, destacou que as avaliações de ensino devem partir de um ponto mais holístico, considerando que estudantes têm acesso à vasta informação e que a tecnologia é capaz de elaborar respostas complexas baseadas em bilhões de parâmetros. “Diversas indústrias se transformam a partir da IA generativa e na educação não será diferente. É hora de rever o ensino e, principalmente, a forma como avaliamos”, analisou.

Terah Lyons: Inteligência Artificial generativa impõe novas abordagens de avaliação / Crédito: SXSW EDU


EdTechs
Empresas avançam e atraem investimentos, mas ainda lidam com resistência no ecossistema mais tradicional

Não são apenas as soluções digitais em educação voltadas para o consumidor final que estão impulsionando o setor de EdTechs. Com o avanço da digitalização nas empresas, muitas companhias estão buscando atualizar continuamente suas equipes. Além disso, o acesso à internet banda larga se popularizou, e as tecnologias para educação a distância se tornaram mais avançadas.

As cifras que movimentam o setor são altas. De acordo com a consultoria GlobalData, fundos de venture capitalinvestiram US$ 183,4 bilhões no setor EdTech globalmente em 2021. Esse movimento segue forte e a projeção para 2026 ultrapassa a casa dos US$ 412 bilhões. 

Empresas do setor buscam formas sustentáveis de reduzir os altos custos de aquisição de clientes. Diante disso, algumas firmas de EdTech estão realizando fusões e aquisições com o objetivo de ganhar escala. 

Na avaliação de Jessica Millstone, diretora-geral da Copper Wire Ventures, o avanço de tecnologias como Inteligência Artificial, VR, AR, Web3 e metaverso permitem que as EdTechs ampliem sua capacidade não apenas de atrair novos clientes como também de retê-los por mais tempo. “Estamos atravessando uma nova fronteira na qual as tecnologias são aliadas para amplificar e incluir mais estudantes nos sistemas de ensino”, avaliou a investidora.

No entanto, o SXSW EDU também destacou que as contratações de soluções EdTechs dentro do setor educacional dito tradicional desaceleraram após a pandemia com o retorno das aulas presenciais e, também, por conta dos orçamentos mais apertados em 2023.


Design Based Learning
Metodologia estimula cocriação e colaboração e se conecta a novos contextos culturais

Apresentado no palco do SXSW EDU pela professora e pesquisadora da Universidade Politécnica da Califórnia Dorren Gehry Nelson, o Design Based Learning é uma abordagem educacional que enfatiza o aprendizado prático. Aplicada desde 1969 e mais conhecida atualmente como maker, a metodologia permite a autoexpressão e soluções criativas de design para problemas relacionados ao conteúdo, abrindo possibilidades para o desenvolvimento socioemocional, a transdisciplinaridade e a tomada de decisões ágeis.

Um dos exemplos práticos de aplicação do método vem de um projeto realizado entre Dorren e seu irmão Frank Gehry, arquiteto responsável por projetar edifícios icônicos como o museu Guggenheim de Bilbao (Espanha). Juntos, eles promoveram, na rede pública de ensino da Califórnia, atividades de planejamento da cidade desejável por crianças. Durante o processo, elas precisam fazer escolhas para incluir casas, ruas, comércio e hospitais, o que fez com que as árvores, que eram a prioridade inicial, ficassem em segundo plano. Ao observar o resultado, os estudantes tomavam consciência da importância de considerar pilares sustentáveis, como o meio ambiente, no processo de cocriação.

Outros métodos baseados na mesma lógica colaborativa pautam algumas frentes em sistemas educacionais em todo o mundo. Porém, segundo Dorren, ainda há muita resistência mesmo depois de 50 anos de aplicações. “Acredito que por conta do conservadorismo dos pais em optar por um método de ensino diferente do que eles próprios experimentaram e consideram bem-sucedido, limitando a inovação educacional”, avaliou a pesquisadora.

Dorren Gehry Nelson, criadora da metodologia Design Bases Learning / Crédito: SXSW EDU


Educação imersiva
Games, metaverso e storyteaching engajam, mas avanço depende de maior inclusão digital

Uma das formas de a escola engajar estudantes em torno do ensino e de causas sociais é adotar o que já faz parte das jornadas de entretenimento deles. Nesse sentido, o game imersivo Roblox apresentou exemplos de projetos que avançam na esteira de sua popularidade. Um deles é o Robo.Co, destinado ao ensino da robótica.

Em apresentação conduzida pela Supercell, criadora dos jogos Clash Royale e Brawl Stars, o SXSW EDU debateu de que forma tornar a aprendizagem tão atraente quanto o entretenimento ao qual as crianças têm acesso. “Existe uma nova leva de EdTechs mirando a gamificação e a educação imersiva, mas ainda há resistência na contratação dessas soluções”, pontuou Deborah Mensah, diretora da empresa.

Na área de exposição do festival, houve predominância de empresas oferecendo soluções baseadas em games, metaverso e programação. Com foco na reformulação de espaços e grades educacionais, a EdFarm, organização baseada no estado norte-americano do Alabama, realiza pesquisas com estudantes para propor soluções às instituições. O foco tem sido programas baseados na linguagem de códigos e na criação de espaços e conteúdo imersivo, a partir do amplo uso de ferramentas digitais.

Ainda no campo que alia educação e entretenimento, o SXSW EDU colocou em pauta o conceito de storyteaching, que alia o ensino às narrativas lúdicas. A empresa que melhor materializa o conceito é a Encantos, plataforma de ensino de histórias que capacita os creators a ajudar as crianças a aprenderem as competências do século XXI. 

A ampliação da educação imersiva depende, no entanto, de inclusão digital. “São tecnologias que dependem de banda larga para funcionar bem. Quem não tem em casa acaba ficando em desvantagem”, pontuou a palestrante Kristin Carothers, diretora de inovação da Morehouse School of Medicine.

Robo.Co: programação no ambiente dos games imersivos


Saúde mental
Ambiente educacional deve ser espaço seguro e atento a sinais de gatilhos emocionais

A pauta sempre foi urgente, mas ganhou novas facetas durante e após a pandemia de Covid-19. A saúde mental transpassa o que acontece no ambiente de ensino, mas ele é um dos locais mais prováveis para os sintomas se manifestarem. Durante o SXSW EDU, o tema foi abordado pela ótica dos educadores, que têm papel fundamental na identificação de possíveis quadros de ansiedade e depressão.


Nesse contexto, a proposta da NaliniKIDS é que centros educacionais unam times multidisciplinares para cuidar do bem-estar dos estudantes por meio de apoio psicológico e atividades físicas. A empresa promove seu propósito por meio de programas de conteúdo em vídeos que podem ser customizados para cada perfil de instituição de ensino, além de atividades presenciais que podem ser replicadas por educadores. 

“Acolhimento psicológico e estímulo ao esporte são grandes aliados no combate à depressão. Se conseguirmos promover ambos dentro das próprias escolas, poderemos minimizar os reflexos negativos da pandemia na saúde mental”, avaliou Rupa Mehta, fundadora da empresa.

NaliniKIDS: acompanhamento psicológico e atividades físicas


Engajamento cívico
O papel da educação no engajamento dos estudantes e na construção de futuros possíveis e sustentáveis

Entre as discussões mais presentes nos palcos e nos bastidores do SXSW EDU esteve o engajamento dos estudantes em causas sociais e ambientais. Para isso, foram apresentados diversos caminhos. Na Universidade de Portland, uma disciplina comum ao ciclo básico de todos os cursos apresenta aos estudantes organizações que atuam em pautas como geração de energia limpa, reciclagem de lixos e políticas de diversidade e inclusão. 

Entre as marcas que se apresentaram no evento, destaque para os programas socioambientais da Patagonia, empresa que atualmente é gerida por um fundo verde responsável por destinar parte do lucro à preservação do meio ambiente. A companhia atua em parceria com diversas escolas estadunidenses na conscientização de estudantes em torno da agenda da emergência climática. “Se não cuidarmos urgentemente do planeta e dos problemas que temos hoje, não adianta falarmos sobre um futuro gerido pela Inteligência Artificial, porque ele pode nem existir”, alertou Ryan Gellert, CEO da Patagonia.