O projeto SXSW Insights 2025 foi desenvolvido a partir da curadoria dos jornalistas e pesquisadores da GoAd Media no South by Southwest, realizado entre 7 e 15 de março, em Austin (Texas, EUA). Palestras, debates, entrevistas e social listening alimentaram a construção das análises que compõem este relatório, que traz temas, ideias, nomes e movimentos exponenciados pelo evento.
Confira, abaixo, os quatro eixos temáticos mapeados pela nossa curadoria:
TECNOPOLÍTICA E NOVOS MODELOS PARA A INTERNET
A atual conjuntura política, econômica e tecnológica dos Estados Unidos influenciou as discussões em Austin. Seja por medo de retaliação ou até mesmo por alinhamento ao governo Trump/Musk, as críticas à entrada das plataformas tech no jogo político estadunidense foram pontuais. Não houve praticamente nenhuma menção às mudanças impostas pelas plataformas neste ano, como o fim das equipes de moderação e checagem de fatos. Uma exceção foi o pesquisador e podcaster Scott Galloway, da New York University, que afirmou que os líderes das grandes empresas de tecnologia fazem parte de um “dominó da covardia”.
Nesse contexto, painéis discutiram novos modelos menos controlados e enviesados para o futuro da internet. Entre eles, o BlueSky propõe uma transformação nas redes sociais ao adotar um protocolo descentralizado e de código aberto, permitindo que a comunidade participe ativamente do desenvolvimento da plataforma. De modo distinto das redes tradicionais, nas quais uma única empresa controla a experiência do usuário, o BlueSky dá autonomia para que desenvolvedores e usuários personalizem feeds, criem seus próprios serviços de moderação e até desenvolvam aplicativos alternativos conectados ao mesmo ecossistema. “O objetivo é focar na liberdade de escolha do usuário e na autonomia do desenvolvedor, para que os usuários tenham opções sobre o que veem e com o que interagem, e os desenvolvedores possam realmente criar sem que nós os atrapalhemos”, explica Jay Graber, CEO da empresa.
Esse modelo democratiza a experiência digital, permitindo que a inovação venha diretamente da comunidade, sem que uma única entidade tenha poder absoluto sobre o funcionamento da rede. Até mesmo empresas podem colaborar, oferecendo filtros algorítmicos especializados. Um veículo jornalístico, por exemplo, poderia criar um algoritmo para consumo de notícias de determinada região, garantindo mais relevância e diversidade na experiência informativa.
No palco do SXSW, Graber usou uma camiseta que fazia referência a uma usada no ano anterior por Mark Zuckerberg, que trazia a frase em latim “ou um Zuck ou nada”, em alusão à máxima “ou um César ou nada”. Já a camiseta da executiva, do mesmo estilo e cor, exibia também em latim a mensagem “um mundo sem Césars”.
ERA DA INCERTEZA – E DA ADAPTAÇÃO
Cenário político turbulento; pressão por adaptação a um contexto econômico e tecnológico em acelerada transformação; e falta de conhecimento sobre o impacto de novas tecnologias nos negócios: tudo isso consolida uma era em que a mudança e a incerteza são as únicas constantes, como destaca a escritora Maggie Jackson, autora de Uncertain: The Wisdom and Wonder of Being Unsure. Na mesma linha, Dan Helfrich, consultor-chefe da Deloitte nos Estados Unidos, aponta que a capacidade de navegar entre disciplinas, combinando conhecimentos distintos, é hoje o diferencial mais valioso para o futuro.
Nesse sentido, a ordem do dia é dissolver fronteiras entre áreas do conhecimento para criar soluções que nenhuma disciplina isolada conseguiria alcançar, como bem analisa a brasileira Gabriela Bilá, pesquisadora do MIT Media Lab. No instituto, os limites entre campos do conhecimento se dissolvem: arquitetos pensam como cientistas, artistas pensam como engenheiros e cientistas pensam como músicos. O que fica latente é que essa habilidade de conectar diferentes campos de saber se tornará essencial à medida que a inteligência artificial (IA) acelerar a obsolescência de competências técnicas específicas.
Afinal, como aponta o estudioso Ian Beacraft, CEO da Signal & Cipher, o tempo de vida útil de uma habilidade técnica (hard skill) caiu de décadas para poucos meses. Nesse panorama, a vantagem competitiva não está em um conhecimento fixo, mas na capacidade de aprender, desaprender e reaprender constantemente. Para o estudioso, a adaptabilidade será o maior ativo do futuro. “A ideia de que você tem uma função específica e nada mais acabou. A ideia é sair dos limites estabelecidos. É como criar um segundo cérebro”, afirma.
Em um mundo cada vez mais dominado pela automação, quem se prende a uma única habilidade pode ser substituído por máquinas mais eficientes. Porém, quem cultiva a adaptabilidade consegue navegar pelas mudanças, criando conexões inesperadas e explorando novos caminhos. Esse tipo de pensamento cria o que o executivo Brendan Bechtel, CEO da segunda maior construtora dos EUA, chama de “escadas” para escapar da “inundação tecnológica”.
Em vez de sermos “afogados” por inovações aceleradas, ampliamos nossa base de conhecimento para navegar melhor nesse cenário. Isso não significa rejeitar a tecnologia, mas, sim, cultivar uma mentalidade aberta ao novo e às conexões improváveis. No fim das contas, a maior segurança para o futuro não será dominar uma habilidade específica, mas desenvolver a flexibilidade para mudar, crescer e conectar diferentes áreas do conhecimento.
PARADOXO DA SOLIDÃO CONECTADA
A pressão por adaptação a um mundo em acelerada transformação e o excesso de hiperconectividade fazem emergir uma epidemia de solidão, na avaliação de diferentes pesquisadores, autores e palestrantes que se apresentaram no SXSW. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que 24% das pessoas do mundo se sentem sozinhas; 20% não têm para quem pedir ajuda se precisar; e 40 horas é o tempo médio de interação social que perdemos nos últimos 20 anos.
O cenário não é totalmente novo e já foi alvo de muitas sessões em edições anteriores do evento, mas ganhou contornos dramáticos este ano. Para a autora e psicanalista Esther Perel, estamos na era da intimidade artificial, que faz com que, mesmo que estejamos presentes fisicamente diante de outra pessoa, nos mostramos ausentes em razão da conexão ininterrupta com interfaces digitais.
De acordo com o pesquisador Scott Galloway, essa crise da falta de conexão é particularmente alarmante entre homens jovens. Ele aponta que esse grupo está cada vez mais isolado, afastando-se do trabalho, da educação e dos relacionamentos e substituindo interações reais por simulacros digitais, como fóruns online, jogos, pornografia e até namoradas virtuais baseadas em IA. O impacto dessa solidão extrema não é apenas individual: homens desconectados tornam-se mais suscetíveis à radicalização, ao consumo de teorias conspiratórias e a comportamentos violentos e destrutivos, além de apresentarem taxas mais altas de vícios, depressão e suicídio.
No encerramento do SXSW, a agenda ganhou ainda mais peso com a presença da ex-primeira-dama dos EUA Michelle Obama, que, ao lado do irmão e técnico de basquete Craig Robinson, subiu ao palco para gravar um episódio do seu novo podcast, IMO. Eles discorreram sobre a importância de manter conexões ativas, conversar sobre possíveis vulnerabilidades e, principalmente, entender que as redes sociais não são o melhor reflexo do mundo real. “Para mim, para Craig e para nossas famílias, sempre tentamos sair da nossa solidão e conversar, como família e comunidade, para compartilhar essas preocupações”, diz Michelle.
SAÚDE SOCIAL E POTÊNCIA DAS COMUNIDADES
Assim como a saúde mental e a saúde física são essenciais para uma vida com qualidade, a saúde social vem ganhando destaque como o terceiro pilar da chamada saúde integrada. Segundo a cientista e especialista em conexões humanas Kasley Killam, a saúde social se relaciona com a capacidade de interação e conexão entre as pessoas, tornando-se um aspecto crucial para o bem-estar coletivo.
Nos Estados Unidos, essa discussão se intensificou diante da epidemia de solidão, levando especialistas a considerar soluções que vão desde prescrições médicas para interação social até o desenvolvimento de tecnologias voltadas à conexão humana. Killam propõe a ideia de uma “economia da saúde social”, na qual setores como saúde, tecnologia, trabalho e educação passem a incorporar práticas que incentivem a socialização.
Como resposta, algumas iniciativas americanas sugerem soluções dentro do ambiente de trabalho – criando rituais de socialização corporativa, por exemplo – ou por meio de cursos formais que ensinem jovens a interagir socialmente. No entanto, essa perspectiva pode ser problemática, pois mistura a esfera profissional com a pessoal, transformando o local de trabalho em um substituto para a vida social.
Além disso, a abordagem de transformar a falta de interação em uma “economia da conexão” levanta preocupações. Isso porque, ao transformar o vínculo humano em um mercado, há o risco de que a socialização seja tratada como mais um serviço pago: imagine o potencial de surgimento de clubes de assinatura para interação ou de modelos comerciais que lucram com a solidão. Essa perspectiva pode reforçar a ideia de que o problema da desconexão só será resolvido se houver um interesse mercadológico como saída, o que pode desvalorizar iniciativas espontâneas e comunitárias voltadas à construção de laços sociais genuínos.
Em contextos desafiadores como os atuais, o SXSW destacou ainda a importância de voltar-se para as comunidades do nosso entorno, cuidar de quem se ama e estabelecer conexões significativas com as pessoas. Só assim será possível criar espaços seguros para divergir e convergir e, dessa forma, tornar-se um agente de mudanças reais.