Stéphane Hugon: “Digital não é ferramenta; é cultura”

Sociólogo francês fala sobre aproximação entre academia e mercado e explica por que que as ciências são essenciais para tornar os negócios sustentáveis

O marketing está se aproximando cada vez mais das bases filosóficas e sociológicas da universidade para dialogar com o público. A intersecção entre os conhecimentos da academia e de mercado tem explicação: a tecnologia trouxe profundas mudanças no comportamento e na forma como a sociedade corresponde às mensagens, daí a busca por dados qualitativos. Para falar sobre este assunto, conversamos com o sociólogo Stéphane Hugon, membro do Ceaq – Centro de Pesquisa sobre o Imaginário e o Cotidiano na Sorbonne de Paris – e fundador do Instituto Eranos (*).

A entrevista aconteceu durante a participação dele no Seminário Redes digitais e Tecnologia para Sustentabilidade, organizado em conjunto pelo centro de pesquisa  internacional  Sostenibilia de la Sapienza Universitá di Roma e pelo Instituto Toposofia, de Roma, duas instituições que têm o Prof. Dr. Massimo Di Felice, da Universidade de São Paulo (USP), como fundador e diretor científico.

Confira os principais trechos da entrevista com Stéphane Hugon:

Digital é cultura

“O digital é o jeito com o qual as pessoas se engajam e interagem uns com os outros e ‘empodera’ as relações que já estão prontas. Nos primórdios da internet, as companhias de mídia é que investiram no desenvolvimento do meio. Eram produtores e queriam novos canais para distribuir conteúdo, pois acreditavam que audiência iria consumir da internet exatamente do mesmo jeito que eles estavam acostumados com a televisão e rádio. Eles estavam errados. A internet sempre foi 2.0 e o choque só aconteceu mesmo quando surgiu a social media e o Facebook. O que chamamos de “social internet”, muito importante para essa nova geração, se tornou o que há de mais valioso nesse ambiente. Hoje é a televisão que está batendo na porta da internet, querendo produzir juntos. Esta organização em que usuários estão gerando conteúdo, especialmente entre os mais jovens, construindo confiança, lutando contra as autoridades e se aproximando uns dos outros, se tornou o novo valor da internet.”

De volta à base acadêmica

“Quando criamos o Eranos em 2005, a cultura digital estava emergindo na Europa e amadurecendo. O digital ficava cada vez mais natural e criando massa crítica, indo além do fato de ser tecnologia. Tornando-se algo da cultura popular e que estava definindo completamente a maneira como as pessoas consumiam. Mas as ferramentas clássicas não eram capazes de avaliar o que estava acontecendo nesta nova sociedade aberta, então a sociologia e os dados qualitativos se tornaram relevantes para analisar esse início de mudança de comportamento. Naquela época, durante uma conferência em Paris sobre publicidade com a participação de grandes grupos de comunicação, falei que o futuro seria uma relação diretamente dos consumidores com as marcas. No entanto, percebi que eles ainda estavam completamente fascinados apenas pelo jeito deles de trabalhar e acreditavam que o trabalho deles não ia mudar.”

O diálogo entre marcas e pessoas

“No passado o consumidor era submisso e tinha até medo de entrar nos shoppings porque eram bombardeados por marcas. Entretanto, as novas gerações desafiam as marcas, sobretudo no setor de luxo. Veja grifes icônicas como Chanel e Dior, acostumadas a venderem para pessoas acima de 35 anos e agora têm o desafio de cativar esse novo público a partir dos 20 anos. Os jovens chegaram e estão modificando a marca, dizendo o que eles devem fazer com as peças das coleções. O público compra as roupas e acaba fazendo colagens, novos gestos e associações ou combinações que não parecem fazer sentido, reconstruindo o estilo das grifes. Colocando um tênis com uma bolsa de festa. Ou seja, o consumidor toma parte da criação, o usuário se torna um criativo e parte do processo do desenvolvimento. E se eles modificam ou invertem o jeito que usam as peças, as mensagens também devem ser modificadas.”

Comunicação e mensagens

“Se trabalhasse diretamente com publicidade, em um primeiro momento me dedicaria a ver como o consumidor está olhando para a marca. Observar, entender e codificar o comportamento do consumidor e só então, fazer conteúdo de marca. Se antes as agências manipulavam o processo criativo, hoje acabou. Agora é preciso aprender com os gestos e estilo criado pelas usuários e depois disso desenhar uma mensagem e uma experiência. Não que isso seja completamente novo, porque nos anos 80 já começamos a perceber que o consumidor está no comando.”

Frentes diversas

“Dentro de uma estrutura de marketing e agências, novas vagas devem surgir para serem preenchidas, por exemplo, o consumer insights, o consumer data, os sociólogos, os que usam dados qualitativos entender o mercado. Quando nós, entramos nesse mercado, eram dois mundos estranhos, mas eles precisavam do conhecimento acadêmico para identificar quem eram os consumidores. Já fizemos um trabalho para Pernod Ricard em que durante três anos o nosso papel era o de observar as situações de convivência das pessoas que consumiam as bebidas, e quais bebidas para cada situação. Isso foi muito importante não para criar valor, mas para criar inteligência em cima da marca. Para fazer esse trabalho é preciso juntar pessoas de marketing, mas também sociólogos e antropólogos para entender os códigos comportamentais. Essa diversidade de conhecimento é importante. Reunir acadêmicos, pesquisadores, profissionais e até mesmo culturas de outros países para entender quem é o consumidor.”

O líder do presente

“A morte de um líder é a consciência de um jogador metamorfose. Estamos tão centrados na figura de uma só pessoa, um salvador para seguir que esquecemos de refletir, porque somos fascinados pelo elemento primário ou pelos pequenos elementos de uma corporação. O líder tem que ser um conector, um mediador, bom líder tem que ser feito e formado, ele tem que gerar confiança apenas pela sua disponibilidade. Tenho notado nos eventos que sou convidado para debater, que o famoso discurso do presidente se tornou menor e o tempo dado a expressão dos convidados está aumentando. Quando você não fala, não significa que você não é poderoso, pois existe outra forma de mostrar poder. Como dizia meu colega, Michel Mafezzoli, há uma diferença e um balanço atualmente vindo de duas expressões de poder. Por um lado temos expressão do poder do “Pai”, vindo de cima e agora cresce o poder da presença do grupo, da comunidade e da sociedade. E a mudança do poder, da mais espaço para as mulheres.”

A figura do herói

“Estamos fascinados há 200 anos pelo herói. Podemos ver revolução da jornada do herói fazendo um comparativo com o astro John Wayne (“No Tempo das Diligências” em 1939) , até Harry Potter. Quando o jovem bruxo apareceu em meados dos anos 90, provocou uma grande mudança nessa figura, pois Harry Potter não era o macho alfa, forte e musculoso, como os heróis anteriores. Ele era um pouco tímido, tinha algumas qualidades de mulher, sabia truques de mágica e mesmo não sendo o que se esperava, ganhou legitimidade. legitimidade. Se a gente observar as séries de TV, depois dos anos 80 os heróis são mais de um personagem. A figura do homem solitário que conseguiu poder e salvou o mundo foi finalmente desaparecendo, era um mito dos anos 60.”

O novo ‘homo’

“Agora quem ganha a atenção é o homem mais conectado, seja com objetos, animais, com outras pessoas, com uma imaginação mais aguçada. Esse tema da imaginação é muito interessante, pois significa que o herói, assim como um líder, não pode ser sozinho. É preciso se conectar com outros, se modificar, tem que estar alinhados com os elementos como água, terra, e ar. Em termos de storytelling, ganhou uma nova direção, por isso, até mesmo nas políticas, a nova forma de uma liderança não é apenas de uma pessoa, é um time.

Nova economia

“Os contratos de trabalhos por muitos anos foram a garantia dos profissionais, mas hoje, as pessoas ficam entediadas ao pensarem que pelos próximos anos terão que fazer a mesma coisa, sabendo exatamente quanto vão ganhar. Para serem atraentes de novo, as empresas precisam mudar a relação com as pessoas, do mesmo jeito que mudam com o consumidor. Qual história elas vão contar? O que vão propor? É importante trabalhar no storytelling, criar experiências reais de interação. E as pessoas precisam entender que o novo modelo empreendedor não funciona para todos, depende da personalidade, das habilidades, do networking de cada um e da idade. Mas para muitas pessoas, isso significa criar oportunidades para si.”

*A Eranos foi fundada em 2005 e realiza pesquisas de porte internacional sobre a mudança do imaginário, do consumo e das apropriações da tecnologia na sociedade e no mercado contemporâneos, em um trabalho focado nas alterações de comportamento e dos laços sociais no âmbito das mudanças tecnológicas digitais. A empresa foi fundada em 2005 como uma extensão do projeto de pesquisa de doutorado que Stéphane Hugon estava desenvolvendo na Universidade Sorbonne, dirigido pelo prof. emérito Michel Maffesoli.