Performance, propósito, integração e outros temas que guiam o novo marketing

Identificamos sete tendências que já vêm pautando iniciativas do setor e se tornam urgentes e inevitáveis neste ano

Para identificar os temas prioritários para os líderes de marketing em 2020, entrevistamos 50 líderes do setor e selecionamos insights dos principais festivais de comunicação e marketing realizados no ano passado – tanto no mercado nacional como internacional.

A partir dessa curadoria, apresentamos sete tendências que já vêm pautando iniciativas do setor e se tornam urgentes neste ano, diante  do novo perfil de consumo e das inéditas expectativas e responsabilidades que se impõem às empresas.

1. Personalização e performance

Em meio à enxurrada de informação e de anúncios a que as pessoas são submetidas atualmente, cresce o desafio das marcas para ganhar a atenção dos clientes – que têm, inclusive, a chance de bloquear anúncios. “Por isso, temos que emitir uma mensagem tão relevante que justifique a ‘invasão’ da publicidade na vida
do consumidor”, diz Leonardo Romero, diretor de marketing da Procter & Gamble no Brasil.

Isso implica em conhecer cada vez melhor as pessoas e investir em uma comunicação extremamente personalizada e precisa. “Acredito que o caminho é se posicionar de maneira efetiva e segmentada. Para a campanha do S10, por exemplo, nos conectamos especificamente com o homem do campo”, afirma Hermann Mahnke, diretor-executivo de marketing da GM América do Sul.

Essa comunicação, inclusive, vai sendo monitorada e ajustada de acordo com o perfil do cliente com que a marca quer estabelecer uma conexão. “Vamos ouvindo o consumidor durante todo o processo. No caso do Rock in Rio, por exemplo, em que fizemos quatro filmes, um para cada perfil, queríamos entender como o público estava reagindo. A comunicação é uma via de mão dupla, e precisamos compreender esse consumidor, dialogar com ele”, destaca Vanessa Brandão, diretora de marketing da Heineken no Brasil.

Só dá para oferecer experiências personalizadas, ou hiperpersonalizadas, como exige o mercado, investindo e aperfeiçoando continuamente a coleta e análise de dados. Isso implica no desenvolvimento de novas competências e habilidades para quem atua em marketing e mídia. E quem não estiver afiado nessa área vai ter de se ajustar em 2020.

Profissionais de mídia, por exemplo, precisarão se tornar cientistas de dados e, de fato, possuir o DNA de tecnologia. “Antigamente, eles apenas liam números de institutos como Ibope e Kantar. Agora, têm que aprender novas noções, como mídia programática e leilões de anúncios”, afirma Alessandro Cosin, CEO da Cosin Consulting.

Muitas empresas, no entanto, ainda enfrentam grandes desafios para se adaptar a essa nova realidade. “De maturidade digital o mercado não tem nada”, declara Marcelo Tripoli, vice-presidente de marketing digital na McKinsey. “Os responsáveis pelos departamentos de marketing precisam efetivamente entender o mundo digital. Eles precisam saber mexer nos produtos a que têm acesso. As ferramentas existem. As equipes (e seus líderes) é que ainda não sabem como utilizá-las”, alerta Tripoli.

Segundo um recente levantamento da Talenses, empresa de recrutamento, os profissionais mais procurados nas empresas que estão passando por processos de transformação digital são os que atuam em interfaces do marketing: analistas de dados/marketing, cientistas de dados e especialistas em experiência do consumidor.

2. Transparência e confiança

Pesquisa realizada pela Adobe e apresentada no DM.exco 2019 apontou a transparência e a gestão ética de dados pessoaisdos clientes como dois dos maiores desafios para o marketing. Não por acaso, esse tema marcou forte presença nos principais festivais de comunicação e inovação do ano. E é uma cobrança que deve se intensificar em 2020 com a Lei Geral da Proteção de Dados (LGPD), que passa a vigorar em agosto no Brasil.

“A natureza dinâmica e transformadora do mercado digital não nos permite trabalhar com os modelos até agora praticados. Precisamos rever questões de segurança de informações, de tratamento dos dados das pessoas, de relações comerciais entre as empresas, e, a partir disso, construir nosso futuro com um propósito coletivo, baseado em confiança”, defende Dominik Matyka, chief advisor officer do DM.exco.

A palavra-chave aqui é confiança. As pessoas precisam saber exatamente para que os seus dados estão sendo coletados, concordar com esses termos e ter segurança de que o
que foi prometido pelas empresas está sendo cumprido. A responsabilidade das empresas nesse sentido se estende aos seus fornecedores e às plataformas de redes sociais.

“Se somos parceiros de negócios de uma plataforma que usa os dados das pessoas de forma indevida, também somos responsáveis por isso. Hoje, a responsabilidade vai muito além dos nossos produtos”, analisou Jolanda Schwirtz, da Nestlé, no DM.exco 2019.

3. Propósito e cidadania

A questão do propósito não é novidade, mas se tornou mais importante.
É preciso deixar clara a visão de mundo da marca, posicionando-se sobre questões sociais, ambientais e, em alguns casos, políticas. É necessário ser transparente sobre seus processos de produção. E não apenas falar, mas efetivamente agir.

Mais poderosos e seletivos, os consumidores hoje mapeiam as empresas não apenas com interesse em comprar algo. “Eles querem saber se as empresas das quais consomem produtos e serviços impactam a sociedade positivamente. Existe uma cobrança maior por posicionamentos”, diz Loraine Ricino, diretora de marketing da Gol.

“Se buscamos um futuro melhor, temos de ser mais conscientes”, reforça Danielle Crahim, gerente sênior de marketing do Mercado Livre, que patrocinou a transmissão da Parada LGBT no YouTube e criou a categoria de sustentáveis em 2019.

Para algumas companhias, um meio de comunicar valores da marca é lançar projetos de branded content. “Devemos aumentar investimentos em conteúdo em 2020”, conta Ricardo Wolff, vice-presidente de estratégia e marketing da Johnson&Johnson, que, em 2019, em parceria com a Fox, lançou o documentário Nosso Sangue, Nosso Corpo, sobre menstruação e empoderamento feminino.

Em 2020, a ideia de se definir propósito e abraçar causas, com todos os riscos que isso pode representar, continua mandatória. Mas as empresas e os CMOs precisarão dar um passo além e agirem efetivamente como cidadãos – com os direitos e deveres que isso implica.

Com sua força de comunicação, as marcas devem liderar um movimento para criar uma sociedade mais esclarecida. A partir do entendimento sobre seu papel no mundo, elas dialogam e, mais que isso, agem para criar valor para toda a cadeia, não apenas para os acionistas. A ideia de se fazer algo bonito e que renda oportunidades de narrativas e storytelling não é mais suficiente. É hora de ação, de promover mudanças efetivas, de inspirar e engajar uma sociedade que carece de referências positivas e atitudes transformadoras.

“Por muito tempo, muita coisa foi permitida na publicidade. Hoje, é questão
de sobrevivência ter um discurso honesto e responsável com o que a marca comunica. Só comunicar o que for entregar. E, para isso, precisamos ter relevância com encantamento, ou seja, agir de forma inusitada para se destacar na multidão”, diz Patricia Mascagni, diretora de marketing da Visa.

4. Tecnologia criativa e humanizada

Ao longo do tempo, a criatividade foi perdendo importância, com o mercado olhando principalmente para a tecnologia e a performance. Mas hoje se percebe uma revalorização das grandes ideias,
sem perder o foco nos resultados. É o que destaca Juliana Cury, superintendente de marketing do Itaú. “Vejo um back to basics, com o uso da tecnologia e da informação para formatar produtos mais robustos. Não é mais a criatividade baseada só em feeling”, afirma.

Um exemplo de tecnologia a serviço da criatividade vem da Visa, onde existe um centro de inovação há três anos, que busca compreender melhor as necessidades das pessoas e apresentar inventivas e eficientes soluções para essas demandas. “Queremos ser mais relevantes e mais prazerosos”, diz Patricia Mascagni, diretora de marketing da empresa.

Nesse contexto, é preciso ter no radar as novas interfaces devoz, como Google Home e Alexa, dispositivos poderosos quando falamos em tecnologia humanizada. A popularização desses devices impulsiona ainda mais o crescimento dos podcasts, que representam uma grande oportunidade para as marcas dialogarem com as pessoas de forma menos invasiva do que na publicidade tradicional.

Estudo encomendado pela BBC e divulgado em setembro de 2019 aponta que branded podcasts aumentam o engajamento dos clientes com relação às marcas, por se assemelharem a uma conversa e gerarem mais intimidade. O relatório também reforça a capacidade de, por meio desse tipo de produto, as marcas chegarem às pessoas em situações que a comunicação tradicional não permitiria.

Essas iniciativas só são bem-sucedidas, no entanto, quando se oferece conteúdo relevante para as pessoas e se promove experiências baseadas em empatia. Ao mesmo tempo em que os consumidores incorporam novas tecnologias ao cotidiano – como os dispositivos de voz –, há uma resistência ao uso excessivo dessas ferramentas e à impessoalidade de determinadas interações digitais.

Loraine Ricino, da Gol, enfatiza que as pessoas estão dando cada vez mais valor às conexões humanas. E isso representa ao mesmo tempo um desafio e uma oportunidade para as marcas. “Estamos em busca de conexões que nos ajudem a nos sentir mais ‘humanos’ novamente”, afirma.

5. Influência e conteúdo

Em um momento de grande dificuldade
para se capturar a atenção das pessoas, compreender as narrativas que possibilitam isso será uma capacidade fundamental
para o CMO. Para construir grupos de reverberação positiva, é necessário construir pertencimento. Marcas e agências precisam ser mais capazes de decodificar comunidades sociais, compreendendo como acessar e ter trânsito livre em grupos de influência para poder distribuir boas e tocantes histórias.

Nesse sentido, existe um amplo cenário para se contar coisas com mais profundidade
e contextualização. As marcas precisarão
de visão editorial para entender o que está acontecendo no mundo. E não apenas entrar nas conversas, o que é default, mas antecipar- se a elas e propor algumas discussões.

A linha que divide a publicidade do jornalismo, onde supostamente habita o que se chama de branded content, nunca foi tão tênue, o que se reflete na ruptura de formatos tradicionais e no surgimento de novas possibilidades de narrativas. É hora de ser mais publisher e menos advertiser, de valorizar as conexões humanas em vez de produtos, e de ser, enfim, mais conteúdo e menos marca.

Para Eduardo Bicudo, CEO da Dentsu Aegis Network (DAN) no Brasil, o conteúdo se torna a “cola” entre os diversos aspectos do marketing, assumindo um papel importantíssimo para as empresas. “Diálogos contextuais se tornam o grande amálgama das marcas”, diz o executivo.

6. Integração de expertises

Trabalhar com equipes multidisciplinares, com o marketing atuando como maestro, é uma tendência estratégica e crucial para o setor. Em algumas empresas, fala-se em squad, como mencionamos no início deste paper. Unem-se times de marketing, finanças, branding, growth e até especialistas em marcos regulatórios.

Na Grow, o marketing é um organismo plural. “Contamos com publicitários, administradores, engenheiros, arquitetos, designers, jornalistas, produtores de audiovisual… Essa amplitude é essencial para desenvolvermos conexões verdadeiras com os usuários”, diz Lívia Barreto, head global de marketing da empresa.

Integrar on e off, ainda que soe antigo, também é necessário. O Mercado Livre ficou três anos fora da mídia off-line e retornou
à TV para expandir ainda mais suas mensagens. Seus esforços visam ampliar a integração, com uma equipe interna comprando mídia on-line, e sua agência, a Gut, comprando o off-line.

7. Novo valor da agência

A relação entre agências e clientes já vem se modificando e esse processo deve se intensificar no próximo ano. O modelo de remuneração estabelecido no mercado tende a sofrer mais mudanças, com uma dependência ainda menor do modelo de bonificação por volume (BV). Mas as novidades vão além disso em 2020, ano em que haverá uma grande revisão sobre o papel da agência nessa cadeia.

Estruturas in-house tendem a ganhar mais espaço, atuando em parceria com fornecedores externos em modelos híbridos que aproveitem o melhor dos dois mundos. O marketing de performance será feito dentro de casa e, por outro lado, as agências atuarão de forma mais estratégica e consultiva, recomendando caminhos aos clientes.

Com a profusão de trabalho internalizado, as agências tendem a
se tornar estruturas mais enxutas em 2020, e o cliente passará a trabalhar com um número menor de parceiros de comunicação, com redução da fragmentação da verba e concentração para gerar mais consistência e resultados na comunicação.

Para se ter ideia do que os anunciantes esperam das agências, o Programmatic I/O 2019 realizou, em parceria com a eConsulting, uma pesquisa com 500 anunciantes norte-americanos. Os resultados revelam um anseio grande por parte do anunciante para que a agência seja uma parceria de negócios capaz de gerenciar parceiros de tecnologia e ajudar a empresa a maximizar resultados.

Confira o estudo completo: Marketing Insights 2020.