O bilionário potencial da Cannabis

Impulsionado pela legalização em países como EUA e Canadá, consumo da maconha vem se tornando cada vez mais natural, e deve movimentar 200 bilhões de dólares dentro de cinco anos

Produtos derivados da Cannabis foram considerados essenciais em algumas regiões dos Estados Unidos durante a pandemia de Covid-19, o que permitiu que os dispensários continuassem funcionando no período de isolamento social – assim como supermercados e farmácias, por exemplo.

Esse é mais um sinal de como a matéria prima da maconha vem sendo naturalizada no mercado norte-americano, onde o consumo é legalizado na maioria dos estados –  no Brasil, o cultivo e o uso recreativo ainda são proibidos, mas a Anvisa aprovou recentemente a venda de produtos à base de Cannabis com fins medicinais.

A expansão e transformação desse mercado seria um dos principais temas do SXSW 2020, que foi cancelado devido ao novo coronavírus. Para acompanhar as inovações no setor, assim como oportunidades e desafios para as marcas, conversamos com speakers que se apresentariam no festival, trazendo insights e números fresquinhos sobre essa indústria.

O novo normal

Segundo o Marijuana Business Factbook 2019, o mercado canábico norte-americano representa mais de 20 bilhões de dólares, considerando apenas as compras feitas de forma regular. Fundos de investimento estimam que, dentro de cinco anos, o setor movimentará globalmente cerca de 200 bilhões de dólares, incluindo produtos derivados da Cannabis natural ou de canabionóides sintéticos.

Para além da venda da erva para consumo “in natura” (por meio de cigarros, vaporizadores ou alimentos), têm surgido várias novidades entre os produtos industrializados, como cremes e sais de banho com efeitos relaxantes; bebidas e chocolates com infusão de CBD, canabinóide sem efeito psicoativo; e até mesmo lubrificantes com THC (canabinóide psico-ativador).

Esse fenômeno é resultado direto os esforços feitos pelos ativistas da Cannabis nas últimas décadas, defendendo o consumo medicinal e recreativo da planta e seus derivados. Já se avançou muito, mas ainda há vários desafios pela frente. Por mais que a Cannabis hoje represente um insumo capaz de gerar empregos e circular bilhões de dólares na economia global, seu cultivo e consumo ainda é ilegal em boa parte do planeta.

Entre as restrições impostas ao setor estão desde entraves bancários (algumas instituições não abrem contas para dispensários) até desafios de marketing e logísticos (empresas do setor não podem usar redes sociais para divulgação e têm dificuldade em despachar os produtos via e-commerce).

Cultura de nichos

Para Narbé Alexandrian, CEO do Canopy Rivers, fundo de venture capital especializado em negócios da Cannabis, o estigma da maconha é um problema de curto prazo, que tende a diminuir nos próximos 2 a 5 anos. “O fim da proibição da Cannabis em várias localidades é inexorável”, afirma.

Com a legalização, a expectativa do executivo é que aconteça uma “liberação” do mercado, que ainda se encontra preso em restrições legais, o que vai atrair grandes investidores institucionais, se sentindo mais seguros para investir em negócios da Cannabis. “Isso vai aumentar a competitividade do setor, e também valorizar as marcas canábicas que já estiverem no mercado”, prevê.

Segundo Alexandrian, hoje os negócios da Cannabis vivem uma situação análoga à que o mercado de tecnologia experimentou em um passado não muito distante: são empresas pequenas, que ainda têm dificuldades de serem “explicadas” no mercado, mas que têm grande tração e alto potencial de crescimento.

Canopy Rivers estima que o mercado global para produtos canábicos pode chegar a 200 bilhões de dólares dentro de cinco anos. No vídeo acima, a empresa aponta 10 previsões para o setor em 2020


Para conseguir acessar esse enorme mercado que deverá surgir, o conselho de Alexandrian é que os empreendedores da Cannabis apliquem as mesmas estratégias usadas pelas empresas de bens de consumo embalados (CPG, ou Consumer Packaged Goods): apostar em um determinado nicho para alcançar o sucesso.

O CEO da Canopy Rivers indica duas principais vias de ação: apostar em um nicho premium ou em um nicho massificado –  atuar nos dois flancos pode causar confusão entre os clientes e enfraquecer a marca. “Se conseguirem dados sobre o que os consumidores querem e atenderem a essas demandas, as novas marcas de Cannabis terão a chance de navegar por um oceano azul de oportunidades, sejam elas premium ou massificadas”, defende Alexandrian.

Cannabis Premium
Produtos com unidades limitadas, alto valor agregado e alto custo, como mostram os exemplos a seguir.

. Edições topo de linha de bebidas de Cannabis, que cresceram suas receitas em cerca de 10% em 2018, segundo a Distilled Spirits Council.

. Strains especiais de Cannabis, que são capazes de convencer 43% dos consumidores a pagar mais por elas.

Cannabis Massificada
Produtos com vendas em alto volume, preços baixos e baixo custo de produção.

. Nesse caso, o preço é o fator mais importante para a escolha do consumidor.

. Na Califórnia, produtos pré-enrolados que são campeões de vendas estão entre os mais baratos do mercado – como House Weed e Eighth Brother.

Ondas de inovação e crescimento

Há quase uma década Cassandra Farrington acompanha esse mercado de perto, como fundadora da MjBizDaily, mídia especializada na cobertura dos negócios da Cannabis. Ela também acredita que a Cannabis será como qualquer outro CPG, como prevê Narbe Alexandrian.

“O formato CPG ajuda a diminuir o estigma”, explica Farrington, lembrando que os produtos derivados da Cannabis poderão ser, em algum momento, vistos da mesma forma que um produto refinado, “como se fosse um novo Chardonnay” – referência ao livro The New Chardonnay: The Unlikely Story of How Marijuana Went Mainstream, de Heather Cabbot (Penguim Random House, 2020).

A tendência é que a Cannabis passe a ser vista como um produto fino para o relaxamento, algo como um novo Chardonnay. Os produtos de prateleira (CPGs) vão empacotar a Cannabis de forma a distanciar o produto da sua imagem de droga perigosa.

Farrington, no entanto, têm uma visão mais holística desse cenário. Para ela, as influências da Cannabis vão muito além das prateleiras dos supermercados, e uma série de outros setores serão afetados. “É algo muito mais revolucionário”, afirma.

Fazendo um paralelo com as transformações causadas pelo desenvolvimento da tecnologia, Farrington acredita que os negócios da Cannabis também causarão efeitos “em onda” em todo o mercado, influenciando indústrias como a da construção civil e da engenharia de materiais.

Como exemplo, podemos citar o HempCrete, um tipo de concreto feito com a parte interna do caule do cânhamo, um dos tipos de Cannabis com baixíssimo efeito psicoativo, e o HempPlastic, plástico que têm uma parcela de petróleo reduzida ao ser substituída por ingredientes vindos do cânhamo.

Farrington acredita que não é preciso ter pressa para se envolver nos negócios com a Cannabis, pois a planta vai criar uma grande “oportunidade verde”, que virá em diversas ondas. “Não será uma única onda enorme, que você precisa aproveitar logo. Esse mercado vai se desenvolver em diversas fases, durante um longo período de tempo, com um gradativo envolvimento de novos setores do mercado ”, afirma.

TAKE AWAYS

.   Fundos de investimento estimam que, dentro de cinco anos, a Cannabis movimentará globalmente cerca de 200 bilhões de dólares.

. A Cannabis será um produto de prateleira como qualquer outro bem de consumo, se distanciando da imagem de ilegalidade.

. A estratégia comum de CPG funciona também para os produtos canábicos: é preciso escolher um nicho, premium ou massificado. Atuar nos dois flancos pode causar confusão e enfraquecer a marca.

. Essas estratégias devem se basear em robustas análises de dados, que ajudem a compreender os perfis e as demandas dos consumidores.

. Para além dos CPGs, a Cannabis deve impactar indústrias diversas, como a construção civil e a engenharia de materiais.

. O mercado em torno da Cannabis deve se desenvolver em ondas, durante um longo período de tempo – de maneira semelhante ao que tem acontecido com a indústria da tecnologia.