A pandemia de Covid-19 acelerou o processo de revisão de modelos econômicos iniciado após a crise financeira de 2008. O aprofundamento das desigualdades colocou todo o sistema em xeque, demandando uma abordagem que promova mais diversidade, igualdade e inclusão. Isso deve incluir mercados regidos pela ética e com oportunidades para os pequenos empreendedores, organizações focadas em pessoas e comunidades, além de iniciativas que ajudem a decifrar contextos cada vez mais complexos.
Foi essa a principal mensagem do SXSW 2021 na trilha temática “Renascimento dos Negócios”. O festival foi realizado pela primeira vez de forma exclusivamente virtual, entre os dias 16 e 20 de março. A partir da curadoria dos jornalistas e pesquisadores da rede GoAd Media, apontamos tendências e movimentos exponenciados pelo evento, em formato de White Paper e Webinars (que podem ser contratados para apresentações exclusivas).
Na análise a seguir, realizada com oferecimento do UOL AD_LAB e apoio da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), apresentamos os principais insights do festival sobre a reconfiguração do capitalismo e a reconstrução da economia global.
Ativismo no setor de cannabis
Práticas monopolistas, ética nos negócios, respeito ao consumidor e ao meio ambiente foram temas que permearam as discussões ao longo do festival. A aposta, agora, é em modelos de negócios que subvertem – ou, ao menos, contornam – o business as usual, graças à criatividade e à perseverança de pequenos empreendedores e ativistas. Uma mudança que vem de baixo para cima, mas não há como saber ainda onde vai dar.
Os interesses em torno da cannabis, apontada como a próxima grande indústria global, ilustram bem a encruzilhada onde negócios tradicionais e inovadores se encontram e se chocam. Por se tratar de um mercado emergente, ainda sujeito a regulamentações e normatizações, há muita coisa por definir, dos métodos de produção e comercialização à distribuição e ao marketing.
É nesse estágio inicial que se abre a janela de oportunidade para consumidores, pequenos investidores e empresários de todas as classes e cores influenciarem o futuro dessa indústria. O temor é de que grandes corporações monopolizem esse mercado, como já começa a acontecer na Flórida. A proposta dos ativistas é usar os negócios legais da cannabis para construir uma cultura de inclusão e uma economia baseada no compartilhamento, incorporando sustentabilidade, diversidade, ativismo e justiça social.
O músico e empreendedor Willie Nelson foi um dos keynote speakers do SXSW 2021, no qual abordou, entre outras coisas, sua trajetória como empreendedor no setor de cannabis, com as marcas Willie’s Reserve e Willie’s Remedy. Defensor da descriminalização da maconha, ele vê com otimismo os avanços nesse sentido nos Estados Unidos, onde cada vez mais estados vêm legalizando o seu uso.
Cultura de comunidades
O papel do community manager está bem estabelecido nas redes sociais. Mas o conceito de comunidade – virtual e real – ganhou mais força como reação às restrições impostas pela Covid-19. Sem poder ir à academia, encontrar os amigos ou ir às compras para espairecer, as pessoas buscam apoio em grupos de interesses comuns ou de ajuda mútua. As empresas que conseguiram fazer essa leitura indicam o caminho a ser seguido.
Uma referência de organização que trabalha bem a cultura de comunidades é a NBA, dos Estados Unidos. Um dos mais recentes projetos da liga de basquete é o NBA Top Shot, que explora a tendência dos tokens não fungíveis (NFTs) e oferece uma série de momentos e jogadas para serem colecionados virtualmente pelos fãs.
Mais poder para os usuários
A forma como as corporações acessam os dados das pessoas e lucram com isso ainda é pouco transparente e, na maioria das vezes, injusta com os usuários – boa parte nem entende como suas informações são compartilhadas e muito menos receber algo em troca.
Alguns empreendedores vêm buscando estabelecer relações mais claras e dar mais poder às pessoas sobre seus dados. É o caso da Streamlytics, que desenvolveu um algoritmo para monitorar o comportamento de clientes de serviços de streaming e estabeleceu um valor para esses dados, oferecendo aos usuários a possibilidade de comercializá-los de forma anônima.
A startup se encarrega da intermediação com as empresas que compram as informações e do pagamento aos usuários. O que impede o avanço mais rápido desse modelo é a ainda nebulosa explicação sobre o real valor dos dados. O que é certo é que dá para fazer diferente.
Pioneira da diversidade na indústria da tecnologia, Angela Benton levou ao SXSW 2021 a história da Streamlytics, startup da qual é fundadora e CEO. A empresa busca oferecer mais transparência sobre o uso de dados dos consumidores de conteúdo streaming e oferecer aos usuários a possibilidade de comercializar suas informações pessoais de forma anônima.
Pessoas no centro
Parece óbvio, mas é inevitável: o foco no consumidor, no usuário, no cidadão, enfim, no ser humano não só continua a ser o principal mantra da tecnologia e do marketing como ganhou ainda mais proeminência nestes tempos de emergência mundial.
Na vida online ou offline, os apelos por mais inclusão, mais informação confiável e mais prestação de serviços vão continuar quando a pandemia for embora. Atentas a esse fenômeno, empresas como a varejista Best Buy criaram, no C-Level, o cargo de chief custommer officer, decisivo para a construção de uma cultura organizacional definida como customer obsessed (obcecada pelo consumidor).
Também ganha força a formação de equipes menores e mais coesas, de forma a se conectar com mais precisão aos anseios e às necessidades dos consumidores, refinando a experiência oferecida. Por meio dessa subdivisão em pequenos esquadrões (squads), organizações gigantescas como a Amazon dizem conseguir se manter velozes e ágeis como as startups. Para evitar que cada grupo se torne um silo, a sugestão é que exista alguma permeabilidade entre as lideranças, para que elas possam possam compreender melhor o que acontece nos diferentes times.