Design cívico, cidades e mobilidade

SXSW 2023 reforçou importância da empatia e da atenção aos modos de usar a tecnologia em projetos de smart cities, mitigando riscos e alavancando melhoria de vida dos cidadãos 

Por meio da expressão “design cívico” ou “centrado no cidadão”, discute-se como gestores urbanos podem fazer da tecnologia uma ferramenta que aponta caminhos para, posteriormente, serem discutidos e alinhados junto às comunidades. 

Essa preocupação com as implicações do uso da tecnologia no cotidiano dos munícipes reflete uma preocupação semelhante à da psicoterapeuta Esther Perel, uma das speakers do SXSW 2023: a tecnologia pode apontar respostas ou indicar uma direção, mas o algoritmo não tem o toque humano do entendimento do subjetivo, da experiência de vida ou da intuição do que fazer em cada caso. Isso ainda deve ser feito pela conexão intrinsecamente humana entre as pessoas. 

Existem diversas ferramentas tecnológicas que podem ajudar a melhorar a vida nas cidades, por meio de conectividade, uso de inteligência artificial, simulações e toda sorte de aparelhamento digitalizado. Contudo, escutar o que os cidadãos têm a dizer e preocupar-se em criar um design de cidades que seja mais cívico parece ser o grande desafio dos gestores públicos.

Um exemplo que ilustra bem esse debate vem da Icon, especializada em impressão 3D com concreto para a construção de casas de alvenaria. As eficiências tecnológicas da Icon chegaram ao seu limite, e agora a startup precisa que arquitetos e experts da construção civil se envolvam, com o propósito de desenvolver casas mais acessíveis para a população. A solução encontrada foi criar uma premiação, a Iniciativa 99, que vai agraciar com um prêmio de um milhão de dólares o melhor projeto arquitetônico que puder ser construído com até 99 mil dólares (vídeo a seguir).

O que se defende, em casos como esse, é que a tecnologia não seja o único fator a ser considerado – apesar de oferecer recursos extremamente bem-vindos. O brasileiro Bruno Ávila, que atua como diretor de planejamento urbano digital da cidade de Amsterdã, na Holanda, conta que a capital holandesa está se apoiando em modelos que funcionam como “irmãs gêmeas digitais” da cidade, onde seria possível testar hipóteses e fazer simulações por meio de inteligência artificial, em busca de soluções para desafios complexos, relacionados a temas como transporte, habitação e impactos climáticos sobre a cidade. 

O segredo, segundo Ávila, é não confiar piamente no que a IA tem a dizer, mas usar os dados como ponto de partida para a busca de soluções, sempre considerando o olhar humano sobre o que as IAs têm a sugerir. 

Coletividade e causas urbanas

Exemplo de esforço coletivo em torno dos centros urbanos veio de Rex Richardson, primeiro prefeito negro eleito para governar Long Beach, na Califórnia (Estados Unidos). Seu plano para os primeiros 100 dias de governo, intitulado “Opportunity Beach”, é uma plataforma construída colaborativamente entre os cidadãos, e que parte do pressuposto de que todos concordamos em alguns aspectos, independentemente de preferências pessoais. Temas básicos como habitação, desenvolvimento econômico igualitário e acesso à saúde compõem o programa, que visa enfrentar desigualdades históricas. 

Seu colega de debate, Bruce Harrell, prefeito de Seattle, defendeu que, num contexto polarizado, temos de enfrentar os desafios considerando o que temos em comum entre a maioria das pessoas. Ao que Richardson acrescentou: “Temos que olhar para as intersecções nas quais concordamos”.  E agir coletivamente. 

Elétricos no chão e no ar

Se os carros elétricos já são realidade no chão, os veículos elétricos voadores estão cada vez mais próximos de chegar às cidades. O desenvolvimento dos eVTOLs, veículos de pouso e decolagem vertical que funcionam abastecidos por eletricidade, avançou bastante no correr dos últimos anos. Se em 2019 a Embraer discutia no SXSW um conceito de eVTOL, dessa vez o centro de exposição contava com um protótipo da cabine do eVTOL da Eve, empresa spin-off da Embraer que se dedica ao desenvolvimento do veículo voador elétrico (vídeo a seguir). 

O desafio, contudo, não tem relação apenas com o desenvolvimento da tecnologia e do veículo em si, mas também sua integração com as cidades. Pensado para realizar trajetos curtos transportando pessoas de maneira similar ao que é feito com um helicóptero, os eVTOLs precisarão não só de uma regulação aérea própria, mas também de infraestrutura básica para que possam decolar e pousar, o que tem sido chamado de vertiportos – aeroportos específicos para pouso e decolagem vertical. Esses vertiportos deverão funcionar como hubs aéreos, servindo como ponto de partida não só para a atuação de táxis aéreos, como também de drones. 

 Maior integração com eventos

Com o argumento de que seriam opções mais sustentáveis, cidades como Paris (na França) e Las Vegas (nos EUA) estão apostando na integração de eventos esportivos com os espaços urbanos. A intenção, segundo os gestores públicos e organizadores dos eventos, é evitar a construção de estádios e autódromos que terão uma utilização reduzida, preferindo trabalhar com investimentos que permitam integrar as atividades ao cenário urbano. 

Dessa forma, as cidades não teriam instalações ociosas após o final de eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos de Paris em 2024 e o Grand Prix de Las Vegas em 2023. Há, contudo, um intenso desafio logístico envolvido. Para realizar a corrida de Fórmula 1 em um trajeto que inclui a famosa Strip de Las Vegas, por exemplo, será preciso levantar e remover as estruturas nas vias públicas em questão de poucas horas.