A pandemia de Covid-19 reforçou a importância do trabalho das organizações de fact-checking, com uma grande demanda por dados atualizados e confiáveis, em meio a tanta desinformação e misinformação. Os profissionais do setor responderam rápido, com a criação do projeto #The CoronaVirusFacts Alliance, que reúne organizações de mais de 70 países, compartilhando checagens em 40 idiomas.
É a maior iniciativa desse tipo até o momento, coordenada por uma brasileira, Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa e hoje morando nos Estados Unidos, como diretora-adjunta da International Fact-Checking Network, do Poynter Institute. Conversamos em março com a jornalista, sobre a urgência de iniciativas como essa na luta contra a desinformação – e como as marcas podem se engajar, amplificando o alcance das informações.
No ISOJ 2020 – que foi adiado por conta da pandemia e vai ganhar uma versão online – você iria participar de um painel sobre “Desinformação e Misinformação: o que pode ser feito além do tradicional fact-checking?”. Vamos começar por essa pergunta?
Há dois rumos aqui: colaboração e educação. Quando falamos em colaboração, nesse caso, é como uma grande resposta à crise da indústria da informação, com a identificação de quem é a nossa concorrência. A concorrência não é o outro veículo de comunicação, mas a desinformação. E, como checadores, perderemos todos se não trabalharmos juntos contra esse movimento mundial e irrefreável da desinformação. Temos casos muito consolidados de projetos colaborativos em checagem, e mostramos que existe um roteiro que funciona. Isso é uma inovação que a checagem pode trazer para o restante do jornalismo.
O outro caminho é a educação, que precisa começar nas escolas e nas universidades, ensinando as pessoas a usar ferramentas e técnicas de fact-checking. Diante do grande volume de informações falsas e manipuladas, o ideal seria que as pessoas, de uma maneira geral, fossem capazes de fazer checagens simples, e que os checadores profissionais pudessem se dedicar às questões que viralizam e geram dúvidas entre a população.
Desde 2017 a Agência Lupa desenvolve o programa Lupa Educação, que tem por objetivo capacitar cidadãos em técnicas de checagem – projeto pioneiro entre organizações de fact-checking no Brasil. São realizadas palestras e oficinas, online e presenciais, para empresas, instituições governamentais e de ensino. O objetivo macro é que essa seja uma disciplina ensinada nas escolas.
“As marcas podem se engajar no compartilhamento dos dados verificados, amplificando o alcance das informações”, destaca Cristina Tardáguila
(foto: Petrobras/Alexandre Grand).
Entre os projetos de checagem, quais os principais exemplos da importância da colaboração?
O exemplo mais atual, e a maior iniciativa nessa área até o momento, é #The CoronaVirusFacts Alliance, com checadores de mais de 70 países compartilhando checagens, em mais de 40 idiomas. Com isso, otimizamos o tempo de reportagem e edição, e, obviamente, combatemos a desinformação com mais velocidade. É uma prova de que não existe, no mundo da checagem, barreira para a troca de conhecimento.
A segunda maior colaboração em fact-checking de que temos notícia foi realizada na Argentina, nas eleições presidenciais de 2019. O projeto Reverso uniu 150 meios de comunicação do país em torno do trabalho de checagem. Passaram 10 meses trabalhando em conjunto, e deram um passo além, mobilizando outras instâncias da sociedade – por exemplo, publicitários se engajaram no projeto, produzindo e veiculando vídeos sobre deep fake.
Qual o papel da tecnologia em projetos de colaboração como esses?
Por incrível que pareça, hoje ainda usamos ferramentas muito básicas. Mas claro que nosso objetivo é utilizar outras tecnologias, aprimorando as formas de visualização, por exemplo, para que um mesmo conteúdo possa ser consumido em vários suportes diferentes (cartoon, game, áudio, vídeo etc). Também é preciso ampliar o uso da tecnologia na distribuição das checagens, com ferramentas que ajudem a amplificar o conteúdo verificado.
E como as marcas podem se envolver nesse trabalho de checagem, e contribuir para frear a desinformação?
Devem ficar do lado dos checadores. Seja cooperando na difusão do conteúdo, seja disponibilizando ferramentas que possam auxiliar os checadores. Acho que as marcas podem chegar junto das organizações de fact-checking e perguntar como podem contribuir. Com seus profissionais, produtos, estrutura… Às vezes, só algumas horas de trabalho de um profissional da empresa já ajudam a fazer diferença.
E, claro, se engajar no compartilhamento das checagens – principalmente no caso do novo coronavírus. Estamos falando de saúde, de informações muito importantes para as pessoas. Imagina o alcance de grandes marcas compartilhando esse conteúdo em suas redes?