Compromisso com a transformação se impõe e marcas são convocadas a agir

Diante das crises abertas ou agravadas pela Covid-19, o SXSW 2021 destacou a necessidade de enfrentar coletivamente os problemas sociais e ambientais mais urgentes

Um dos maiores desafios do mundo contemporâneo é o entendimento de que somos parte de um amplo ecossistema e de que todas as nossas ações, expectativas, crises e criações estão correlacionadas e se impactam nuclearmente. Essa provocação conduziu algumas das mais instigantes sessões do SXSW 2021 na trilha temática “Nova Urgência”, que enfocou causas sociais amplificadas durante a pandemia de Covid-19.

O festival foi realizado pela primeira vez de forma exclusivamente virtual, entre os dias 16 e 20 de março. A partir da curadoria dos jornalistas e pesquisadores da rede GoAd Media, apontamos tendências e movimentos exponenciados pelo festival, em formato de White Paper e Webinars (que podem ser contratados para apresentações exclusivas).

Confira, na análise a seguir, os principais debates trazidos pelo SXSW 2021 no campo da “Nova Urgência”, pontuados por reflexões de key speakers que se apresentaram neste ano. Nossa curadoria foi realizada com oferecimento do UOL AD_LAB e apoio da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA).

Estamos todos juntos nessa

O festival trouxe fortes reflexões sobre o papel de cada marca e de cada cidadão no mundo, diante das sobrepostas crises que vivemos atualmente. Essa discussão foi abordada na inspiradora apresentação do designer, escritor e empreendedor Bruce Mau, conduzida a partir do livro Mau: MC24 (2020). Na obra, Mau enfoca a força transformadora do design como instrumento de criação.

No SXSW 2021, ele defendeu que o cuidado pela vida, em seu mais alargado conceito, é o caminho para um futuro positivo. “Continuamos fazendo as coisas como se fôssemos donos da natureza e ela tivesse recursos inesgotáveis. Isso não pode continuar. Nós somos parte da vida, não seu centro. E tudo o que criamos deve ser norteado por essa consciência”.

O poder do storytelling na política
“Me questionaram se eu era capaz, uma pergunta que nunca é feita aos homens brancos. Para mim, o inverso desta questão é: nós que fomos beneficiados com inteligência e acesso temos a obrigação afirmativa de nos declarar capazes. Não apenas por nós mesmos, mas por aqueles que se parecem conosco”
Stacey Abrams, líder política, ativista e escritora, fundadora da organização Fair Fight

O dever coletivo de “cidadanizar”

Em tom incisivo, o escritor, comediante e ativista do movimento negro Baratunde Thurston defendeu que a mudança necessária implica o reconhecimento de que somos, todos, diretamente afetados e responsáveis por causas, consequências e possíveis soluções para as graves desigualdades sociais, étnicas, políticas e econômicas do nosso tempo.

Autor do livro How To Be Black (2012), Thurston prestou consultoria à Casa Branca na gestão de Barack Obama e está à frente dos podcasts How To Citizen With Baratunde e We’re Having a Moment. No SXSW 2021, ele fez uma crítica cortante à forma como a narrativa ocidental foi construída e ao papel das marcas nesse processo: “Vivemos em uma sociedade que sistematicamente tira de muitos para dar a poucos. Ter medo de admitir isso significa que vamos fazer de novo, e de novo, e de novo”.

A importância de unir as pessoas
“Minha mãe é indiana, progressista, vegetariana, budista, hoje agnóstica; meu pai é norte-americano de Iowa, branco, conservador, republicano, evangélico. Como facilitadora da resolução de conflitos, entendi cedo como ajudar a superar obstáculos que separam os seres humanos”
Priya Parker, consultora, escritora e facilitadora de processos de paz

Pós-propósito em ação

O SXSW 2021 reforçou a urgência de entender o propósito como pilar fundamental para os negócios. É uma convocação definitiva para a ação, em sintonia com novas demandas e expectativas dos consumidores, que exigem respostas concretas para os grandes desafios da contemporaneidade.

“Todo negócio pode encontrar uma razão para existir e fazer a diferença em sua comunidade. Trata-se de objetivamente identificar o problema que você quer ajudar a solucionar, como você pode contribuir para resolvê-lo, e quais os prazos e métricas que vai usar para avaliar os resultados”, afirmou Joe Kenner, CEO da Greyston Bakery, com sede em Nova York (EUA).

A marca de brownies, fundada em 1982, implantou desde o início uma política de “Open Hiring”, contratando e treinando pessoas que geralmente são excluídas do mercado de trabalho. Se há uma vaga disponível e você quer fazer parte da empresa, o cargo é seu. Sem entrevista, sem processo seletivo, sem checagem de referências.

A Greyston Bakery é parceira da norte-americana Ben&Jerry’s, também referência em responsabilidade corporativa. Durante o SXSW 2021, Sean Greenwood, head of PR da marca de sorvetes, ressaltou que a capacidade de promover mudanças sustentadoras é o que diferencia iniciativas autênticas: “Trata-se de analisar toda a sua cadeia de negócio e identificar como a marca pode ter impacto efetivo na transformação da sociedade. E de enfrentar controvérsias, em vez de correr delas”.

A premência de empoderar as mulheres
“As mulheres aplicam muito melhor a renda familiar, com foco em saúde e educação. Quando têm acesso a educação, jovens garotas se tornam mulheres que desafiam normas sociais e têm melhores oportunidades econômicas. E, quando as mulheres participam da força de trabalho, as economias são mais fortes e robustas, e crescem mais rapidamente”
Melinda Gates, Co-chair da Bill & Melinda Gates Foundation

Missão e inovação

O impacto direto do propósito na inovação também foi abordado em várias sessões do SXSW 2021. “Se você tem um propósito claro, você sabe em torno do que a inovação em sua empresa deve girar”, afirmou Wade Allen, head of innovation da empresa do setor de alimentação Brinker International (EUA). “Mas, em muitas organizações, o que vemos é que a missão da marca e os departamentos de pesquisa e desenvolvimento não se cruzam”.

Os processos de criação e inovação foram abordados, particularmente, a partir da perspectiva da diversidade. Inegavelmente um dever das corporações, a afirmação da inclusão e da representatividade se consolida como um fator decisivo para o sucesso das marcas. “Você não vai gerar novas e incríveis ideias se não tiver diversidade de pensamento. E isso vem de diferentes perspectivas, formação, conhecimento, trajetórias de vida. De onde você esteve, do que você viveu, de como foi criado”, afirmou Allen. 

Por mais diversidade nas equipes
“Eu não queria ser a única mulher ou uma das duas ou três pessoas pretas na equipe. Queria pretos, asiáticos, idosos, pessoas com deficiência, todo tipo de gente no set… Não podemos ter isso? Por que não?”.
Ava DuVernay, realizadora e roteirista, à frente da distribuidora Array e da plataforma Array Crew

Saúde: o impacto da desigualdade digital

Diante de uma das maiores crises sanitárias da nossa história, a expansão do 5G e os avanços positivos que isso pode trazer para o campo da saúde foram discutidos no SXSW 2021 com otimismo, mas também com preocupação com relação à desigualdade digital.

Entre os procedimentos que podem ser alavancados pelo 5G estão: ampliação e melhoria do atendimento e do monitoramento remoto, processamento de dados em tempo real em determinados exames e intervenções, uso de VR em tratamentos para reduzir a dor e a ansiedade, visitas virtuais de familiares a pacientes isolados, possibilidade de evitar longos e demorados deslocamentos para ser atendido por um médico.

O problema é que grande parte da população não dispõe de internet de qualidade, nem dos dispositivos necessários para se beneficiar da evolução das health techs. “Precisamos nos perguntar como trabalhar em parceria com outras organizações para ampliar esse acesso”, defendeu Mona Patel, vice president of ambulatory operations no Children’s Hospital Los Angeles (EUA).