Como a tecnologia vem transformando o papel do marketing e do CMO

Setor explora ferramentas disruptivas para aprimorar a experiência do consumidor e otimizar a performance, como mostrou o DM.exco 2019, maior evento de marketing digital da Europa

Algoritmos, inteligência artificial, machine learning, internet das coisas, segurança de dados, blockchain – as discussões sobre estratégias de marketing se parecem cada vez mais com as conversas do pessoal de TI. Marketing e tecnologia andam juntos, tão juntos que é difícil – se é que é possível – falar de um sem entrar no território do outro. O tema foi alvo de várias apresentações e debates do DM.exco 2019 (Digital Marketing Expo & Conference), realizado nos dias 11 e 12 de setembro, na Alemanha, com a participação de 600 palestrantes e 932 expositores. Apresentamos, a seguir, os principais insights do evento sobre o impacto da tecnologia sobre o marketing e as principais transformação do setor na sociedade em redes digitais.

Customer Experience

A expectativa de customização, em termos de experiência
do consumidor (CX), só faz crescer. E dados são a base da personalização. Executivos de marketing afirmam que não competem mais com produtos e serviços, mas com experiências. CX é a nova moeda, por assim dizer. Só dá para oferecer experiências personalizadas, ou hiperpersonalizadas, conhecendo bem o consumidor. Ou seja, é preciso ter muita informação sobre ele. Mas, antes de conseguir que a pessoa forneça seus dados, é necessário conquistar sua confiança.

Os mais jovens têm mais disposição em compartilhar dados pessoais (60% da geração Z, segundo pesquisa da Adobe apresentada no DM.exco), mas apenas se, em contrapartida, eles tiverem uma experiência melhor. E a confiança no marketing, em geral, é baixa. Na Alemanha, só 26% (incluindo entrevistados de todas as gerações) acreditam que os marqueteiros estão fazendo a coisa certa com os dados e usando-os para criar melhores experiências.

Como gerar confiança? Com transparência, mostrando que dados estão sendo coletados e para quais finalidades, e entregandoo que foi prometido. Em muitas organizações, a tecnologia empregada para fazer isso é a inteligência artificial. A estimativa é que, já em 2020, 93% das empresas com mais de cinco mil funcionários usarão AI em alguma área de negócios.

No marketing, essa tecnologia permite automatizar tarefas e ajuda a detectar anomalias e a implementar a hiperpersonalização em grande escala. Afinal, não há como entregar a mensagem certa, para a pessoa certa e no momento certo, em quantidades que chegam à casa dos milhões, sem automação.

Inteligência artificial é a maior revolução desde o surgimento da internet. Segundo a consultoria McKinsey, ela vai acontecer dez vezes mais rápido do que a Revolução Industrial do século 18, e o impacto também será dez vezes maior do que o que foi sentido na época. Apertem os cintos.

Diversidade

Um tema que reflete bem essa intersecção entre marketing e TI é a inteligência artificial e suas inúmeras aplicações, para o bem e para o mal. A bola da vez é a discussão sobre como evitar a incorporação de preconceitos na hora de programar algoritmos, que processam todo tipo de informação e, às vezes, cospem resultados bem estranhos. Por exemplo, na lista mais recente dos 100 líderes mais inovadores do mundo, publicada pela revista Forbes, aparece apenas uma mulher.

Para um ser humano, é óbvio que o mundo está cheio de mulheres inovadoras e que o ranking tem algo de estranho. Deve ter a ver com o fato de que o algoritmo que gerou a lista foi desenvolvido por dois homens, brancos, professores universitários. Diante deste e de vários outros casos parecidos, dá para perceber que o mecanismo incorpora a visão de mundo daqueles que o criam. A máquina não tem opinião, só faz o que é programada para fazer.

O tema foi debatido em painel do DM.exco coma participação de David Goddard, VP de global programmatic strategy na BBC Global News, Jocelyn Lee, head of AI na Deloitte Digital, Sean O’Connor, marketing director na Microsoft Advertising (vídeo a seguir), e Klaus Schwab, managing director and partner na Plan.Net Group. A primeira questão que se coloca é com qual tipo de dados essas máquinas estão sendo alimentadas. Estamos contemplando a diversidade de gênero, de etnia e de pensamento quando alimentamos uma IA? A segunda é a análise do resultado que o algoritmo devolve. Será que é aceitável? Isso nenhuma máquina pode dizer. É a sociedade que tem que decidir o que considera justo.

Uma medida importante é educar o público, explicar como a tecnologia funciona, e mostrar que, quando se tem dados enviesados, o resultado será enviesado. Mas o ponto principal é tornar a indústria mais diversificada, porque os desenvolvedores formam hoje um pequeno grupo homogêneo, carente de novos olhares. O importante é quem está desenvolvendo, como e por quê. A inteligência artificial precisa de mais conexão com seres humanos, de todo tipo.

O problema do viés afeta o marketing e a publicidade sob vários aspectos, e fica bem evidente quando se trata de mídia programática. É maravilhoso ter muitos dados e análises para alcançar a audiência certa. O perigo é superalimentar ou supertreinar a máquina ao ponto de ela só alcançar o mesmo target toda vez, porque o filtro foi tão refinado que só aquele pequeno grupo se encaixa nas especificações. Fica difícil encontrar prospects ou fazer retargeting quando a ferramenta seleciona sempre as mesmas dez pessoas. É preciso diversificar.

Cibersegurança

De acordo com o Global Risk Report, estudo financiado pelo Fórum Econômico Mundial, a cibersegurança é atualmente uma das cinco principais ameaças à sociedade civil. Essa mesma sociedade exigiu dos governos o estabelecimento de regras de proteção de dados pessoais, e vários países responderam a essa demanda. A União Europeia estabeleceu o parâmetro, com a General Data Protection Regulation (GDPR). No Brasil, aprovamos a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor em agosto de 2020.

No DM.exco, a discussão sobre cibersegurança foi abordada por Ben Aung, CISO na Sage, e Ria Thomas, Global Co-Lead em Cyber Security na Brunswick. Um dos pontos levantados foi o fato de que a criação de normas sobre privacidade e proteção de dados pessoais levou as empresas a se conscientizarem de que cibersegurança, mais do que legislação e políticas de compliance, inclui uma série de questões que afetam a marca e os negócios. Uma organização vítima de invasão pode ter seus sistemas sequestrados ou dados vazados – não só os pessoais, de consumidores, mas informações sensíveis que estão em seu poder, próprias, de clientes ou parceiros.

Nessa hora, a mídia faz barulho, mas não é o maior dos problemas. A questão principal são os consumidores, clientes, parceiros. Os stakeholders vão querer que a empresa prove, por escrito, que os dados deles estão protegidos e que o sistema é seguro. Até lá, podem suspender o relacionamento ou encerrar contratos.

Também vão querer acompanhar a investigação, ver os relatórios finais entregues à Justiça e garantir que a empresa os isente de responsabilidade no incidente. Isso tem a ver com a marca, com a fé que clientes, fornecedores e parceiros depositam na organização e com a confiança dos reguladores de que as devidas providências para se evitar determinado incidente foram tomadas (embora, obviamente não tenham sido suficientes).

O fato é que, na maioria das empresas, a cibersegurança é encarada mais como uma questão técnica do que de negócios ou reputação. Isso é um desafio em termos do investimento necessário para que se possa prevenir ou detectar brechas de segurança. As lideranças parecem ainda não ter acordado para os efeitos mais amplos que incidentes cibernéticos podem causar.

O fator humano é um dos mais importantes aspectos para superar os riscos de segurança da informação, preventiva e reativamente. Todos na organização devem ser orientados sobre qual o seu papel e treinados para saber como agir. Além disso, o comitê executivo, a equipe de gerenciamento de crise e o setor operacional devem se reunir uma ou duas vezes por ano para conferir a validade do plano de ação e se atualizar sobre as novas tecnologias, tentando se manter um passo à frente dos cibercriminosos. Ou, no mínimo, não ficar para trás.

Blockchain

Quando se fala em segurança de dados, a bola da vez é a tecnologia blockchain – tema de debate no DM.exco com a participação de Kambiz Djafari, head of digital commerce na UM Universal McCann e Nathan Williams, CEO da Minespider. Um dos desafios para sua popularização é que se trata de um tipo de infraestrutura, uma forma de trabalhar com a qual as pessoas não interagem diretamente. Um usuário comum não entende como a internet funciona, nem consegue explicá-la. Tudo o que ele precisa saber é que basta se plugar na rede e ela funcionar.

Blockchain é similar no sentido de que temos que usar metáforas e formas complicadas para explicar seu funcionamento, como era nos primeiros tempos da internet, que ninguém sabia bem o que era. O básico a se ter em mente é que é um jeito barato de digitalizar, organizar e armazenar documentos relevantes, com segurança e confiabilidade a toda prova.

Dá para usar blockchain na criação de itens digitais, para eliminar intermediários ineficientes ou para criar um registro imutável de dados. Descentralização, governança e supervisão compartilhadas são as características que fazem do blockchain uma ferramenta que promete revolucionar a maioria das indústrias.

Por enquanto, estamos nos estágios iniciais. Grandes companhias estão explorando como usar a tecnologia de diferentes formas, seja para garantir a segurança dos dados ou trabalhando junto com os concorrentes em projetos de infraestrutura que ajudem todo o segmento em que atuam. Esse movimento se acelerou nos últimos dois anos. A adoção em massa parece ser uma questão de tempo. Novamente, a analogia com a internet: com o passar dos anos, cada vez mais pessoas se juntaram a ela e a tornaram popular, criando ferramentas que todos podem e querem usar.

O blockchain vai ganhar impulso conforme mais gente se interessar, descobrir que pode ser dona de seus dados pessoais (em vez de deixá-los na mão de terceiros, que lucram com eles), ter controle sobre seu histórico e suas transações. Isso é que fará do blockchain a tecnologia do futuro.

O futuro do CMO

Mudanças no mercado, na tecnologia e no perfil do consumidor colocam em xeque o papel do executivo de marketing. Será que ele ainda é necessário, ou pode chegar um dia em que seja descartado? Não se for visto como a voz que representa o consumidor dentro da empresa e aquele que se mantém como guardião da marca, como no cargo de chief marketing officer, chief strategy atctivation officer ou seja qual for o nome que venha a adotar. Foi essa a mensagem do painel sobre a redefinição do papel do CMO, com a participação de Gisele Musa Gomes Papenfuss, global director of branding e activation na Metro, Paige O’Neill, CMO da Sitecore (vídeo a seguir), Marco Raab, CMO da Escada, e Hubert Wieser, central region director na Nestlé Purina PetCare.

O CMO tem três tarefas principais: construir marca, gerar demanda e ativar vendas. Isso continua igual. O que mudou na última década foi o contexto em que essas coisas são feitas, graças à tecnologia que o marketing tem à disposição. Há uma corrente que defende, inclusive, que o papel do líder de marketing está ficando cada vez maior.

Hoje, o CMO tem que cuidar de estratégia tecnológica e da experiência do consumidor e manter a empresa atualizada, além de continuar fazendo todas as coisas já mencionadas em termos de marca e geração de demanda. Espera-se, ainda, que ele conduza o processo de transformação digital. Não que não seja um movimento que envolva todos os membros da organização. Mas existe a percepção de que o marketing deve liderar o processo, pois, já tendo sentido a transformação digital na pele, tem experiência para seguir na frente, iluminando o caminho. Com tanto trabalho a fazer, os anunciantes confiam nas agências para fornecer conhecimento, criatividade e novidades para impulsionar os negócios.