Cannes Insights: coragem e compromisso moldam criatividade pós-propósito

Em segunda edição virtual, LIONS Live enfocou os bastidores de campanhas que são benchmark em responsabilidade social

A responsabilidade social e ambiental foi o tema principal desta terça-feira, na segunda edição virtual do LIONS Live, que começou ontem e vai até sexta-feira. Na era do pós-propósito, em que as marcas são cobradas a efetivamente passar do discurso para a ação, o festival abordou iniciativas que promovem o desenvolvimento sustentável e a melhoria da condição de vida das pessoas.

São projetos que mostram, de forma inovadora e inspiradora, como as marcas podem se posicionar contra a censura e se engajar na defesa da democracia e da verdade, como em The Uncensored Playlist e The Truth is Worth It; explorar a tecnologia para preservar o meio ambiente e ampliar a diagnósticos na área de saúde, a exemplo de Address the Future e Breath of Life;  e combater o machismo e a desigualdade de gênero, como fazem The Last Ever Issue e Q Genderless Voice. O evento realizou, ainda, uma sessão específica sobre como a biomimética pode influenciar o futuro da criatividade.

Confira, a seguir, nossa curadoria de destaques nesta terça-feira, na segunda edição do LIONS Live.

Propósito: contra a censura

“A censura sempre encontra maneiras de silenciar as pessoas. Mentes criativas sempre encontram novas formas de revelar a verdade”. Com essa frase, Patrik Lehnhart sintetizou a essência do projeto The Uncensored Playlist e provocou o setor de marketing a se mobilizar concretamente em torno de causas sociais, como a defesa da democracia e da liberdade de expressão. Lenhart é diretor executivo de criação na DDB Berlim, e foi um dos líderes criativos da campanha, junto com Felipe Cury, atualmente diretor executivo de criação na Africa/DDB, no Brasil.

The Uncensored Playlist conquistou um Leão na categoria Titanium, no Cannes Lions 2019, por sua excelência no combate à censura. Desenvolvida para a organização Repórteres sem Fronteiras, a campanha transformou matérias jornalísticas censuradas em músicas, que foram disponibilizadas em serviços de streaming.

Essa foi a inventiva maneira encontrada pela DDB Berlim e pela Media Monks para driblar o autoritarismo em cinco países onde os jornalistas têm seus trabalhos censurados pelo governo: China, Egito, Tailândia, Uzbequistão e Vietnã.

https://www.youtube.com/watch?v=xhqn78Pm5HU

Mais de 680 milhões de pessoas foram impactadas pelo projeto (vídeo acima). “Criamos uma nova plataforma para que esses jornalistas possam continuar a combater a opressão. E uma ferramenta que pode ser reutilizada pelo cliente”, afirmou Lenhart. “Ouvir as músicas nas plataformas, funcionando perfeitamente, mostrou que a censura tinha perdido, e a liberdade de expressão poderia ser ‘tocada’ em qualquer lugar”, reforçou Chang Ping, jornalista chinês que participou do projeto, durante o LIONS Live.

As músicas foram produzidas em parceria com artistas de cada país, envolvendo uma série de medidas para proteger os profissionais envolvidos. A documentarista Iris Fuzaro e o compositor Lucas Mayer, que ficaram responsáveis pela produção artística, foram interrogados nas ruas, e chegaram a ter equipamentos apreendidos Fuzaro, que é brasileira, contou que sua motivação e coragem foram reforçadas pela atual situação política no país. “Fiquei ainda mais comprometida com o projeto ao acompanhar a perda da liberdade de expressão no Brasil nos últimos anos”, contou, durante o LIONS Live.

Black Creators Matter

Em sessão sobre novos storytellers, o LIONS Live apresentou o trabalho de Audrey Solvar, fundadora da Black Creators Matter, plataforma de educação e networking voltado para criadores de conteúdo negros. “Queremos que as pessoas reconheçam nosso trabalho e nosso valor”, afirmou Solvar, durante o evento. “Com nossa persistência, nossas histórias serão contadas”.


Criação: natureza como referência

O futuro da criatividade está na natureza. Esse foi o tema do painel Future Gazers, que analisou a criatividade a partir da biomimética, que consiste em aprender e reproduzir estratégias encontradas na natureza para solucionar desafios. “A crescente valorização e reconhecimento da natureza como fonte de conhecimento vai aumentar o interesse coletivo em protegê-la”, defendeu o brand strategist Rick Evans. O painel elencou cinco aprendizados para a indústria criativa, tomando a natureza como referência.

1. Aceite o distúrbio

“Perturbações como enchentes desempenham um grande papel na formação de ecossistemas na natureza. A indústria criativa será mais resiliente se passar a enxergar os distúrbios como oportunidades”, afirmou Heather Pieske, diretora executiva de criação na Vox Creative.

2. Encoraje a diversidade

“Cerca de 72% das pessoas dizem que a maioria das campanhas publicitárias não reflete o mundo ao redor delas. Por outro lado, para cada 1% investido na diversidade de gênero a receita das organizações aumenta 3%. Da mesma forma, maior diversidade étnica resulta em crescimento da receita. É preciso ir além das cotas e valorizar a diversidade em si mesma. Não é sobre ‘nós’ e ‘eles’, mas sobre um ‘nós’ mais talentoso e competente, juntos”, disse Mira Kaddoura, fundadora da Red&Co.

3. Pense pequeno

“Pequenas agências, pequenos times freelancers e pequenas marcas com perspectivas singulares vão tornar a liderança criativa mais diversa do que nunca, etnicamente e geograficamente”, sinalizou Rick Evans. “A natureza nos mostra que a solução de problemas é feita da melhor forma em grupos pequenos, permitindo que cada um desempenho seu singular papel. Essa é a receita para produzir trabalhos premiados e se diferenciar das massas”.

4. Design centrado no planeta

“Para encontrar as melhores soluções, os designers devem desenvolver um entendimento mais profundo sobre o ecossistema em que vivemos. Em toda a nossa existência, os processos de decisão têm sido concentrados na perspectiva humana. É hora de adotar uma perspectiva multiespécie e considerar os impactos no planeta como um todo antes de tomar decisões”, destacou Caroline Till, cofundadora da Franklin Till.

5. Colaboração, e não apenas competição

“Até 2030, cerca de metade das maiores campanhas criativas serão lideradas por ‘times rivais’, reunindo pensamentos criativos que se sobrepõem e, às vezes, até se opõem”, afirmou Rick Evans. “Quando olhamos para o futuro da criatividade, vemos um ecossistema de criativos trabalhando de forma mais colaborativa do que nunca, entendendo os benefícios de realmente trabalhar em parceria com a concorrência”.