Cannes Insights: novo papel para criativos e agências e simplicidade em Outdoor

Primeiro dia de festival coloca em pauta transformação da publicidade – e dos profissionais da área

Se existe uma buzzword que define o atual momento do mercado corporativo, ela é transformação digital. Na abertura do 66º Festival Internacional de Criatividade de Cannes, nesta segunda-feira, 17, o tema esteve em pauta nas principais apresentações do dia. Para Nick Law, Chief Creative Officer do Publicis Group, grupos de comunicação têm hoje o desafio de pensar como os produtos serão no futuro. “A agência que se reinventa tem essa competência muito bem definida. E isso requer uma nova estrutura e novos perfis profissionais. O papel do criativo é cada vez mais desenhar o futuro”, analisou.

Nesse contexto, agências ganham, segundo Law, a veia das consultorias. Ao projetar e até prototipar cenários futuros, a criação não necessariamente terá de entregar uma campanha, e, sim, uma tecnologia de serviços ou uma solução de negócios. É desta forma que agências poderão ampliar a atuação para além do marketing, e se conectar de forma mais significativa com áreas comandadas por CEOs e CTOs (Chief Technology Officers).

Se o futuro se revela complexo e diverso, assim deverá ser a indústria da publicidade e do marketing, transformando-se, inevitavelmente, em um ecossistema de empresas com disciplinas tão distintas quando estatística e storytelling, tecnologia de dados e pesquisas, criação e desenvolvimento, como fizeram questão de destacar os participantes do festival nesta segunda-feira.

Confira, a seguir, os principais insights das apresentações e das categorias reveladas neste primeiro dia de evento.

OUTDOOR
Simplicidade e impacto para gerar conversas

Uma das categorias mais interessantes do Cannes Lions é Outdoor. Criada há mais de 60 anos, evoluiu, na última década, de uma área com billboards estáticos para um terreno de experiências diversas e interativas. Trata-se de um campo fértil para marcas e agências, que nos últimos anos foram responsáveis pela reinvenção desse setor, juntamente com as inovações vindas de empresas de out-of-home, como a JCDecaux.

Neste ano, no entanto, os principais Leões revelados em Outdoor conectam a categoria com sua essência. O júri destacou peças que apostaram na simplicidade da estética e no poder da boa redação para gerar impacto e promover conversas. É o caso do Grand Prix Dream Crazy, da Widen+Kenedy para Nike. Parte de uma das campanhas mais polêmicas e badaladas deste ano, o billboard traz a imagem do jogador de futebol americano Colin Kaerpenick com a assinatura Nike e a forte mensagem da empresa sobre acreditar nas suas causas. 

Dream Crazy, da Widen+Kenedy para Nike

A capacidade da mídia out-of-home de se conectar às conversas das redes e dar respostas às demandas sociais também foi destacada pelos jurados. Esse foi o mote da campanha australiana Signs of Love, da TBWA Melbourne para o ANZ Bank. Diante de uma pesquisa que revelou que 84% dos cidadãos LGBTIQ + da Austrália se sentem inseguros em algumas cidades do país, o banco transformou placas de rua em esculturas que celebram a diversidade sexual, com menções ao arco-íris, flamingos e unicórnios.  Faturou Leão de Ouro.

Signs of Love, da TBWA Melbourne para o ANZ Bank

No uso digital da mídia exterior, destaque para a campanha brasileira Competitor’s Sale, da GREY Brasil para Volvo, que usou mobiliário urbano para anunciar veículos usados de marcas concorrentes e, assim, ajudar seus proprietários a comprar o novo modelo Volvo XC60 Diesel. Conquistou Leão de Prata.

Competitor’s Sale, da GREY Brasil para Volvo

Em termos de tecnologia, Outdoor destacou o uso de Realidade Aumentada e o potencial de conexão da mídia com os smartphones. Essa foi a aposta do Burger King na campanha Burn That Ad, criada pela David SP. Quando o consumidor aponta a tela do celular para um anúncio da concorrência, o app do Burger King “queima” a campanha e oferece um desconto como recompensa pela brincadeira. Levou Leão de Bronze.

Outdoor concedeu 65 Leões, dos quais 11 foram para o Brasil.

HEALTH E PHARMA
Conteúdo com foco em prestação de serviços

Entre as indústrias mais reguladas em todo o mundo, Saúde e Farmacêutica encontram em projetos baseados em conteúdo e serviços as melhores formas de expressar criatividade e se conectar com suas audiências. A constatação foi reforçada neste ano nos Leões revelados nas duas categorias que celebram a área no Cannes Lions.

Em Health & Wellness, levou o Grand Prix o projeto Thisables, criado pela McCann Telaviv para a Ikea. A iniciativa permite que qualquer pessoa imprima em 3D uma série de complementos que transformam móveis e acessórios Ikea em produtos adaptados para portadores de deficiência.

Já em Pharma, destaque para Breath of Life, da McCann Health Shangai para GSK. Trata-se de uma ferramenta, vinculada ao comunicador WeChat, que permite o monitoramento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) na China, que possui mais de 100 milhões de pessoas afetadas.

Breath of Life, da McCann Health Shangai para GSK

A ideia do projeto é transformar o celular em uma ferramenta de autoteste. A agência trabalhou em parceria com um centro de pneumologia e um popular artista chinês de sopro de tinta para criar o projeto.

Health & Welness concedeu 33 Leões; 5 foram para o Brasil. Já Pharma entregou 11 Leões, sendo 1 para o Brasil.

PRINT & PUBLISHING
Criatividade que aposta na credibilidade do papel

O júri de Print & Publishing fez questão de reforçar: a criatividade na mídia impressa tem se alimentado da credibilidade do próprio meio, especialmente em tempos de proliferação de fake news. A mensagem do Cannes Lions ganha eco no Grand Prix concedido ao jornal libanês Na-Nahar, pelo projeto The Blank Edition.

Criado pela ImpactDDB Dubai, a campanha chamou a atenção para uma das maiores crises políticas e econômicas enfrentadas pelo Líbano, em 2018, ao publicar uma edição completamente em branco, para que a população pudesse escrever as notícias sob a perspectiva das cidadãs e cidadãos libaneses, e não dos políticos que controlam boa parte dos grupos de mídia daquele país.

Print & Publishing revelou 32 Leões; 5 são brasileiros.

DESIGN
Acessibilidade e impacto social

A categoria Design Lions reconhece projetos que demonstram o poder do design para definir a identidade de uma marca e comunicar suas key-messages. Desta forma, estética, usabilidade e reconhecimento pelo consumidor são critérios historicamente adotados pelo Júri. Neste ano, foram somados a acessibilidade e o impacto social promovidos pelas peças. O Grand Prix Creatability, criado e inscrito pelo próprio Google NY, usa Inteligência Artificial para tornar as ferramentas de criação mais acessíveis para pessoas com alguma deficiência.

Entre os 47 Leões concedidos na categoria, 2 são brasileiros.

PALESTRAS
Interações mais significativas com as pessoas

Entre os temas discutidos nas palestras de hoje, destacou-se a necessidade de aproximar as marcas das pessoas e buscar interações cada vez mais significativas com os clientes.

Reposicionar a mídia não para que as pessoas consumam, mas para que elas se comuniquem, é uma das estratégias das marcas que adotam o Twitter como parte de suas campanhas.

Prova disso são as 1.856 inscrições de peças “Twitter centric” realizadas no Festival de Cannes de 2014 a 2018.  O que podemos aprender sobre os cases vencedores nesta área é que, se no passado as empresas usavam o Twitter como se estivessem fazendo uma transmissão de TV, hoje elas entendem o valor das interações e começam a desenhar conversas reais. 

É o caso da marca de eletrônicos Noblex, da Argentina. Para competir com gigantes globais do setor, a marca fez uma promoção incentivando as pessoas a comprar novos televisores. Com um twist: se a Argentina não fosse classificada para a Copa da Rússia, em 2018, a marca devolveria o dinheiro aos consumidores.

O time argentino passou por momentos de apuros nas eliminatórias, o que levou a marca a criar um perfil para o seu CEO, para que ele interagisse durante os jogos, como qualquer argentino torcendo para o seu país. O resultado foram muitas interações passionais e uma grande para a marca, mesmo com um investimento bem menor do que as gigantes globais de eletrônicos. Sim, sim, e a Argentina se classificou.

No sentido de conhecer mais as pessoas e poder interagir melhor com elas, saem na frente as marcas  DTC (Direct to Consumer), aquelas que facilitam serviços e transações de consumidor para consumidor – e, assim, formam um abrangente banco de dados. 

Atentas ao poder e à responsabilidade de coletar e gerir os dados dos clientes, agências in-house também ganham mais força e assumem algumas das operações que antes eram terceirizadas.

No caso das marcas de luxo, uma das estratégias para se aproximar do público é buscar uma abordagem mais casual e cotidiana para os produtos. É o que vem fazendo a Tiffany, por exemplo, uma das marcas que participou da agenda em Cannes, nesta segunda-feira, e discutiu a “casualização” do luxo.

“São novos momentos de consumo para o alto luxo. As pessoas não querem que a gente diga como e quando elas devem usar nossas peças; elas querem criar seus momentos”, explicou Reed Krakoff, Chief Artistic Officer da Tiffany & Co. Não à toa, uma das peças mais emblemáticas da campanha atual da marca traz diamantes sendo usados com jeans e camiseta branca.  

Outra estratégia da Tiffany & Co.  para se aproximar do consumidor foi criar experiências “instagramáveis”. A marca envelopou táxis da cidade de Nova Iorque com o seu icônico azul, além de criar um local exclusivo para as pessoas poderem ter o seu “Breakfast at Tiffany’s” – em referência ao filme protagonizado por Audrey Hepburn. O sucesso da cafeteria foi tanto que, durante meses, foi um dos locais mais com mais reservas na cidade de Nova Iorque.

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Com insights de Beatriz Lorente, Felipe Turlão, José Saad Neto e Lena Castellón

Edição: Daniela de Lacerda