Cannes Insights: música para denunciar violência contra mulher e vocação interativa para o impresso

Nossa curadoria do segundo dia de festival traz Bozoma Saint John (foto) e as melhores ideias nas áreas de rádio, mídia impressa e mobile

Anunciada como uma das principais palestrantes desta edição do Festival Internacional de Criatividade de Cannes, Bozoma Saint John subiu ao palco nesta terça-feira, 19, mas não falou sobre construção de marca e gestão de crise do Uber, como era esperado. Na semana passada, ela deixou o cargo de chief brand officer da plataforma de mobilidade, onde ficou apenas um ano, para assumir a posição de CMO global da Endeavor.

Ao lado da creator Lillly Singh, que possui 50 milhões de inscritos em seu canal de YouTube, Boz disse que a felicidade profissional está em não precisar assumir papeis diferentes na vida pessoal e na corporativa. “Um gestor não deve usar um discurso na sua empresa diferente de como age na vida pessoal, inclusive em suas redes”, disse Bozoma.

Na Endeavor, organização focada em apoiar o empreendedorismo, o papel de Boz será o de estabelecer de conexões criativas entre talentos e marcas. Parece o lugar adequado para falar sobre construção de marcas pessoais.

Confira a seguir nossa curadoria de tendências deste segundo dia de Cannes Lions:

MÚSICA CONTRA ABUSO DE MULHERES
Projeto da África do Sul chama atenção para violência contra mulher

 Asambe Nono é um famoso hino do futebol sul-africano. Mas quando um coral feminino o cantou pouco antes do jogo entre Kaizer Chiefs e Orlando Pirates, no dia 3 de março, diante de 85 mil pessoas, as palavras tiveram outro sentido. Como parte da campanha #NoExcuse, apoiada pela marca de cervejas Carling Black Label, as letras foram mudadas para contar a história comum de uma mulher sul-africana abusada pelo parceiro quando ele chega em casa depois de um jogo de futebol em que seu time perdeu. No país, 40% dos homens já agrediram as companheiras e o número de registros aumenta após as partidas.

O coro e as letras foram transmitidos ao vivo nos telões do FNB Stadium e a performance foi televisionada pelas duas maiores emissoras de TV do país, com comentaristas preparados para explicar o significado por trás da intervenção.

Criada pela Ogilvy Cap-Town, a ação faturou o Grand Prix em Radio & Audioe mostra de que forma uma ativação pode, ao mesmo tempo, dar novo sentido à categoria e impactar positivamente com uma grande e urgente causa por trás.

PRINT INTEGRA PAPEL A OUTRAS MÍDIAS
Leões da categoria revelam busca por nova identidade

“Quando as marcas precisam dizer algo extremamente importante, é para o impresso que elas vão”, analisou a presidente do júri Print & Publishing, Kate Staners, chairwoman da Saatchi & Saatchi, ao revelar os melhores projetos da categoria. Mais uma percepção dela do que uma constatação dos demais jurados, o que detectamos é uma área com a inevitável necessidade de encontrar nova vocação.

Entre os Leões, aparecem como tendências a integração das peças impressas a outras mídias, especialmente a digital, e a ativação de mensagens que estimulam o público a “esparramar” a campanha nas redes sociais. É o caso de Tagwords, da Africa para Budweiser, que traz uma série de anúncios com “provocações” que podem ser respondidas a partir de uma busca na internet. Nas respostas, ícones da música aparecem em imagens histórias sempre ao lado de uma Bud.

Outro projeto que chamou nossa atenção foi Ikea Pee Ad, um anúncio impresso criado pela Mother London que funciona como teste de gravidez para estimular a mãe a descobrir o resultado e comprar um berço nas lojas. A campanha mostra outra tendência na categoria: a funcionalidade das peças. Marcas buscam dar um sentido funcional ao papel que vai muito além da comunicação propriamente dita.

MOBILE LEVA MARCAS PARA OUTRAS INTERFACES
Wearables e assistentes virtuais aparecem com mais frequência na categoria

Os resultados de Mobile Lions revelam uma categoria ampla, com inovações que vão desde wearables munidos de tecnologia de ponta até aplicativos simples, mas extremamente funcionais. Uma das mais interessantes categorias do festival reflete o quão incríveis podem ser objetos de todos os tipos conectados.

É o caso Samsung Smartsuit, criado pela própria empresa sul-coreana em parceria com a Cheil Amsterdam. Como parte do patrocínio da marca aos atletas holandeses de short track skaters participantes dos últimos Jogos Olímpicos de Inverno, foi desenvolvido um objeto para medir a postura e a performance dos esportistas. Os dados transmitidos para a tela do smartphone permitiram a equipe técnica aprimorar os treinamentos como nunca antes.

Do Canadá, um mobile website extremamente simples, mas com experuência do usuário bem resolvida, funciona como uma espécie de índice de hospitalidade para a comunidade LGBT ao redor do mundo. Destination Pride, da FCB Toronto para PFlag Canada, usa as cores da bandeira do arco-íris – historicamente utilizada para comunicar que homossexuais são bem-vindos em determinado local – para apontar os destinos mais amigáveis ao público independentemente do seu gênero ou orientação sexual.

O Grand Prix da categoria ficou com o brasileiro Detector de Corruptos, criado pela GREY para Reclame Aqui. Utilizando tecnologia de reconhecimento facial com 98% de precisão, o aplicativo identifica o político fotografado e revela imediatamente, na tela do celular,  se o mesmo é denunciado, condenado ou inocente. O app funciona também com fotos de “santinhos” políticos, revistas, jornais e sites. O serviço conquistou o júri em Cannes e, desde já, fica nossa torcida para que conquiste ainda mais brasileiros e promova o voto consciente nas eleições de outubro. Até o fechamento desta análise, o Reclame Aqui reportava quase 1 milhão de downloads na App Store e na Google Play.

CREDIBILIDADE CONTRA FAKE NEWS
The New York Times coloca programática genérica na berlinda

Em meio à discussão sobre privacidade, transparência e fake news, relevância e contexto são pilares que norteiam as relações entre empresas de mídia e conteúdo e seus leitores. No painel Truth in the Era of Deception, que reuniu o presidente e CEO do The New York Times,Mark Thompson, e a presidente global da iProspect, Ruth Stubbs, ambos falaram sobre a importância das boas práticas em mídia programática e de como os anunciantes deveriam estar mais preocupados com essa questão do que os publishers.

Para Thompson, a mídia programática genérica, sem critério na seleção dos parceiros, não é bem-vinda porque incomoda a audiência, especialmente os assinantes que pagaram por conteúdo relevante que deve estar associado a um anúncio significativo. Nesse sentido, ele compartilha a responsabilidade com os anunciantes, em vez de destacar somente agências ou plataformas. “As marcas devem se questionar seus parceiros se querem atingir as pessoas de qualquer maneira em momentos ou espaços inapropriados”, destacou.

O ponto defendido pelo CEO do NYT tem ajudado o grupo a equilibrar as receitas que haviam declinado com o avanço da publicidade digital. No primeiro trimestre deste ano, a publicação registrou 139 mil novos assinantes digitais, um aumento de 25,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Desses, cerca de 40 mil vêm de produtos digitais, como os aplicativos de cozinha e de palavras cruzadas, em uma estratégia de diversificação de canais que está inclusive ajudando a publicação atrair os Millennials. No total, o número de assinantes digitais do NYT a 2,8 milhões.