Cannes Insights: grito criativo contra o racismo, esporte inclusivo e a voz da Mastercard

No segundo dia de festival, destaque para os projetos de marcas e artistas com impacto social

A mensagem que fica dos principais Leões revelados em Cannes nesta terça-feira, 18, é que mais marcas estão assumindo posições claras sobre temas importantes e urgentes. Projetos premiados mostram de que forma a criatividade pode ajudar empresas a exercerem responsabilidade social com coragem, sensibilidade e escala. Nas duas tracks do dia – Entertainment e Craft – presidentes de júri destacaram o poder da comunicação e seus formatos de conteúdo para denunciar e dar visibilidade às demandas de minorias.

Os Leões soam como alento em uma indústria que, durante décadas, reforçou por meio da publicidade estereótipos preconceituosos, racistas e machistas. E mais: certamente são reflexo de uma mudança no próprio festival, que, ano após ano, vem optando por uma maior diversidade na representação do júri no que se refere a raça, origem, gênero, orientação sexual e áreas de atuação.

Confira, a seguir, nossos insights captados no júri e nas apresentações desta terça-feira.

ENTERTAINMENT
Música, esporte e storytelling para um marketing corajoso e sem interrupção

As três categorias desta track destacaram projetos cujos formatos pouco lembram a publicidade tradicional. São ativações, séries de conteúdo e cases musicais que abrem novas possibilidades para as relações entre marcas, artistas, atletas e seus fãs e consumidores. É o marketing sem interrupção. Os formatos se desenvolvem sem as amarras dos intervalos comerciais, a estratégia de mídia precisa ser tão fluida quanto o conteúdo, e a relevância da mensagem para as pessoas precisa estar acima dos interesses da marca.

Em Entertainment for Music, os dois Grand Prix ganharam defesa emocionada da presidente do júri, Paulette Long, consultora na indústria fonográfica. “Celebramos o poder da música em dar voz às pessoas, aos artistas independentes, à arte urbana e alternativa da periferia das cidades. A música não pode ter medo, e nossos Leões reconhecem os corajosos”, analisou. Ela se referia aos dois projetos que conquistaram o prêmio máximo. 

O primeiro, criado pela AKQA São Paulo para Baco Exu do Blues, é mais do que um videoclipe. Bluesman é um movimento de inclusão e de celebração da cultura negra. É um grito contra a discriminação racial e garantiu um GP inédito para o Brasil nessa categoria.

O segundo Grand Prix chegou a Cannes com dois Grammy na bagagem e menções nos principais veículos especializados do mundo. This is America, da Doomsday Entertainment LA para o rapper Childish Gambino, é forte, duro e, ao mesmo tempo, humano. Tem narrativa consistente, imagens impactantes e posicionamento claro.

Assim como os dois GPs endereçam questões sociais, outros Leões nessa categoria também tocaram em feridas. O projeto Mistaken Love Song, criado pela Artplan Brasília para o Governo Federal do Brasil, em 2018, apostou na voz da cantora Naiara de Azevedo para dar visibilidade ao feminicídio no país. Impressionou o júri, e faturou Leão de Ouro.

Já Entertainment Lions for Sport reconheceu a coragem da Nike em Dream Crazy, da Widen+Kenedy. É o segundo GP da campanha (o primeiro foi em Outdoor), que deu destaque ao atleta Colin Kaepernick, famoso por se ajoelhar durante a execução do hino dos Estados Unidos em jogos de futebol, em protesto contra a violência contra a população negra no país.

Rechaçada num primeiro momento por consumidores que queimaram tênis da Nike e postaram vídeos nas redes sociais, e até pelo presidente Donald Trump no Twitter, a comunicação seguiu firme com diversas peças e mensagens sobre acreditar nas convicções pessoais, como forma de comemorar os 30 anos do posicionamento Just do It.

Em Entertainment Lions, categoria que destaca projetos baseados em conteúdo, aparece como tendência o uso crescente de tecnologias como Realidade Aumentada e Realidade Virtual aplicadas ao storytelling e, também, a distribuição de conteúdo personalizado. Destaque, ainda, para animações digitais. É o caso de Share Your Gifts, da TBWA\Media Arts Lab para a Apple.

https://www.youtube.com/watch?v=3dJCroCMBPM

Merece atenção, também, o projeto Viva la Vulva, da AMVBBDO para Libresse/Body Form. O filme de três minutos vem com a trilha Praise You, e mostra objetos coloridos que lembram o órgão genital feminino. A campanha, que promove um gel íntimo para mulheres, chama a atenção para o formato das vulvas, fazendo com que meninas jovens se sintam confortáveis em seu próprio corpo.

Entertainment Lions for Music concedeu 14 Leões; 3 para o Brasil. 
Entertainment Lions for Sports revelou 29 Leões; 3 são brasileiros. 
Já em Entertainment for Lions foram 27 Leões no total; nenhum para o Brasil.

CRAFT
Refinamento estético e produção técnica para empacotar mensagens igualmente importantes

A criatividade artística, o talento e as ferramentas para entregar ideias e soluções finamente bem executadas. Esse é o pano de fundo das três categorias da track Craft, que reconhece a importância do trabalho técnico em uma comunicação de qualidade. Neste ano, os Leões revelados também tocaram em questões importantes, conectando-se à uma tendência geral desenhada até agora no Cannes Lions 2019, de valorização de projetos com impacto social.

Em Industry Craft, a mensagem do júri passa pela intersecção entre produção técnica competente e estratégia de marca. Mais uma vez, destaque para a Nike, que faturou o Grand Prix com Just do It At The Church, criado pela Momentum Worldwide NY. O projeto recuperou uma igreja abandonada na periferia de Chicago e a transformou em centro esportivo, resgatando um ponto histórico da cidade e entregando-o à população. Tudo feito de forma conectada ao posicionamento da empresa.

Teve Leão de Ouro para o Brasil com Black Box, da Wunderman Thompson para a Faculdade Zumbi dos Palmares. Trata-se de um projeto de conteúdo que resgata a história pioneira da África em conquistas científicas não registradas em livros.

Em Digital Craft, destaque para uma marca até então desconhecida em Cannes. A dinamarquesa Carlings conquistou GP com a campanha Adress The Future, criada pela agência Virtue de Copenhagen. Trata-se de um aplicativo capaz de substituir as roupas das pessoas em fotos por uma coleção virtual sem o impacto ambiental gerado pela fabricação das vestimentas físicas originais.

Por fim, Film Craft destacou uma ampla campanha do jornal The New York Times em defesa do jornalismo, das informações verdadeiras e da credibilidade da imprensa. Criada pela Final Cut e Droga5, a série de cinco filmes é extremamente bem executada e permite acompanhar jornalistas do veículo em coberturas desafiadoras. Abaixo, mostramos o filme Resolve, que faturou GP juntamente com outros da mesma série.

https://www.youtube.com/watch?v=PZJdKuTRN5E

Industry Craft entregou 41 Leões, sendo 14 para o Brasil.
Em Digital Craft, foram 23 Leões revelados; 1 é brasileiro.
Film Craft concedeu 78 Leões, dos quais 4 são do Brasil.

PALESTRAS
Uma marca em muitas indústrias

Raja Rajamannar, da Mastercard: transformação passa pela criação de experiências sensoriais | Foto: Christian Alminana/Getty Images For Cannes Lions

Entre as palestras desta terça-feira, nosso destaque vai para duas grandes marcas que subiram ao palco do Palais des Festivals para falar sobre transformação. A Mastercard surpreendeu com uma apresentação multissensorial. CMO da companhia, Raja Rajamannar dividiu o palco com músicos de uma orquestra para contar de que forma a marca vem explorando imagem, áudio e paladar para interagir com os clientes. 

Após reposicionar a identidade dos mais de 20 produtos da Mastercard, colocando todos sobre a mesma unidade visual, a empresa passou se preocupar com o seu som, uma vez que áudio tende a ser a principal forma de interação das pessoas com os devices. O briefing desafiou agências a encontrarem uma melodia simples, neutra, memorável e, principalmente, versátil, que pudesse ser replicada em diversas nacionalidades. 

sound branding já pode ser escutado em alguns países em anúncio na Alexa, assistente virtual da Amazon. Quando uma pessoa pergunta, por exemplo, por recomendações de restaurantes próximos, é o som da Mastercard, de apenas 1.3 segundo, que inicia a conversa.  

Para levar o seu posicionamento Priceless para além do som, a Mastercard passou a explorar o gosto e a verticalidade das indústrias. Já reconhecida pelas experiências gastronômicas que promove para seus clientes, a companhia abriu seu portfólio de produtos e decidiu investir em outro segmento – o de comida. Está abrindo bistrôs e restaurantes pop-ups em cidades com forte vocação para turismo e negócios. 

A primeira a receber uma filial é Roma. “Culinária é uma categoria que movimenta U$ 10 trilhões em todo o mundo. Mais de 40% das transações realizadas por pessoas do sexo feminino com nossos cartões são para produtos que envolvem a gastronomia. Portanto, temos feito esforços grandes neste sentido”, destacou Rajamannar. 

Consistência e perenidade

Ainda na track de Conteúdo, a Coca-Cola mostrou que, apesar da tecnologia desempenhar um papel importante e estratégico direcionando a criatividade, definindo conceitos, métricas e resultados, bom conteúdo ainda é uma das ferramentas mais poderosas para se relacionar com as pessoas. O slogan “It’s the real thing”, que existe desde a década de 40, foi revitalizado em 1971 e persiste até os dias atuais. 

A Coca-Cola apresentou campanhas históricas e explorou a diversidade sob diversos aspectos. “É uma marca que sempre prezou por mensagens de otimismo. Mesmo que isso venha em diferentes e modernas versões”, disse Islam ElDessouky, Head of Integrated Marketing and Communications Midle East de The Coca-Cola Company. 

Convidado secreto 

Matt Rivitz foi o convidado surpresa da sessão Secret Speakers, que aguçou a curiosidade dos participantes ao ser anunciada na agenda do Festival como a “sessão que poderia mudar a sua vida”. O ex-redator, que trabalhou em agências de publicidade por mais de 25 anos, é fundador do Sleeping Giants, movimento responsável por mais de quatro mil anunciantes deixarem de anunciar, em 2017, no Breitbart News, conhecido por artigos sexistas e racistas.

Rivitz veio a Cannes para falar sobre brand safety e como as marcas devem colocar este tema entre suas prioridades. Ele deixou como mensagem o poder da comunicação, da mídia e da tecnologia para construir plataformas que sejam boas para os anunciantes, mas também para a sociedade. “Somos da publicidade, estamos acostumados a mudar o comportamento das pessoas. Agora, precisamos mudar também as plataformas e impactar o mundo”, finalizou. 

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Com insights de Beatriz Lorente, Felipe Turlão, José Saad Neto e Lena Castellón

Edição: Daniela de Lacerda