Cannes Insights: convocatória antirracista e transformação em tempos de pandemia

Digitalização de experiências e ausência de pessoas negras na publicidade estão entre os destaques do dia

O Cannes Lions começou nesta segunda-feira, 22, sem a tradicional distribuição de Leões e de forma exclusivamente virtual. Transmitido de um estúdio direto de Londres, o festival destacou o papel das empresas diante das atuais demandas sociais, sanitárias e econômicas e navegou por movimentos inevitáveis para se construir um futuro sustentável para os negócios – responsabilidade corporativa, transformação digital, efetividade, propósito de marca e mudanças na cultura da própria indústria da publicidade.

Confira, a seguir, a nossa curadoria de destaques do primeiro dia do Cannes Lions LIVE:

GRITO ANTIRRACISTA
A lição que a publicidade ainda não fez

Alex Bennett-Grant: “É preciso por fim à prática de excluir e estereotipar pessoas pretas na publicidade”

No ano passado, o racismo foi tema de relevantes projetos premiados no Cannes Lions. Entre eles, Go Back To Africa, da empresa canadense Black and Abroad, que identificou postagens racistas no Twitter para criar uma campanha programática que alterava o contexto das agressões e promovia o turismo no continente africano. A iniciativa é válida e necessária, mas está longe de ser a solução para um problema complexo e estrutural. 

Ao apresentar a pesquisa Before You Shoot, que traça um panorama estarrecedor da ausência de pessoas negras na indústria publicitária, o CEO da We Are Pi, Alex Bennett-Grant, fez uma convocatória: “É preciso por fim à prática de excluir e estereotipar pessoas pretas na publicidade. É preciso equilibrar a balança do mercado, começando de dentro para fora”, disse. Ele pediu à indústria que se comprometesse a adotar três passos para promover a mudança: “Se posicione contra o racismo (senão você é cúmplice). Exija a contratação de pessoas pretas. Construa um fórum seguro para discussão do tema nas empresas”. 

O grito de Alex Bennett-Grant encontra eco nas milhares de manifestações antirracistas mundo afora, deflagradas por ações violentas de policiais contra pessoas pretas, mas também em uma trajetória de ausência de profissionais negros na indústria da comunicação, da mídia e do marketing.

CÓDIGO DA EFETIVIDADE
Os pilares da eficácia do marketing

A eficácia do marketing está relacionada a três pilares: investimento em mídia, duração das campanhas e multiplicidade de canais para conectar marcas e pessoas ao longo de jornadas cada vez mais fragmentadas. Esse trio dá forma a um índice batizado pelo Cannes Lions de Creative Commitment – quanto mais alto, melhores os resultados. A conclusão é de uma pesquisa realizada em parceria com a consultoria WARC, que analisou projetos premiados na categoria Creative Effectiveness nos últimos 10 anos. 

TRANSFORMAÇÃO ALÉM DO DIGITAL
Nova cultura organizacional nunca foi tão urgente

Ronald Ng: “Transformação digital é sobre mudança de modelos de negócios”

A pandemia de Covid-19, e o consequente isolamento social, impôs a muitas empresas a digitalização de experiências e canais, e tornou ainda mais evidente a importância da transformação digital. Mas, para Ronald Ng, Global Chief Creative Officer da Isobar, o processo vai muito além do investimento em tecnologia: “É sobre mudança dos modelos de negócios. É sobre fazer sentido para as necessidades das pessoas, e isso mexe com a cultura das organizações”. 

O executivo presidiria, neste ano, o júri da categoria Creative Business Transformation, e falou sobre o que o festival buscará reconhecer nessa área, em 2021: “Trabalhos que refletem o esforço das empresas em atender às demandas das pessoas. Não é só digitalização, e sim um esforço para se reencontrar em um mundo completamente mutante”. Questionado sobre um projeto premiado em Cannes que materializa essa busca, ele citou KFC Pocket Store, que levou a experiência das mais de 5 mil lojas da rede de fast food na China para o aplicativo de celular.

DESAFIOS DA CMO
Leanne Cutts, do HSBC, destaca agilidade e criatividade

Leanne Cutts: “É importante direcionar investimentos para ter verba suficiente em todas as fases da crise”

Primeira convidada das sessões CMOs in the Spotlight, Leanne Cutts, líder de marketing do HSBC, citou agilidade e criatividade como ingredientes-chave para gerir marcas no atual momento. Fundamentado nos 3Rs – “react, respond & rebuild” –, seu time correu para ajudar o HSBC a desenhar práticas que ajudassem os clientes em lockdown ou isolamento social, fossem elas assinaturas digitais, serviços baseados nas últimas medidas financeiras de cada governo ou simples ligações para checar se estavam bem. 

“Para colaborar com nossa comunidade, podemos inovar mais e pedir mais recursos”, avaliou, de Londres, a executiva. “Mas é importante direcionar investimentos para ter verba suficiente em todas as fases da crise.” 

CMO de uma organização global, Leanne frisou, ainda, a importância de ser resiliente, adaptável e flexível. “Uma lição que aprendi foi ouvir as vozes locais, na Malásia e no México, no Reino Unido e na Austrália. Combinando culturas, você chega a grandes ideias criativas”.

VOX MEDIA
Como escalar conhecimento

A Vox Media foi criada com a missão de explicar as notícias, se diferenciando pela forma como explora diversas linguagens, formatos e canais. Durante a pandemia de Covid-19, esses fatores se tornaram ainda mais importantes, diante da crescente busca por informações acessíveis, confiáveis e contextualizadas, apresentadas de forma criativa e alinhada ao perfil de cada público. 

No Cannes Lions LIVE, a empresa mostrou de que forma adaptou sua produção ao isolamento social imposto pelo novo coronavírus e, especialmente, como levou o conceito de explainers para o setor de branded content

A Vox Media criou The Explainer Studio para produzir conteúdo customizado para as marcas, explicando o que cada empresa faz e por que isso importa. A voz editorial da empresa e seu singular storytelling se unem à essência das marcas em produtos como o recente vídeo lançado para divulgar a série Upload (2020), do Amazon Prime. A partir de pesquisas e entrevista com especialista no tema, mixadas com trechos da série, o vídeo gira em torno da inquietante discussão sobre a vida digital após a morte do corpo físico.

A empresa também mostrou porque é referência global na produção de conteúdo a partir de programas que tratam especificamente do novo coronavíus. Em parceria com a Netflix, a Vox Media produziu a série Coronavirus Explained. Com o Quibi, lançou o programa diário Answered by Vox, esclarecendo questões diversas ligadas à Covid-19.  

Em outra iniciativa, foi criada uma edição especial do podcast Today Explained voltada para as crianças, a fim de ajudá-las a entender um pouco do que está se passando durante a pandemia.

FOOD LEARNINGS
Rei Inamoto enumera aprendizados da pandemia

Rei Inamoto: “Não é necessário ser pequeno para ter velocidade operacional”

“O que podemos aprender com a reação da indústria de restaurantes à pandemia do novo coronavírus”. Apresentando essa temática, Rei Inamoto abriu as sessões Future Gazers, em que líderes globais apontam para onde a criatividade está caminhando. 

Fundador-parceiro da I&CO, empresa de invenção de negócios sediada em Tóquio, o ex-CCO da AKQA e da R/GA sempre buscou inspiração na gastronomia e no modo como os chefs operam – e criam. “Essencialmente, um negócio de restaurante é um negócio de criatividade. E esses negócios foram devastados pela Covid-19”, observou. 

Inamoto traçou paralelos entre o setor e a indústria da propaganda, partindo do exemplo de seu amigo Yoshihiro Narisawa, chef ambientalista do Narisawa. O restaurante de Tóquio tem duas estrelas no Guia Michelin e é o 22º melhor do mundo no ranking 50 Best.  

A crise sanitária acelerou o que o criativo chama de “quatro imperativos para o crescimento”, entre os quais destacamos dois. O primeiro é a velocidade operacional, que substitui a escala organizacional.  Com turistas estrangeiros formando sua base de clientes, Narisawa rapidamente adaptou seu complexo menu às particularidades do delivery, desenvolvendo caixas de obentô, a marmita japonesa.

Apesar dessa adaptação, o restaurante seguiu praticando sua gastronomia sustentável e não baixou demais os preços, de modo a manter a imagem de sua grife intacta. Em plena recessão econômica, considerando que um jantar em sua premiada casa partia de US$ 400 por pessoa, sem bebidas, a reinvenção promovida pelo chef mostra como um negócio pode crescer no novo normal. 

“Não é necessário ser pequeno para ter velocidade operacional”, afirmou Inamoto, destacando mais um imperativo para o crescimento: a transição de USP (“unique selling proposition”) para POV (“point of view”). “O ponto de vista do CEO é crucial. Narisawa criou um de seus primeiros pratos-assinatura, a ‘soil soup’, indo até a fazenda de um fornecedor e usando o solo de lá. Queria provar que ele era livre de pesticidas”. 

AGÊNCIAS DA DÉCADA
Europa e Midle East & Africa

Ao longo da semana, serão anunciadas as vencedoras regionais do prêmio Agência da Década, culminando com a ganhadora global, que será conhecida na sexta-feira, dia 26, último dia do evento. Nesta segunda, 22, foram divulgados os prêmios para Europa e Middle East&Africa. 

Agência da década – Europa
Quem levou o prêmio foi a adam&eveDDB. A agência esteve sete vezes no ranking das “top 10” e seis vezes entre as “top 5”, conquistando três vezes o primeiro lugar.

Agência da década – Middle East&Africa
A vencedora foi a VMLY&R Dubai, que já esteve sete vezes no ranking das “top 5” e ganhou duas vezes o primeiro lugar. 

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Com insights de Daniela de Lacerda, Débora Yuri e José Saad Neto

Crédito Imagem:
iStock Getty Images