Foram 17 anos em grandes agências de publicidade, lidando com marcas nacionais e internacionais. Como diretores de criação, André Faria e Vitor Palatano participaram dos maiores festivais de criatividade do mundo, experimentaram a rotina dos departamentos criativos e entenderam as necessidades do cliente no turbilhão que é a entrega de campanhas.
Mas o amor pela música nunca deixou de pulsar. E foi da desconcertante visão de que a música vem sendo subestimada pela propaganda brasileira, que a dupla lançou, em setembro, a Soup, primeira consultoria brasileira de trilhas e conteúdo musical com foco em ideias. “Transitamos no universo da música e temos a experiência ao lado de agências e marcas. A intersecção desses dois mundos é nosso maior ativo e existe espaço para crescer no mercado nacional”, diz André Faria, sócio e diretor de criação da empresa.
Para compor a empresa, a dupla convidou Murilo Faria, irmão de André, para ser responsável por mixagem e finalização. Em comum, os três carregam a experiência com suas bem sucedidas carreiras musicais paralelas. André Faria forma junto com Murilo a badalada Aldo The Band, que acaba de lançar seu segundo disco. Já Vitor lidera o grupo Me & The Plant, considerada um dos maiores expoentes do folk-rock indie do Brasil.
Entre um café e outro, conversamos com André e Vitor, na Vila Madalena, em São Paulo, sobre música, publicidade, oportunidades para marcas e futuro.
GoAd Media – Como anda a relação entre música e publicidade no Brasil?
André – Com todo o potencial que uma música tem, no universo das marcas, enquanto propriedade, talvez ela seja a arma mais ponderosa que empresas têm para se conectar com seus públicos. Tendo esse cenário, é quase um absurdo ela ser negligenciada há pelo menos 20 anos na propaganda brasileira como vem sendo. Na década de 1980, ainda tivemos muitos jingles fortes, mas depois ficou em segundo plano. Não é sobre fazer jingles que estamos falando, e sim sobre pensar a música de forma criativa.
A Soup surge para mudar esse cenário. Nós consideramos que somos tão importantes quanto um diretor de cena. A música é tão importante quanto a imagem. Muitas vezes, sem a trilha, filmes não fazem sentido. A Soup nasce para pensar criativamente sobre isso. Existe espaço para debater desde o briefing até a entrega final.
GoAd – Por que a música foi negligenciada nos últimos 20 anos?
André – É circunstancial. As coisas que vão acontecendo na dinâmica do mercado.
Vitor – Penso que, principalmente, pela velocidade dos processos na propaganda. É importante perceber que nesses 20 anos houve uma revolução tecnológica. E essa revolução permite que você tenha uma produtora de áudio dentro de um laptop. Isso, de uma forma geral, facilitou o processo e criou um buraco na importância das trilhas, da locução.
GoAd – Essa é uma característica do mercado brasileiro?
André – Não só no quesito música, mas na comunicação em geral. Não em termos de criatividade, mas em termos estruturais. Por tradição, somos criativos. Mas quando entramos no universo da produção, ficamos aquém dos Estados Unidos. Quando falamos de narrativas, não temos a tradição literária da Inglaterra. Na música, que é um capítulo da produção, ficamos aquém dos Estados Unidos e da Europa.
Vitor – Mas é importante ressaltar que nossa tradição musical é um ponto positivo.
GoAd – Na visão da Soup, de que forma essa nossa tradição musical influencia a publicidade? Existe uma simbiose?
Vitor – O Washington Olivetto foi quem melhor definiu essa relação ao dizer que a cultura é intimamente ligada à propaganda. Não existe separação. A propaganda se alimenta disso.
GoAd – Nos últimos anos, surgiram algumas consultorias brasileiras de music branding. O que diferencia a Soup dessas empresas?
André – Music branding não existe. Existe branding e existe música. Nós não acreditamos nesse modelo. Nós acreditamos na criatividade para cada desafio lançado. Nós não criamos redomas para trabalhos. Acreditamos que existe branding e que a música ajuda um projeto, e não necessariamente a marca como o todo. Essa é uma função do branding.
GoAd – A indústria fonográfica foi uma das que mais sofreu com a revolução digital e foi completamente transformada. Qual será o próximo passo?
Vitor – A indústria está tateando muito. A Apple, que é uma das empresas mais inovadoras do mundo, lançou uma plataforma de música, depois de transformar o consumo de música com o iPod. Dois dias depois do lançamento da Apple Music, eles disseram que haveria um período de experiência para a divisão de lucros com os artistas, o que gerou, inclusive, protestos de muitos deles. Então, esse é um exemplo de que tudo sendo experimentado todo dia.
André – Não arriscamos prever o próximo passo porque daqui dois meses tudo pode mudar. Mas nós temos uma visão muito otimista sobre música e publicidade porque uma nova geração está assumindo a liderança agências e departamentos de marketing aqui no Brasil. Acreditamos que essas pessoas têm em comum com a Soup a visão estratégica do papel da música na comunicação. Por isso, acreditamos que o futuro é promissor. A música não é e não pode ser coadjuvante no processo criativo.
Fotos: Ariel Martini