A Austin do SXSW é extremamente diversa. No período do festival, o centro da cidade fica lotado de gente de nacionalidades, cores, credos e identidades diferentes. Ainda assim, há uma coisa que salta aos olhos: os poucos cabelos brancos.
Em um festival de inovação onde a economia criativa pulsa e as novas ideias proliferam, o aspecto geral da audiência é bem jovem. Na contramão do que se vê pelas ruas, alguns painéis chamam a atenção para um quadro que se configura aos poucos – mas que deve forjar a busca por inovação em pouquíssimo tempo. É a necessidade de criar cidades adaptadas a uma população cada vez mais velha.
O Census Bureau dos EUA estima que, até 2050, o percentual da população acima de 65 anos deve dobrar no mundo – e o número de octogenários deve triplicar. Já em 2030, deve haver mais gente com mais de 60 do que com menos de 10 anos de idade. Como preparar os centros urbanos para essa mudança tão radical?
A Aging2.0, organização que reúne startups do mundo todo, tenta responder a essa questão incentivando empreendedores a gerar inovação não só em produtos, mas em comunidades. “O tempo todo surgem startups com um novo gadget cheio de sensores para supostamente melhorar a vida dos mais velhos. Poucas são as que pensam em melhorar o ambiente como um todo”, disse um dos fundadores, Stephen Johnston.
Essa linha de pensamento se aproxima muito de uma discussão levantada ontem pelo sociólogo Eric Klinenberg, da Universidade de Nova York. Em seu livro Palaces For The People, Klinenberg argumenta que construir infraestrutura social – lugares projetados para o público, como livrarias gratuitas, parques e todo tipo de espaço de interação – é um antídoto para combater a polarização e o isolamento, um problema que acomete boa parte das pessoas mais velhas.
“Tente lembrar a última vez em que você se sentiu à vontade para ir pra rua sem nenhuma outra preocupação, a não ser ver gente. As cidades de hoje parecem não ter mais espaços para que alguém simplesmente converse com um desconhecido, a não ser que você saia para comprar alguma coisa”, afirma Klinenberg.
Definitivamente, o SXSW está apontando para um futuro em que as cidades estarão, sim, repletas de tecnologia – carros autônomos, sistemas de transporte inteligentes, infraestrutura sustentável e sensores de vigilância por todo lado. Mas isso a gente já sabia. O que a edição de 2019 está trazendo de novo é que, para além da inovação e da tecnologia, as cidades do futuro serão feitas de gente na rua – gente diferente e de todas as idades.
LONGEVIDADE
Envelhecendo com tecnologia e autonomia
Na linha das cidades para uma população cada vez mais velha, uma discussão recorrente neste SXSW é sobre a qualidade da vida com o passar dos anos. Você já parou para pensar como gostaria de viver quando tiver 60, 70, 80 ou 90 anos? Ou que tipo de tecnologia gostaria de incluir nos cuidados de saúde com seus pais ou avós, durante os próximos anos?
Um dos grandes flancos de aplicação das inovações tecnológicas tem sido os cuidados com a terceira idade. Trata-se de um grupo demográfico que não para de crescer, especialmente nos países desenvolvidos, e que vai requisitar novos tipos de atendimentos.
Trice Johnson, líder da Microsoft na aplicação de internet das coisas na área da saúde, conta que o estalo para trabalhar com a área veio dos desafios de cuidar da mãe, que tem enfrentado sérios problemas neurológicos. “Eu não conseguia convencê-la a viver em uma casa de repouso. Ela queria estar na casa dela”, contou.
Os cuidados que Trice Johnson deseja para a mãe serão possíveis em um futuro muito próximo. Para exemplificar o que a tecnologia já permite, a executiva apresentou um projeto prático de aplicação da realidade 3D da Microsoft, conhecida como HoloLens, em um atendimento médico domiciliar personalizado. “Já podemos fazer o HoloTransporte de médicos diretamente para a casa dos pacientes”, afirmou, animada com a possibilidade de “teletransporte holográfico” de médicos para as casas de pacientes da terceira idade.
A executiva quer conectar à internet a maior parte dos itens que fazem parte cotidiano da mãe, que tem 66 anos. “Eu quero ter um sistema que me notifique assim que algo sair do padrão: quando minha mãe não tomar seu café no horário usual, ou quando as vibrações da sua cama estiverem maiores do que o normal, indicando que ela poderia ter sofrido uma convulsão”, explicou.
A médica geriatra Wen Dombrowski reiterou a fala de Trice Johnson, lembrando que, mais do que garantir atendimento médico, a tecnologia já pode auxiliar as famílias a monitorar, de forma não invasiva, o cotidiano dos idosos. “Temos tecnologias que permitem acompanhar o movimento dos idosos em uma casa, acionando um familiar em caso de uma movimentação muito fora do padrão”, explicou. Como exemplo, ela cita o caso de um alarme que chama por socorro, caso o paciente leve uma queda.
“Não estamos advogando uma invasão da privacidade dos pacientes”, ponderou Trice Johnson. “A intenção é fazer com que as pessoas da terceira idade tenham mais independência no seu dia a dia, sem precisar ficar avisando todos os detalhes do seu cotidiano para os familiares”.
A executiva defende que esse “Big Brother”, no fim das contas, pode trazer mais autonomia para os idosos – já que, caso algo dê errado, seus familiares serão acionados.
Wen também lembrou a existência de todo um mercado de robótica que pode auxiliar nos cuidados paliativos de pacientes com demência. São bonecas e bichinhos de estimação eletrônicos, utilizados por casas de repouso especializadas, em terapias para lidar com a solidão.
As possibilidades de companhia (ainda que robótica), de presença médica (ainda que virtual) e de monitoramento (mesmo que um tanto invasivo) proporcionadas pela tecnologia mostram que desponta no horizonte não só uma vida mais independente e autônoma para a terceira idade, mas serviços que levam em conta os desafios de usabilidade de pessoas que têm baixa concentração, deficiências visuais ou de coordenação motora. A intenção é estender a independência e a dignidade de pessoas em condições vulneráveis tanto quanto estamos prolongando a expectativa de vida.
ALÉM DE HOLLYWOOD
A CEO do bem-estar Gwyneth Paltrow
O trabalho dela como atriz é mundialmente conhecido. Mas aqui no SXSW Gwyneth Paltrow veio falar sobre sua atuação como CEO da Goop, empresa de produtos de bem-estar, espiritualidade e estilo de vida. “Estou tentando criar algo maior do que fui como celebridade”, contou à âncora da CNN Poppy Harlow, no palco do SXSW.
A atriz fundou a Goop em 2008, após viver uma crise existencial como atriz, mas só assumiu como CEO oito anos depois. Além de produzir conteúdo, a Goop possui linha de roupas e acessórios, suplementos alimentares e livros, e está avaliada em US$ 250 milhões.
“Não terminei a faculdade, não fiz MBA, e não tenho carreira em negócios. Tive que aprender aos poucos e entendi que fazer perguntas não é errado. Você pode ser muito inteligente e ainda assim não saber muitas coisas”, disse.
A opção de trabalhar nessa área não veio apenas das áreas de interesse pessoal, mas do desejo de criar uma empresa menos vulnerável aos momentos difíceis do mercado. “Se o Facebook mudar um algoritmo ou o crescimento de determinada operação cair, podemos pressionar diferentes áreas do negócio”, contou a CEO, que tem como uma de suas inspirações a Disney. Assim como o grupo de entretenimento, o plano é ter o conteúdo como core business e, a partir daí, manter linhas de negócio auxiliares.
A Goop também está de olho em produtos baseados em maconha e canabidiol. “Este será um grande mercado, e há espaço para entrarmos neste negócio. Mas faremos isso no momento certo. Esta ainda é uma área muito pouco regulada, embora a linha de supply chain já esteja estruturada”, explicou.
HUMAN CENTRIC
Pessoas, e não consumidores
Uma reconexão com as pessoas para muito além dos dados foi a tônica do quarto dia do SXSW na track Brand & Marketing. Enquanto Gigy Taylor, antropóloga e consultora da Luminosity Research, falava sobre a necessidade de as empresas estarem mais alinhadas a conceitos da filosofia e da antropologia para a mensuração de dados, Jared Feldman, CEO da Canvas AI, explicava de que forma a empresa vem se preocupando em medir reações emocionais das pessoas – o chamado ‘data experiential’.
Trabalhando de forma integrada com a Fox em alguns projetos, Feldman conta que consegue, por exemplo, coletar dados emocionais durante a exibição de um episódio de uma série – e fazer previsões sobre como as pessoas podem reagir nos próximos capítulos.
Segundo Michael Shields, sales strategy and business development da Fox Group, o aprendizado pode resultar em insights para a criação das narrativas dos anunciantes, voltadas para uma faixa específica da grade de programação. “Se você tem um programa com uma carga dramática, por exemplo, é preciso escolher o tom das piadas que vai contar”.
Colocar as pessoas e suas emoções no centro das estratégias também foi a crítica do painel sobre marketing imersivo. Para Taylor Katai, da Giant Spoon (responsável pela experiência de Westworld do SXSW 2018), ao focar em ações em espaços tradicionais de mídia ou na escolha de influenciadores, as marcas estão tirando a oportunidade de ganhar novos embaixadores: os próprios consumidores. “Quando criamos uma experiência imersiva, temos todos os assets de uma campanha, pois as próprias pessoas vão compartilhar (veicular) fotos e vídeos, e ainda vão ter uma memória afetiva sobre sua marca”.
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O que vem primeiro – tecnologia ou criatividade?
Depois de construir uma sólida carreira de quase duas décadas na R/GA, agência com veia de produtora digital, Nick Law assumiu, em janeiro de 2018, a liderança global de criatividade do Publicis Groupe. No palco do SXSW na segunda-feira, ele defendeu que tecnologia é uma condição para a criatividade.
Para provar, deu o seguinte exemplo: “O gravador foi inventado para registrar falas, mas virou outra coisa nas mão de artistas, que perpetuaram a música. A ideia de que a tecnologia é um empecilho para a criatividade é absurda. Você não consegue ser criativo sem ter tecnologia”.
Mas por que as empresas têm dificuldade para se manter criativas, diante das inovações tecnológicas? Para Law, isso tem a ver com a organização do time criativo. O modelo clássico das agências era de separação entre texto e arte. Agora, a expressão da vez é integração multidisciplinar.
Em um festival em que a morte da publicidade é decretada incontáveis vezes, a presença de Law soa como um pedido de última chance. “Nós trabalhamos com o cérebro. Nada impede que a gente acorde de manhã e mude tudo na forma como fizemos até aqui”, garantiu.
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Com insights de Beatriz Lorente, Christian Miguel, Jacqueline Lafloufa e José Saad Neto, de Austin