A ruptura tecnológica que representa a maior transformação da história do varejo foi o grande tema da 107ª edição do Big Show, evento anual da National Retail Federation (NRF). Mais de 37 mil pessoas participaram da feira e da convenção, realizada entre 13 e 15 de janeiro, em Nova York.
O crescimento assustador da Amazon, que em setembro passado superou US$ 1 trilhão em valor de mercado e em janeiro desbancou a Apple como companhia mais valiosa do planeta, e o crescente desafio de atrair clientes para as lojas tradicionais diante da competição com o comércio eletrônico foram o pano de fundo para as discussões dos varejistas e fornecedores reunidos no centro de convenções Javits Center, às margens do rio Hudson, em Manhattan.
Será que a loja do futuro não terá caixas registradoras, e os clientes poderão simplesmente pegar os produtos da prateleira e simplesmente sair andando? Como criar experiências inovadoras que criem no consumidor o desejo de visitar lojas físicas? Como transformar seus clientes em embaixadores de sua marca nas redes sociais? Qual é a chave para uma experiência “sem atritos” entre o navegador do computador, o aplicativo do celular e a loja do mundo real? Essas foram algumas perguntas que os palestrantes da NRF 2019 tentaram responder.
Alerta para o spoiler: não existem certezas. Mas há algumas indicações claras sobre o que vem por aí para varejistas do mundo todo.
Experiência
Um dos pontos repetidos à exaustão é a importância da experiência do cliente na loja física. Lee Pedersen, vice-presidente executivo da consultoria WD Partners, apresentou exemplos de lojas nas quais os produtos estão literalmente em segundo plano.
A House of Vans, em Chicago, é uma mistura de skate park com espaço de shows. Para a marca de artigos de luxo para ciclistas Rapha, da Inglaterra, os espaços físicos são uma forma de criar uma comunidade – daí o nome Club Rapha. Os fãs da marca podem participar de passeios em grupo e, na volta, tomar uma cerveja na loja. Se quiserem, podem comprar um shorts Rapha, que pode custar o equivalente a R$ 1.300.
A Nike Innovation Lab, na 5ª Avenida, em Nova York, tem seis andares e incorpora a tecnologia digital. Com o celular na mão, os clientes podem escanear as peças num manequim e elas são enviadas diretamente para o provador.
Venda direta
A nova categoria do varejo que vende diretamente para as pessoas também marcou presença na NRF 2019. O fenômeno não para de crescer nos Estados Unidos e na Europa, e é um dos segmentos acompanhados com mais atenção no setor.
A fabricante de tênis All Birds nasceu há três anos e tem lojas em somente três cidades (Nova York, San Francisco e Londres), mas seu valor de mercado é estimado em 1,4 bilhão de dólares. A empresa vende diretamente para o consumidor e tem somente cinco modelos em seu portfólio. Mas a relação com os clientes é muito diferente da mantida por uma Nike, por exemplo, disse o fundador da All Birds, Tim Brown. O primeiro modelo lançado pela companhia já passou por 27 revisões, sempre com base no feedback dos consumidores. “É como uma atualização de software”, diz Brown.
Tina Sharkey contou como transformou a Brandless em uma das maiores histórias de sucesso do varejo americano no ano passado vendendo alimentos e produtos domésticos e de beleza que sempre custam US$ 3, são sustentáveis e ambientalmente corretos e conquistam as redes sociais como poucas marcas – embora o nome da empresa seja traduzido literalmente como “sem marca”.
Tecnologia invisível
Do lado da tecnologia de ponta, as inovações mais interessantes apresentadas na NRF 2019 estavam relacionadas ao “frictionless checkout”, algo como pagamento sem atrito. A ideia, é claro, é tentar replicar o modelo das lojas Amazon Go, nas quais o cliente escaneia um código QR na entrada da loja, pega os produtos que quiser e simplesmente sai andando – as compras são debitadas automaticamente.
Diversas startups estão investindo em sistemas semelhantes. A americana Zippin abriu uma loja conceito idêntica à Amazon Go em San Francisco.
A israelense Shopic desenvolveu um sistema que permite que o cliente escaneie os produtos com o celular e, na saída, simplesmente passe um código QR do celular por uma leitora para confirmar o pagamento (e para que possa haver checagens eventuais em caso de erro ou furto). Já a startup nova-iorquina Caper desenvolveu um carrinho de compras inteligente, capaz de “enxergar” – usando câmeras e a tecnologia de visão computadorizada – os produtos colocados ou retirados do carrinho. Os carrinhos estão em testes em duas lojas de Nova York, e a empresa afirma que sua solução é mais barata e mais escalável que a complexa tecnologia da Amazon Go, que exige dezenas de câmeras e sensores espalhados pela loja.
Outro termo que apareceu em diversas apresentações e em praticamente todos os stands das gigantes da tecnologia foi a inteligência artificial. A Cineplex desenvolveu uma tela de quase dois metros de altura que exibe peças promocionais e é equipada com uma câmera – o sistema identifica o perfil de quem está olhando para a tela (sexo e idade aproximada) e qual o nível de atenção dedicado às mensagens. A ideia é exibir conteúdos que chamem a atenção dos clientes naquele instante, para aumentar as conversões.
A rede de supermercados americana Giant Food Stores anunciou na NRF 2019 que o robô Marty estará presente em todas as suas 172 lojas – a maior implementação desse tipo de tecnologia no varejo americano. O robô é uma torre de cerca de dois metros de altura que percorre os supermercados em busca de líquidos derramados, produtos pelos corredores e outros itens que possam causar risco de segurança para os clientes. Uma vez avisados, os funcionários ficam encarregados da limpeza.
Além disso, o Marty também escaneia as prateleiras e identifica produtos em falta e eventuais inconsistências entre os preços exibidos e o sistema de gestão da companhia. O Walmart também anunciou em dezembro que dará início a um programa com 360 robôs autônomos em suas lojas nos Estados Unidos.
Muitos dos 37 mil participantes da NRF deste ano foram à feira buscando respostas sobre a próxima fronteira do varejo. Lá, encontraram o presente em profunda transformação digital. Sem passar por ela, inevitavelmente, não há respostas sobre o futuro.