Clubhouse: a horizontalidade da voz e a fuga da imagética vida irreal e perfeita

Ao adotar o áudio como formato principal de interação, rede social vira hit entre formadores de opinião, mas ainda precisa provar que pode ir além do hype

Se você ainda não faz parte do Clubhouse, pelo menos já deve ter ouvido falar na nova rede social que entrou na agenda das conversas nas últimas semanas, especialmente entre jornalistas, publicitários, artistas, influenciadores e empreendedores. 

O aplicativo – disponível, por enquanto, para iOS, o que equivale a pouco mais de 27% dos celulares do mundo – foi lançado no primeiro trimestre de 2020. Em janeiro deste ano, após rodada de US$ 100 milhões de investimento, superou a casa de US$ 1 bilhão de valor de mercado, e mais de 5 milhões de usuários globalmente, de acordo com a Statista. É pouco se comparado ao poder de canhão do Facebook, que chega a atingir 2 bilhões de usuários no mundo, mas merece atenção pelo potencial de atratividade, formatos de interação e provocações que lança sobre o futuro das redes e das mídias sociais.

O Clubhouse funciona como um ecossistema digital de áudio com vários programas simultâneos. São salas de bate-papo temáticas abertas pelos próprios integrantes da rede, com capacidade para, no máximo, 5 mil usuários cada uma. Quem cria as salas ganha poder de moderador e guia as conversas, abertas a quem quiser participar. Para isso, basta “levantar a mão” pelo ícone embarcado no app e aguardar a vez de falar. 

Para entender ainda mais a dinâmica, pense no Clubhouse como um grande evento virtual com vários debates acontecendo ao mesmo tempo. Você escolhe em que sala quer entrar a partir do interesse nos temas e do que está sendo conversado ali. Depois, basta acessar e fazer parte da discussão, que acontece por meio da interação pela voz. Quem quiser só ouvir, pode também. Sem pressão, sem exposição.

Fala que eu te escuto, mas também pergunto

De Elon Musk e Tiffany Haddish a Caetano Veloso e Preta Gil, várias personalidades deram as caras (ou melhor, a voz) por lá, interagindo, respondendo perguntas e lançando luz sobre o poder das interfaces de áudio para conectar pessoas. Até Mark Zuckerberg entrou para ver como funciona, usando o nickname Zuck23, e também interagiu, possivelmente planejando uma proposta de compra ou o lançamento de ferramenta parecida em seu poderoso ecossistema. 

Por aqui, enquanto o Big Brother Brasil era um dos assuntos mais comentados no Twitter ao longo do último fim de semana, com cancelamentos e casos de bifobia contra o participante Lucas Koka Penteado, o diretor da atração da TV Globo, Boninho, escolheu o Clubhouse para interagir e responder a perguntas de fãs e críticos. Tudo na lata, ao vivo, sem roteiro e na instantaneidade do áudio digital. 

Conversas horizontais e a fuga do perfeito

Entre as muitas salas pelas quais passei e interagi ao longo dos últimos dias, notei um ponto de conexão sobre o interesse voraz e viciante na nova rede: o fato de ela, literalmente, dar voz aos que assim desejarem. A maneira como os fóruns são criados faz com que os usuários se sintam confortáveis em participar. A interação entre os participantes soa mais horizontal. Mesmo sem ser moderador, você pode falar e debater com usuários anônimos ou famosos, desde que autorizado por quem abre a sala. 

Outro ponto que destaco é o fato de o aplicativo dar protagonismo às conversas em áudio, e não às imagens, como acontece no Instagram e no TikTok. Enquanto a vida perfeita e bem produzida passa pelos feeds das concorrentes, o Clubhouse nos revela menos esteticamente e mais pelo que conhecemos e somamos. O poder está na voz, na entonação, na segurança ou na vulnerabilidade. Sem filtro e sem criar a sensação de que a grama do vizinho é mais verde e bonita.

Pelo menos por enquanto, o conteúdo tem sido bom. Há, como em todas as redes, a tentativa de usar o espaço como palco para alimentar o próprio ego, mas há também o confrontamento instantâneo e a ressignificação do que é sucesso no contexto da voz, e não da imagem.

Dados e privacidade

Aspecto central em relação ao aplicativo é o modelo de negócios, de coleta de dados e de vigilância que se estabelece nesse ambiente, no momento em que se discute, globalmente, políticas mais claras sobre privacidade. É preciso cobrar e entender de que forma o Clubhouse vai tratar as conversas e salas que, efemeramente, desaparecem depois de realizadas.

Na euforia em fazer parte da nova rede, adotamos um comportamento comum no digital em troca da agilidade de serviços e entretenimento: a aceitação de termos e condições sem esmiuçar o que, de fato, está imposto nas letrinhas.

Com o aplicativo sob os holofotes, será urgente maior transparência sobre o modelo de negócios e, consequentemente, tratamento de dados pessoais. Ao analisar as notícias recentes publicadas na imprensa especializada em tecnologia nos EUA, nota-se um tom de cobrança para que os fundadores Rohan Seth and Paul Davison esclareçam os gargalos.

Potencial além do hype e o papel das marcas

O Clubhouse, por enquanto, não é sobre marcas, embora muitas das salas por lá sejam em torno de temas como marketing digital e empreendedorismo. Esses são, inclusive, assuntos recorrentes na rede, com alguns fóruns servindo de palcos virtuais para empreendedores e “gurus”. No entanto, o ângulo tem sido mais sobre o papel das pessoas nesses contextos e os temas que impactam a vida delas, pessoal ou profissionalmente.

Sem formatos ainda definidos para empresas, a rede tem um potencial enorme para o marketing significativo, que não interrompe e nem invade. O marketing que mira a influência pela relevância. Já há empresas e escolas de inovação abrindo salas para debater temas como cultura empresarial, inteligência artificial e liderança, além de clubes de executivos e grupos de WhatsApp que ganham rodas de discussão no aplicativo.

Se o Clubhouse é um hype temporário que logo cairá no esquecimento, ainda não sabemos, mas o potencial para ser um plataforma com boa oferta de conteúdo e trocas está mais do que lançado. O sucesso deve depender de como a própria rede se construirá e da curadoria necessária a partir do momento em que o app crescer em termos de usuários e conteúdo.

Pela diversidade de redes, fóruns, formatos e debates, torcemos pela vida longa do Clubhouse, estimulando a horizontalidade nas conversas e menos representação do ideário de estética perfeita.

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 José Saad Neto é jornalista, empreendedor e curador de tendências. Fundador da GoAd Media, rede de conhecimento em comunicação e marketing. Pesquisador no COM+, grupo de pesquisa na área de comunicação e jornalismo digitais vinculado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

* Este artigo foi atualizado no dia 11 de fevereiro de 2021, às 11h30.