Como as marcas podem (e devem) combater a desigualdade digital

Pandemia evidenciou a importância de ampliar acesso à internet, melhorar qualidade da conexão e promover treinamento

A pandemia de Covid-19 evidenciou uma questão social que se agrava diante da crescente digitalização dos serviços e exige o engajamento das marcas. É a desigualdade de acesso à internet e também a conexões de qualidade, problema que atinge diversos países e, em particular, o Brasil.

Dados divulgados em maio pelo Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) mostram que um quarto da população, algo em torno de 47 milhões brasileiros, não têm acesso à internet. Nas classes D e E, o percentual de não-usuários chega a 43%.

Entre as pessoas que acessam a internet, há muita gente com recursos limitados, que dificultam, ou até impedem, determinadas atividades. Aulas virtuais, trabalho remoto e comércio digital, por exemplo, que se propagaram durante a pandemia, muitas vezes são comprometidos por planos de internet restritos e pela má qualidade da cobertura em algumas regiões. O levantamento do Cetic.br revela que 58% dos brasileiros acessam a rede exclusivamente pelo telefone móvel, percentual que chega a 85% nas classes D e E.

“De maneira geral, a pesquisa mostra que atividades culturais, escolares, de trabalho e de serviços públicos na internet ocorrem em menor proporção entre quem usa a internet apenas pelo celular e entre aqueles que não possuem banda larga fixa no domicílio. Apesar de os dados terem sido coletados num período prévio à disseminação da pandemia, eles revelam como limitações de acesso podem afetar os estratos mais vulneráveis da população”, afirmou Alexandre Barbosa, gerente do órgão, ao apresentar o estudo.

O programa de doações 4G para estudar foi lançado durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, com o objetivo de fornecer planos de internet para jovens da periferia – para que possam ter acesso a aulas e conteúdos educativos digitais.


Custo é uma das principais barreiras

Realidade semelhante é vivenciada em outros países, como aponta o estudo The Great Digital Divide, do Instituto Capgemini, a partir de pesquisa realizada entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020, com a participação de 5 mil entrevistados da Alemanha, Estados Unidos, França, Índia, Reino Unido e Suécia. 

“A internet já não é apenas uma ferramenta interessante; é uma necessidade da sociedade. Governos e organizações privadas precisam se juntar urgentemente para combater a exclusão digital”, defende o relatório.

Uma das revelações da pesquisa é de que, entre as pessoas que não têm acesso à internet atualmente, 59% já usaram anteriormente esse serviço – provavelmente durante períodos de estudos acadêmicos ou em algum ponto da vida em que podiam pagar por isso.

O alto custo dos serviços de internet está entre as principais causas da falta de acesso à web. No estudo do Instituto Capgemini, esse foi o motivo apontado por 56% das pessoas com idade entre 22 e 36 anos que nunca acessaram a internet.

Entre os não-usuários, um outro problema é a complexidade representada pelo processo de se conectar à internet e consumir serviços digitais.  Essa dificuldade foi sinalizada por 65% das pessoas com limitações de saúde prolongadas ou permanentes e por 61% das pessoas com deficiência.

Project Understood, lançado no fim do ano passado pelo Google e pela Canadian Down Syndrome Society, treina assistentes de voz para reconhecer a fala de pessoas com Síndrome de Down. Esses devices confundiam uma de cada três palavras ditas por elas.


Impactos na vida pessoal e profissional

O Instituto Capgemini listou uma série de impactos negativos decorrentes do fato de não se acessar a internet.

Exclusão social: a população offline está mais suscetível a sentimentos de solidão e inadequação, uma vez que não consegue usar os meios digitais para se conectar com familiares, amigos e membros da sua comunidade. Isso se acentua durante momentos como o que vivemos agora, diante da pandemia de Covid-19 e do isolamento físico como medida de prevenção contra o vírus.

Mobilidade na carreira: os não-usuários de internet são prejudicados em processos de recrutamento digitais e têm menos acesso à educação. A falta de competências digitais pode comprometer o crescimento profissional e a remuneração.

Serviços públicos: a população offline pode ser excluída de serviços públicos que são prioritariamente acessados por meios digitais. No Brasil, teve gente que precisou pedir dinheiro emprestado para usar uma lan house e se cadastrar no sistema criado pelo governo para disponibilizar auxílio financeiro emergencial durante a pandemia.

Perdas financeiras: as pessoas que não acessam à internet são privadas de descontos e ofertas oferecidas nas compras digitais. Os serviços bancários também costumam ser mais baratos, ou até gratuitos, no ambiente digital.

Saúde: a população offline deixa de ter acesso a informações e orientações largamente difundidas pelos meios digitais, e também não pode usufruir da evolução da telemedicina. Durante uma pandemia como a que vivemos atualmente, isso se torna ainda mais preocupante.

Operadoras como AT&T liberaram wifi gratuito durante a pandemia e ofereceram alguns outros benefícios para ampliar o acesso à internet nos períodos de isolamento social. Mas é preciso ir além de iniciativas pontuais.


O papel das organizações

Brand Purpose evoluiu para o Brand Action, estágio no qual as marcas são cada vez mais cobradas a gerar impacto positivo na sociedade e efetivamente partem para a ação, colocando em prática manuais de responsabilidade social e propósito. Em muitos casos, isso inclui parcerias com organizações não-governamentais, universidades e  órgãos públicos.

No que diz respeito às desigualdades digitais, as marcas podem contribuir para ampliar o acesso à internet e melhorar a qualidade do serviço oferecido, além de promover a educação digital e recrutar profissionais de grupos marginalizados, que possam ser treinados para desenvolver competências nessa área. Também podem disponibilizar o acesso gratuito a determinadas ferramentas que ajudem a promover a inclusão e a formação digital.

Durante a pandemia, marcas como AT&T e Comcast passaram a oferecer serviço wifigratuito nos Estados Unidos. A Claro fez o mesmo no Brasil, liberando o acesso às suas redes wifi, distribuídas em pontos como restaurantes e aeroportos. Embora sejam iniciativas particularmente importantes neste momento, é preciso pensar em soluções de médio e longo prazo para a desigualdade digital.