Análise: o desafio de reaproximar empresas e talentos

Busca mútua por valores profundos deve pautar relações de emprego do futuro, apontou última edição do Knowledge Exchange Sessions

Quando se pensa sobre o futuro do mercado de trabalho, como propôs a sessão “Jobs in a Disruptive World”, do KES, realizada em São Paulo, no último dia 23, costuma-se pensar primeiro em questões como o impacto da tecnologia, inteligência artificial e robótica. Muitos empregos, de fato, não existirão no futuro e tanto empresas quanto funcionários precisarão se adaptar a um mundo em que diversas funções serão automatizadas.

Mas existe uma questão anterior a essa que, não por acaso, dominou as discussões e preocupações dos executivos participantes do KES: a inabilidade das empresas de serem atrativas o suficiente para convencer as pessoas de que poderão se realizar como funcionárias ou colaboradoras. E, por outro lado, a ansiedade moderna vivida por muitos jovens profissionais, dificultando a descoberta de seus próprios valores e a compreensão de que há empresas com as quais elas poderiam compartilhar e construir bons momentos de suas vidas.

Queda de muros
“Há um movimento de busca de realização apenas no empreendedorismo. Mas é preciso mudar esse paradigma. As empresas não podem mais construir muros que limitem as pessoas, e sim derrubá-los. Também existe uma grande idealização do trabalho, especialmente nas novas gerações, que é conflitante com o mundo atual”, resume Andreas Auerbach, fundador da Nexo e CFO da Box1824.

A linha de pensamento de Auerbach é que a empresa sempre representou o papel de ampliar o contato das pessoas com o mundo. Em um mundo analógico, a vida conhecida era restrita à casa, ao bairro ou ao clube. Muitos conheceram o mundo por causa de suas empresas. Mas no mundo digital, tudo está a um clique e as companhias passaram a se comportar muito mais como um fator limitador. “A grande questão é como as empresas podem voltar a ser uma janela para o mundo”, resume.

Pertencimento e propósito
Os dois lados, pessoas e empresas, devem buscar a reconciliação. É fundamental que comecem a fazer isso olhando para dentro e fazendo uma autoanálise criteriosa. “É uma competência-chave para as pessoas conseguirem entender seus valores fundamentais e, depois, olhar para o mercado e identificar onde poderão estabelecer um casamento que as motive”, analisa Alexandre Teixeira, autor do livro “Felicidade S/A”.

Poucas companhias, por outro lado, têm conseguido fazer a autoanálise, ou como Teixeira prefere, o “exercício de busca pela autenticidade”.

Ao procurarem uma empresa, as pessoas, em geral, buscam os sentimentos de pertencimento (desejo de fazer parte de algo maior, ou de uma equipe que rema na mesma direção) e propósito (anseio de que essa direção seja virtuosa, com impacto positivo para as pessoas e sociedade). “No universo corporativo, as boas empresas oferecem pertencimento. Mas na questão do propósito, ainda não estão bem resolvidas”, analisa. “Observar o mercado de trabalho é como ir ao teto de um prédio alto e olhar para a cidade, onde há uma série de prédios cinzas, todos iguais. Poucas empresas conseguem colorir esse cenário, ao demonstrar seus propósitos”, analisa. Alguns exemplos citados por Teixeira são Ambev, relacionada a valores como a competitividade, a Natura, que com algumas ressalvas ainda é atrelada a sustentabilidade, e empresas como Google, Facebook e Spotify, que representam “o novo”.

Mercado fluído e sem “caixinhas”
Mesmo quando um funcionário descobre estar trabalhando na empresa que compartilha sua visão de mundo, ainda assim há questões que precisam ser melhor resolvidas. Uma delas é a estruturação de cargos e funções em caixas. Uma herança que vem da própria forma como a sociedade catalogou o conhecimento, como aponta Carla Mayumi, sócia-fundadora da Box1824. “O conhecimento ficou em caixinhas quando a educação deixou de focar na formação do espírito crítico para privilegiar a preparação para o mercado de trabalho”, afirma.

No entanto, essa estruturação não faz mais sentido em um mundo fluído. “Uma pessoa pode ter capacidades profissionais múltiplas e isso ocasiona em maior fluidez no próprio mercado de trabalho”, completa.

Exchange session
Após expor ideias sobre o futuro do mercado de trabalho, o KES, como de costume, promoveu a Exchange Session, formato em que os executivos convidados se dividem em grupos para discutir aspectos do tema principal do evento. Ao final, dividem insights e provocações como as reunidas nos tópicos abaixo:

Queda de interesse dos Millenials
Maíra Habimorad, presidente da Cia de Talentos e comentarista da Globonews
“Acompanhamos interesse dos jovens Millenials em cargos de liderança e houve uma queda de 87% para 67% em cinco anos. Toda nossa estrutura e lógica organizacional é para oferecer, no final, um cargo de liderança e aposentadoria feliz. O pedido é por “como viver experiências felizes todos os dias”

Impacto da longevidade
Gabriela Viana, head de marekting da Adobe na América Latina
“Quando discutimos os Millenials no mercado de trabalho, é preciso lembrar que vivemos em uma população que tende a envelhecer. Muitas vezes, damos um valor absolutista ao jovem no trabalho e na publicidade, mas precisamos começar a questionar e lembrar que nossa geração tem valores que podem ser compartilhados com as novas gerações”.

Papel do governo
Ulisses Zamboni, sócio da Santa Clara
“Os governos não acompanham a inovação e representam a antítese da liberdade de trabalho e da busca pelo propósito das empresas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o home schooling é vigente em diversos lugares, enquanto no Brasil você é preso se não leva o filho para a escola. Precisamos refletir sobre como tem funcionado a simetria entre regulação e liberdade”.

Falta de foco no home-office
Leonardo Cid Ferreira, CSO da Accenture Digital
“Quando você tenta unir vida pessoal e profissional, acaba se distraindo o tempo todo e não faz nada direito. Uma tendência que tenho percebido é o foco e criação de rotinas. Tomei a decisão de ler e-mails apenas duas vezes ao dia e buscar minha filha na escola em determinados dias. São decisões que te tornam mais disciplinado e ajudam a dividir a vida pessoal da profissional”.

JOBS IN A DISRUPTIVE WORLD
Na prática, e no fim do dia, essa discussão aponta para uma única direção: as “caixinhas” precisam cair, o que impacta não apenas nas funções que uma pessoa pode exercer na empresa, mas também na capacidade de multiplicar projetos que envolvam outras empresas e na flexibilização do dia a dia de trabalho. Os tais muros que existem entre vida pessoal e profissional precisam desaparecer, dando espaço a verdadeiros propósitos que incentivem as pessoas, beneficiem a sociedade e, desta forma, impulsionem os negócios.