Economia comportamental: os fatores que influenciam as decisões nos negócios

Conjunto de forças imperceptíveis são capazes de mudar jeito de agir de executivos, que enfrentam o desafio de identificar o contexto para guiar as empresas para o lugar certo

O que influencia o processo de tomada de decisão nas empresas? É a racionalidade, a análise de dados ou a intuição?

“Os acontecimentos irrelevantes afetam nosso cérebro mais do que se pensa. Não importa o quanto somos inteligentes: precisamos reconhecer que somos seres humanos e há sutilidades que podem mudar completamente nosso jeito de pensar”, afirma Francesca Gino, cientista comportamental e professora da Harvard Business School.

Convidada para o último Knowledge Exchange Sessions (KES) de 2016, realizado na terça-feira, 22, em São Paulo, a acadêmica engajou, por meio de videoconferência, os participantes do evento em exercícios que comprovaram esse tipo de impacto e os convidou a discutir formas de entenderem o contexto e tomarem decisões melhores. Cerca de 150 pessoas se envolveram nas discussões e procuraram identificar as barreiras comportamentais com que devem lidar todos os dias.

Com pesquisa focada em negociações e tomada de decisões, Francesca Gino estendeu a discussão para as escolhas que fazemos não apenas no trabalho, mas na vida pessoal. Muitas delas são inconstantes e sequer nos damos conta disso. “Por que nossas decisões são, por vezes, corrompidas e como podemos tentar ser sempre fiéis a nossos planos?”, indagou.

Em seus estudos, Francesca identificou e separou três forças aparentemente irrelevantes, mas que deve ser motivo de atenção de todos a partir de agora. Elas desafiam a nossa capacidade de tomar decisões e, na maior parte dos casos, sequer nos damos conta disso.

1 – Força interior (Forces from within)
Mentes e corações hospedam fatores imperceptíveis, mas que são parte da natureza humana. Homens e mulheres costumam fazer auto avaliações otimistas em relação ao seu real potencial para, por exemplo, tomar boas decisões e se relacionar com pessoas. Sua ética e capacidade de fazer boas negociações também costumam ficar acima de qualquer suspeita.

Francesca apresentou um estudo curioso da US News que apontou quem as pessoas levariam para o céu: com 87%, a resposta “elas próprias” ficou à frente de “Madre Teresa de Calcutá”, com 79%. Mais sintomático, impossível. “Nosso excesso de confiança tem potencial para influenciar negativamente a tomada de decisão”, explica Francesca.

2 – Forças de nossos relacionamentos (Forces from our relationship)
Não é novidade dizer que as emoções são um fator importante para nossa tomada de decisões e para impulsionar comportamentos. Mas Francesca fez um exercício que mostrou que é muito mais difícil controlar tais impulsos do que imaginamos.

Ao receber uma proposta salarial anual de US$ 175 mil de uma empresa que paga esse salário médio a outras pessoas, um profissional egresso de um MBA tende a aceitar. Se ele recebe uma proposta de US$ 185 mil, maior, portanto, mas a média da empresa é US$ 195 mil, ocorre o oposto, mesmo se tratando de mais dinheiro. Não se trata de uma decisão racional.

Quando o ser humano está diante de uma situação justa, exames cerebrais demonstram que essa sensação faz com que as ações sejam tomadas sob o ponto de vista do planejamento – porque a justiça desperta a parte do cérebro responsável por esse tipo de reflexão. Diante de uma injustiça, o cérebro ativa áreas relacionadas a conflitos e desgosto e as pessoas tendem a tomar decisões ruins. “Não é uma característica de algumas pessoas apenas. Embora elas sejam diferentes entre si, suas cabeças têm muitos pontos em comum”, avisa.

3) Forças de fora (Forces from the outside)
O contexto sob o qual o ser humano está operando é o terceiro conjunto de forças que influencia a tomada de decisões. Em um rápido exercício, Francesca Pino convidou os participantes do KES a repetirem números que apareciam na tela. Em seguida, colocou letras, sendo que a última era um B. Ou, pelo menos, foi o que todos pensaram, porque na verdade era o número treze. “Precisamos nos atentar para a força do contexto sob o qual tomamos decisões para ter resultados melhores”, sentenciou.

Troca de conhecimento
São várias as barreiras comportamentais com as quais as pessoas precisam lidar em seus processos de decisão. Flávia Avila, professora da ESPM e especialista em economia comportamental, apresentou uma série delas – que acabaram sendo o ponto de partida para as reflexões das Exchange Sessions.

Nudge
Argumento da ciência do comportamento pelo qual olhar a arquitetura dos argumentos e focar na mudança de pequenos detalhes, como uma das ideias específicas, é muito mais poderoso para mudar escolhas das pessoas do que, por exemplo, um incentivo financeiro

Sistema 1 x Sistema 2
O sistema de pensamento 1 é rápido, intuitivo, emocional. O sistema 2 é lento, e nos faz parar para refletir. Acreditamos estar falando com consumidores que estão no sistema 2, mas na realidade eles estão quase sempre no 1

Prova social
Barreira que se refere à aceitação social daquela decisão. Um grupo de jovens da Califórnia tentou influenciar uma comunidade a diminuir o consumo de energia. Só funcionou quando eles utilizaram o argumento de que os vizinhos estavam trocando ar condicionados por ventiladores.

 Status Quo
A opção padrão ajuda na tomada de decisão e marcou uma revolução na previdência privada norte-americana, por exemplo. Os formulários de admissão passaram a colocar a opção “Sim, eu quero previdência” como padrão e geraram um salto de 20% para 80% de resultados, causando grande impacto na economia.

 Aversão à perda
As pessoas tendem a se esforçar mais para evitar as perdas do que buscar ganhos. Em uma empresa, se o executivo dá um bônus e o retira caso as metas não sejam alcançadas, vai causar impacto mais positivo do que dar um bônus apenas no final. Trata-se de uma questão de como enquadrar o discurso.

Confirmação
Executivos tomam uma decisão e, geralmente, acabam buscando informações posteriores que confirmem a hipótese inicial. Se o executivo acha que vale a pena investir um valor X em determinado projeto, vai querer ir atrás das informações que justifiquem isso, e não dar que provam o contrário.

Presente
Tendemos a valorizar o imediato frente ao futuro. Não sentimos tanto a dor do pagamento que vai chegar, porque o custo do futuro não é tão nítido. Em uma situação real, ao se verem em fotos como “idosos”, após aplicação de efeitos, as pessoas tenderam a aceitar um plano de previdência.

Excesso de Confiança
É a ideia de superestimar nossa habilidade em relação a nosso conhecimento e tomada de decisões em cima de projetos.

EXCHANGE SESSIONS
Quais são as barreiras cognitivas que executivos enfrentam quando estão tomando decisões e que tipo de estratégias podem pensar após conhecer melhor o tipo de barreira que enfrentam?

Intuição x reflexão
Flávia Avila – Professora da ESPM e especialistas em economia comportamental, citando conceitos de “Rápido e devagar: as duas formas de pensar”, de Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia.

“Quem está tomando decisões sob o sistema dois de pensamento, que é mais lento e reflexivo, deve ter cuidado, porque o sistema um, rápido e impulsivo, pode agir de forma mais poderosa. Os resultados da eleição norte-americana demonstraram isso, porque enquanto tínhamos uma candidata atuando no sistema 2, apareceu Donald Trump, personagem mais característico do sistema 1 nos últimos tempos. Normalmente, estamos atuando no sistema 1, que é a decisão rápida, mas achamos que estamos construindo estratégias sob o sistema 2, para consumidores que pensam no sistema 2. Entender isso é fundamental para influencia no sucesso das estratégias”

Empresas são iguais a humanos
Carla Mayumi – sócia da Box1824 e da TalkInc

“Estamos estudando comportamentos de pessoas, mas a realidade é que existe um comportamento macro de cada corporação. As empresas em si são um ser, uma entidade, que também vive as dificuldades das barreiras cognitivas e comportamentais. Isso impede, por exemplo, inovações de startups”

Falso poder da escolha
Mauricio Ferreira – diretor de marketing da Microsoft

“O poder da escolha está nas mãos do cliente, que opta pela forma como ele quer consumir nossos produtos e conteúdos, seja em que tela for. Nosso excesso de confiança nos faz achar que sabemos a forma como o cliente quer consumir. Isso está equivocado”

Sistema contra barreiras
Marcelo Dadian – Diretor da SuaHouse.Vivareal

“Sob o ponto de vista de gestão, precisamos de KPIs para minimizar barreiras como as da Confirmação, Aversão à Perda e Prova Social. Sou engenheiro e tendo a pensar de forma mais racional, mas devemos nos questionar como podemos criar um modelo para conseguir tomar decisões mais corretas”

Tecnologia e tomada de decisão
Olga Martinez

“As empresas tendem a ser imediatistas ao tomarem decisões relacionadas aos consumidores, mas precisamos refletir sobre como entender esse cenário e criarmos soluções reais para facilitar a vida deles. A tecnologia traz consigo um excesso de informações, o que só aumenta o desafio das empresas oferecerem opções para as pessoas tomarem suas decisões”.

Migração para modelo de startup
Marta Oliveira

“Por que é difícil para as empresas que operam sob o modelo tradicional incorporarem aspectos de startups? Será que todas elas vão morrer ou algumas irão se adaptar? Acho que é possível algum tipo de mudança em que a ponta de conexão seja entender e se aproximar da cultura do novo consumidor e incorporar esses valores”

E as novas gerações?
Cinthya – Flamingo

As gerações que estão chegando agora ao mercado de trabalho têm valores revisados em relação aos nossos. Embora as barreiras estejam nos cérebros de todos, é provável que os jovens terão barreiras diferentes das nossas no futuro. Existe um revisão de valores e capacidade de autoconhecimento da nova geração que difere da nossa. O quanto essas novas dinâmicas do pensamento irão modificar as tomadas de decisões?

Moral da História?
O processo de tomada de decisão não é tão racional quanto imaginam os executivos das empresas. A necessidade de estar no controle das situações para que se possa decidir pelas melhores opções para os objetivos da companhia é normalmente contrastada com uma série de forças praticamente imperceptíveis que são extremamente influentes na forma de agir das pessoas.

Foto: Eduardo Lopes / KES