Análise: comunidade YouTuber é um poderoso universo em expansão

São 82 milhões de brasileiros conectados à plataforma. Conteúdo valorizado por temas e diversidade de canais demandam estratégias que vão da cocriação à liberdade criativa

O jovem piauiense Whindersson Nunes, 21 anos, circula à vontade entre um grupo formado por centenas de convidados numa área reservada e elevada no Espaço das Américas, em São Paulo. É frequentemente parado para tirar foto com alguém ou para dar entrevista ou para simplesmente trocar ideias. No outro lado do espaço, no chão comum, está uma multidão de gente gritando, vez por outra, o nome de algumas daquelas pessoas que estão no alto, ao abrigo de abraços, selfies, amassos. São como súditos de uma nova geração de estrelas, nesse caso, YouTubers.

Naquela área vip estavam alguns dos influenciadores mais notórios da web. Ao menos para quem consome regularmente vídeos online, um público de 85 milhões de brasileiros – deles, 82 milhões o fazem pelo YouTube, aponta uma pesquisa recentemente divulgada (leia mais a respeito do estudo mais abaixo). Pergunte a um tio, uma prima ou ao gerente de banco se eles conhecem Whindersson Nunes. Dependendo do consumo de conteúdo que fazem cotidianamente, não saberão responder. Mas aquela multidão do Espaço das Américas, formada por muitos jovens como o rapaz do Piauí, sabe: ele é o novo rei do YouTube no Brasil.

Nesta semana foi anunciado que o canal de Whindersson superou o do Porta dos Fundos, então o número 1 em total de inscritos. São 12.730.465 pessoas assinando o conteúdo dele que se apelida “Lampião do YouTube”, base válida até esta sexta-feira, 7. Os assinantes do Porta dos Fundos chegam a 12.639.924 (dados também desta sexta-feira).

Mas Whindersson não tem apenas o canal mais popular do YouTube brasileiro. Ele é a segunda personalidade mais influente entre os jovens (14 a 17 anos), conforme a pesquisa Influencers, do YouTube, feita em parceria com a Provokers e o Meio & Mensagem. O humorista está atrás de Luciano Huck. Nessa mesma lista, entre os dez mais influentes, cinco são do YouTube. São eles, na ordem: o casal Coisa de Nerd (Leon e Nilce), em terceiro; Luba, em sexto; Kéfera, em nono, e Júlio Coccielo, fechando o ranking.

Eles e mais outros YouTubers, num total de 120, estiveram no YouTube FanFest, evento realizado na quarta-feira, 5, para festejar o sucesso desses fenômenos da internet e promover um encontro com a comunidade de fãs. Mas essas estrelas do vídeo também participaram de outra festa organizada no mesmo local, o Brandcast, que celebrou o impacto da plataforma “na cultura e na construção de marca”. Esta é a segunda vez que o Google Brasil realiza esse grande evento, reunindo fãs, criadores de conteúdo, anunciantes e agências. Ao todo, estiveram na FanFest e no Brandcast um público de 1,5 mil pessoas.

Alguns números apresentados por Fabio Coelho, diretor-geral do Google Brasil, e outros disponibilizados pelo YouTube merecem atenção porque mostram ao mercado que o universo YouTuber tem uma natureza bastante diversa da de outra mídia, com a qual é normalmente comparada: a TV – embora muito sobre isso já tenha sido dito antes.

– O tempo de visualização cresceu 70% no Brasil no ano passado (Fonte: Dados internos do YouTube)

– O ROI do YouTube é 5,4 vezes maior que o da TV aberta; 2,2 vezes maior que o da TV a cabo e 2,3 vezes superior às mídias sociais (Fonte: estudos de Media Mix Modeling – Nielsen)

– Em 2015, no Brasil, mais de 40% das impressões do Google Preferred (solução para anunciantes reservarem espaço nos principais canais da plataforma) foram em dispositivos móveis pacote (Fonte: Dados internos Google Preferred, 2016)

– No último ano, os canais no Google Preferred no Brasil tiveram mais de 100% de crescimento em inscritos e mais de 125% de crescimento em tempo assistido (Fonte: Dados internos Google Preferred, 2016)

– “No Brasil, o YouTube atinge mais pessoas de 18 a 49 anos do que a TV a cabo” (Fabio Coelho)

– “O Brasil é o segundo mercado do YouTube no mundo, pelas horas assistidas. Está atrás dos EUA. Mas Canadá, Inglaterra e Austrália também assistem aos YouTubers americanos” (Fabio Coelho)

Pesquisa VideoViewers

Divulgado no evento, o estudo que aponta que 82 milhões de brasileiros assistem a vídeos no YouTube (número mencionado mais acima) é o VideoViewers, que chega à terceira edição. Foi realizado pela Provokers com 1.500 brasileiros (14 a 55 anos), que consomem regularmente conteúdo da TV nas metrópoles Porto Alegre, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, além de algumas cidades do interior paulista.

Entre os dados revelados:

– o tempo dedicado a vídeos na web passou de 8,1 horas para 16,3 horas semanais

– de 2014 a 2016, a participação da internet no tempo total que os brasileiros dedicam a ver vídeos passou de 27% para 42%

– 55% das horas dedicadas para ver vídeos na web são por meio do smartphone

– o percentual de brasileiros que passa mais tempo vendo vídeos na web do que em outras mídias passou de 12% para 30%

– 88% dos entrevistados associam “vídeo” a YouTube; 73% a Facebook; 65% a WhatsApp; 33% a TV fechada; 28% a TV aberta

Por que entender os tipos de conteúdos?

Um dos pontos de destaque da pesquisa VideoViewer se refere ao tipo de conteúdo que é consumido na plataforma. Questionados a respeito de temas, os entrevistados indicaram o YouTube como o meio favorito para ver vídeos. Em média, o percentual dos consumidores que preferem conferir vídeos mais focados em música, comida, humor, esportes, games e beleza e moda – via YouTube – é 3,5 vezes maior se comparado ao grupo que respondeu TV aberta e TV paga.

A liderança da plataforma é mais acentuada quando se trata de vídeos nas categorias música, humor e comida. Entre os jovens de 14 a 24 anos, os jogos também ganham atenção.

Compreender a dinâmica da plataforma, a diversidade de conteúdos de que dispõe e também as características de cada canal são condições fundamentais para o desenvolvimento de uma estratégia de comunicação que atinja com eficácia o público que gravita em torno do YouTube.

Felipe Castanhari, do canal Nostalgia (7,7 milhões de inscritos), conta que há três anos começou a se relacionar com marcas atraídas pelo seu público. O Nostalgia destaca que revive coisas da infância, entre elas jogos e desenhos. Sua primeira interação com o mercado de comunicação veio de um projeto da Disney. Felipe comentou o filme João e Maria. “Diferente da TV, a gente não pode falar no vídeo que o conteúdo é patrocinado. Mas na descrição do vídeo fica claro”, afirma.

Ainda não é tão simples explicar para as marcas que a melhor proposta, no caso do Nostalgia, é a cocriação. “Conforme a gente vai trabalhando, conseguimos mostrar que sabemos o que dá certo com o nosso público. Porque tem de ser do nosso jeito. De outro modo, o conteúdo fica engessado e não dá resultado”, diz Felipe. Segundo ele, conquistar confiança é uma eterna batalha. Mas isso não desanima. “Numa próxima oportunidade, a gente mostra ao cliente, que tem a visão da TV, que não precisa ter receio”, emenda, reforçando que conteúdo para o YouTube é muito diferente do que vai para a TV.

Um exemplo recente de um case que deu bons resultados é o que fez com a Coca-Cola, para a Rio 2016, em que ele carregou a tocha olímpica. Outro trabalho foi feito para a Kroton em que o objetivo era falar sobre financiamento privado. “Consegui falar de uma maneira bacana porque disse que se meu sócio tivesse obtido um financiamento ele não teria trancado a faculdade, o que aconteceu de verdade”, lembra. Felipe esclarece que os resultados são passados pelos clientes e que esses feedbacks são importantes para direcionar novos trabalhos.

Se a cocriação é um modelo que tem dado certo com o Nostalgia, no caso do Porta dos Fundos essa palavra não é empregada. Ou seja, fica claro que o que serve para um canal não é necessariamente a melhor opção para outro. “Temos uma receita. Achamos um jeito simpático de trabalharmos com as marcas”, conta Antônio Tabet, um dos fundadores do coletivo. O Porta dos Fundos responde inteiramente pela criação do conteúdo nos projetos fechados com anunciantes. “Não tem cocriação. É criação”, ressalta. Evidentemente, esse status se deve ao renome já conquistado pelo canal e pelos integrantes do coletivo.

Sobre perder a posição de maior canal do YouTube (em inscritos), Tabet foi direto: “tivemos zero dor. Somos amigos do Whindersson. O sucesso dele só demonstra quando o veículo é democrático. Acho ótimo que seja um canal que não está no eixo Rio-São Paulo”. O humorista piauiense já participou de um vídeo do Porta e agora o coletivo planeja com o “Lampião do YouTube” uma participação no canal dele. Tabet, 42 anos, trafegou tranquilamente entre os YouTubers. “É emblemático estar no meio de uma molecada que está alheia à TV.

Alguns deles estão na internet e na TV, mas outros não. Poderia ser pai de vários e admiro o trabalho de muitos, como o Christian Figueiredo, o próprio Whindersson e o Felipe Castanhari”, disse, referindo-se a outro campeão da plataforma, o criador do canal Eu Fico Loko.

Whindersson, por sua vez, tem gostado mais de focar seu trabalho em apresentações em teatro, fazendo stand-up comedy. Não tem podido aceitar qualquer proposta de marca – exatamente porque tem dado bastante atenção ao teatro, que se transformou em mais uma atividade dos YouTubers. Ele estuda também dois projetos de cinema, ambos de comédia. Mas Whindersson tem feito alguns trabalhos com anunciantes, como um vídeo para o Bob’s e outro para Tic Tac. Todas as oportunidades são analisadas, diz.

O que mais gostaria de fazer hoje, além de seguir a rotina em que agora está inserido?
“Bate-papo com universitários”, responde, demonstrando o quanto gosta de ficar em contato com o público.


Foto:
Fábio Coelho, diretor-geral do Google no Brasil

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