Propósito = honestidade intelectual e integridade no coração

A palavra da moda é muito mais do que encontrar e abraçar uma causa. É a constante e incessante construção do que vamos deixar para os nossos filhos

POR RODRIGO VIEIRA DA CUNHA *

Muito recentemente, tomei talvez a minha maior invertida intelectual da vida. No afã bem intencionado de contar as percepções de um aprendizado dentre os mais relevantes da minha vida, percebi que tinha avançado um sinal ao receber o feedback de um dos mestres que tenho a sorte de ter — que prefere ser chamado de amigo. Não tenho a permissão para entrar em detalhes, mas queria compartilhar aqui o que mais ressoou para mim. Em dado momento do e-mail em resposta ao texto que eu havia escrito — que agora foi para uma gaveta da vida — ele disse: “Rodrigo, juntos (humanidade e povos diferentes) temos que perguntar o que vamos deixar a nossos filhos. E nada mais. E para isso, temos que ter muita honestidade intelectual e integridade no coração. Sério. E isso não é fácil”. Bum! Lá se foi minha mente.

Honestidade intelectual e integridade do meu coração são coisas que pautam minha vida. Porém, o fato de eu estar fazendo algo que achava ser o mais puro e com a melhor das intenções estar ferindo alguém e com possíveis consequências me fez pensar bastante. Mas esta pergunta e essa discussão só existiram porque dois seres humanos, contraditórios por essência, estavam buscando um ponto comum para estabelecer uma linguagem. Fico pensando: que espaço há para isso nas empresas e nas marcas hoje? O ambiente corporativo — na grande maioria das vezes — é uma selva de pedra. Já trabalhei em grandes empresas. Aprendi que, dependendo da liderança, conseguimos extrair o pior das pessoas. Ganância, inveja, cobiça, luxúria, gula, avareza, ira. Inseguranças, egoísmo, enfim, a lista pode continuar.

Fico pensando sobre isso e sobre estar sendo duro demais com estes lugares. Certamente, estou. Trabalhei em lugares fantásticos também, em que ao final das férias estava com saudades dos colegas e do trabalho. Ambientes de cuidado, carinho, respeito, aprendizado mútuo, colaboração. E qual era a diferença entre um lugar e outro? Responsabilidade social. Sustentabilidade. Propósito. Sentido. Capitalismo Consciente. B-Corps. Use o nome que quiser. O mundo da gestão está buscando criar uma definição para algumas empresas e marcas com um objetivo: diferenciar as pessoas que estão se preocupando com o todo daquelas que estão preocupados exclusivamente com a última linha do balanço. E digo pessoas deliberadamente, porque organizações são feitas de pessoas.

No fundo, no fundo, o que move estas pessoas que estão querendo dar um novo sentido para o capitalismo são os valores. Itens básicos de convivência como cuidado, atenção, respeito e amor. Amor? Pé-pé-pé-pé-pé! Soam os alarmes corporativos. Como assim, falar de amor no ambiente de trabalho? Pois é. Vale citar alguns exemplos. No início da sua história, o WholeFoods, principal rede de supermercado de alimentação saudável do mundo quase foi à falência por conta de um alagamento em Austin, a sede da empresa. Nas semanas que passaram, consumidores, funcionários e fornecedores aparecerem como um enxame para ajudar a recompor a loja, simplesmente porque amavam o negócio. Uma das empresas com gestão mais progressista do mundo, Ben&Jerry’s, tem um slogan chamado #PazAmoreSorvete. O lendário Banco Real tinha um coração no modelo corporativo, pendurado em todas as paredes. Um dos fundadores da Natura, Luiz Seabra, falou recentemente em um evento que uma das linhas da empresa, Mãe e Bebê, nasceu para mostrar a importância de uma mãe massagear o bebê. Quer mais amor que isso?

Estou entrevistando pessoas para um projeto que comecei recentemente e se chama Humanos de Negócios. Já falei com pessoas incríveis. São líderes de empresas, organizações e ONGs. Em todas, a conversa passa por decisões e dilemas existenciais em que os caminhos foram escolhidos pelos valores, pela ética. Mesmo que isso signifique levar muito mais tempo para realizar algo. Este tempo a mais é o tempo orgânico, o tempo da manifestação da essência das pessoas. Minha mente fica atormentada, achando que talvez eu possa estar querendo demais, querendo que as pessoas cuidem uma das outras enquanto fazem negócios. Desejando que cuidem do impacto no todo.

Fico lembrando disso quando resolvi sair de uma empresa em que me disseram que ia chegar a campanha política e com ela os pagamentos em caixas de sapato. Saí correndo! Fui trabalhar num lugar onde minha remuneração passou a ser igual a metade do que eu ganhava naquela empresa. Mas só de pensar de onde estava vindo o dinheiro (caixa 2, corrupção, recursos não-contabilizados sei lá) que vinham me pagar, tenho certeza que foi a melhor decisão. A decisão, no final das contas, é sempre individual.

O sentido da vida é uma resposta que não está escrita em nenhum lugar. Ela tem muito a ver com uma busca pessoal e aquilo que vamos construindo. As organizações fazem parte umbilicalmente de nossa vidas. Elas existem para mediar relações, para satisfazer necessidades. Para as pessoas comprarem algo que estão precisando. E aqui, temos um conceito chave: comprar algo que estão precisando. Muitas corporações que existem hoje no mundo vivem de vender coisas que as pessoas acham que estão precisando, porque alguém disse isso a elas. Estamos organizados num sistema mediado pela publicidade que impulsiona a compra de coisas que também não precisamos.

Esta conversa é um tabu na maior parte dos lugares que eu passo. E acho que está na hora de a gente começar a conversar abertamente sobre isso. É muito mais fácil olhar para o lado, ligar a TV (assistir mais publicidade) e depois ir para o shopping comprar mais um sapato ou mais uma gravata. Qual o propósito disso? A busca pelos resultados-do-trimestre-para-alimentar-a-máquina-de-gerar-dinheiro-e-garantir-retorno-para-o-acionista-ficar-ainda-mais-rico-e-concentrar-ainda-mais-a-renda-no-planeta está nos levando para o buraco, sem que nem percebamos.

Seres humanos, atenção, nós esgotamos este modelo. Precisamos resgatar o propósito, a consciência sobre o que estamos fazendo. Precisamos entender qual a intenção do dos nossos atos, das nossas decisões de consumo ou onde estamos investindo nossa energia. Precisamos pensar, afinal. Qual o mundo que vamos construir para os nossos filhos? Esta resposta não é fácil. Só não pode nos faltar honestidade intelectual e integridade no coração, como bem disse esse mestre.

* Rodrigo Vieira da Cunha é fundador da Profile, head de PR da LiveAD e embaixador do TEDx para a América Latina.

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