É claro que NÃO somos todos Paralímpicos – e a editora Trip sabe disso há muito tempo

Campanha criada pela agência Africa e veiculada na Vogue expõe desconexão de parte da indústria da comunicação com o que realmente importa nos dias de hoje: diversidade, propósito e verdade


BOMBOU NAS REDES.

O jargão acima é tão batido e inadequado quanto o #SomosTodosParalímpicos, mas é o que melhor contextualiza a campanha criada pela agência Africa e veiculada pela Vogue Brasil. Mas bombou no pior dos sentidos. Bombou por ignorar o que deveria reger a comunicação e o marketing. Bombou pela ausência de verdade. Bombou pela desconexão inacreditável com a realidade.

E sabe o que é pior? A intenção foi boa. Ninguém fez isso para ferir e despertar a ira das redes. O que expõe a distância oceânica de parte da indústria da comunicação – que inclui o mercado editorial – com a vida real, em pleno 2016. E mais: a desconexão com a responsabilidade que nós, que formamos essa indústria, devemos e precisamos assumir.

A campanha você já deve conhecer. Caso não tenha visto, aqui está o link. Nós não vamos reproduzir a tal foto aqui na GoAd Media. Estrelada pelos atores Cleo Pires e Paulo Vilhena com braço e perna “amputados” pelo Photoshop, tinha como objetivo atrair brasileiros para as arenas dos Jogos Paralímpicos Rio 2016 que começam no próximo dia 7. O tiro saiu pela culatra.

Assim que foi veiculada, começaram os posts detonando a comunicação. E argumentos não faltam. Em texto publicado no Facebook, o CEO da LiveAD, Lucas Mello, destaca que a campanha expõe um problema de quem lidera hoje o mercado publicitário. “Vivemos hoje uma crise ética que está cada vez mais exposta e que precisa de uma grande revisão urgente. Essa campanha é mais um equívoco de um sistema condenado a se renovar ou morrer. E ideias como essa só aceleram esse ciclo”.

Luíse Bello, do projeto Olga, aponta que a superficialidade e a falta de conexão com a realidade não chega a surpreender. E avança: “Não podemos deixar de apontar a responsabilidade dos veículos de comunicação na disseminação de preconceitos e na sistemática exclusão de minorias. Editorias, departamentos de marketing, produtoras e agências de comunicação são compostos por indivíduos. E, se esses indivíduos são frutos de uma sociedade machista, preconceituosa e racista, é impossível que consigam chegar a conceitos que, em algum nível, não estejam infiltrados por esses males.”

Na contramão disso tudo há três décadas, a editora Trip tem papel importante na quebra de estereótipos, barreiras e preconceitos que cercam a nossa sociedade. Em fevereiro deste ano, a revista TPM, publicada por Trip, trouxe na capa a atleta paralímpica Claudia Santos e a chamada “A pele que habito”, em referência ao filme espanhol dirigido por Pedro Almodóvar (2001). Ainda na capa, Cláudia crava o que daria o tom à edição: “Não troco este corpo pelo de antes do acidente”, referindo-se ao seu atual momento de vida. Outras mulheres compuseram a matéria de capa, expondo a beleza e a dor de serem exatamente o que são.

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As bandeiras levantadas pela Trip ao longo de seus 30 anos de história têm guiado reflexões importantes que só agora entram na pauta da grande e poderosa indústria da comunicação. Campanhas publicitárias e novelas mostram aos poucos mais negros, mulheres e gays em papéis que fogem dos seus estereótipos comuns. E não falamos somente de Brasil. Esse é um desafio global.

O Festival de Criatividade de Cannes, o mais importante da indústria mundial da comunicação, criou há apenas dois uma categoria chamada Glass Lions para reconhecer campanhas que colocam igualdade de gênero em pauta. Neste ano, bonitas campanhas e causas abraçadas por grandes marcas foram premiadas. Um exemplo é esta abaixo, da Unilever na Índia, que criou uma banda pop formada por pessoas transgêneros.

Na Inglaterra, o Channel 4 foi na via oposta da Vogue Brasil e destacou os “super humanos” para apresentar os Jogos Paralímpicos de 2012. Com um trailer emocionante e bem produzido, o canal inglês aponta um caminho para tratarmos de temas cercados de preconceitos exatamente como eles devem ser tratados. Vale conferir:

Se a Vogue, a agência Africa e todos os envolvidos nessa campanha da Paralimpíada erraram (e, de fato, erraram), que esse erro seja um alerta para que todos nós, que formamos e ecossistema da comunicação e do marketing, possamos refletir sobre cada linha que escrevemos, pautas que criamos, vídeos que produzimos, campanhas que lançamos.

Nós temos a missão e a obrigação de retratar o mundo com verdade e transparência. Nós temos a obrigação de quebrar estereótipos. Só assim, criando significado e propósito para aquilo que colocamos na rua, é que vamos transformar o mundo de verdade, sem Photoshop.

Colaborou: Felipe Turlão

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GoAd Media é a primeira rede brasileira colaborativa de conteúdo e conhecimento nas áreas de comunicação, mídia marketing.